Por mais que eu tenha evitado, até o momento, entrar na seara da opinião pessoal aqui no Rio, muita gente já adivinhou que eu não apoio Marcelo Freixo e, consequentemente, meu voto vai para Eduardo Paes. Bem, eu não acredito em imparcialidade, não para mim. Até acho que ser imparcial é uma boa postura para alguns sites e jornais. Alguns, bem poucos. A maioria apenas é hipócrita ou pusilânime. Para mim, contudo, isso não funciona. Esse Cafezinho tem um conceito mais “equilibrado” que o Óleo do Diabo, onde eu chutava o pau da barraca. Mas a minha formação dentro da blogosfera é na seara da opinião transparente, explícita. É assim que eu gosto de agir.
No caso da eleição no Rio, a confusão é grande porque Marcelo Freixo entra como um candidato de esquerda, e os que apenas me conhecem como “blogueiro de esquerda” acham que meu voto natural seria nele. A turma do PSOL e simpatizantes, porém, que me odeia, por minhas posições governistas, pela defesa que faço de Dilma Rousseff (assim como fiz de Lula), já supunha que eu vinha mesmo de Eduardo Paes.
Este é o momento, portanto, de trazer alguns esclarecimentos de ordem ideológica, que serão de utilidade coletiva, espero eu, já que não foram inventados por mim, mas assimilados na mesma conjuntura política que todos nós vivemos.
Em primeiro lugar, eu defendo, radicalmente, um debate democrático sem baixaria. Respeito a opinião de todo mundo. Quer dizer, respeito um pouco menos quem vota em Serra ou Rodrigo Maia, por exemplo, mas mesmo neste caso, acredito num diálogo civilizado.
Esse é um toque que dou nos eleitores de Freixo. Eu respeito o seu voto, e a sua opinião. Nao entro em seus blogs ou perfis lhes agredindo. Respeitem a minha, sem apelar para baixarias, como me acusar de “miliciano”, apoiador de miliciano, e demais epítetos gentis. Tenho visto a militância de Freixo agredindo muita gente por aí: quem não vota em seu candidato, é ignorante, vendido, burro ou mal intencionado. Não é assim que se conquista votos, não é assim que se debate política.
E porque eu não apoio Freixo, um candidato de esquerda, supostamente bem intencionado, com propostas “revolucionárias” para a cidade?
Porque eu acredito na política. Não só acredito, como a estudo, cuidadosamente, há anos. Ela é resultado de um projeto coletivo, construído conjuntamente com as forças partidárias, instituições, governos, sindicatos, empresas e movimentos sociais. Nenhuma transformação, mormente numa cidade complexa, repleta de interesses em conflito, como o Rio de Janeiro, é possível através do voluntarismo de uma pessoa só. Não basta ter apoio de artistas da Globo e gente da zona sul. É preciso conquistar um mínimo de forças partidárias, econômicas e sociais presentes na cidade. É preciso conquistar as lideranças das áreas pobres, os sambistas. Dialogar com os empresários, com os vereadores de outros partidos.
Até aceito que um prefeito do Rio de Janeiro pode ser oposição ao governo do estado e ao governo federal, mas francamente, os cariocas estão bastante traumatizados com essa situação. Se fosse uma oposição realmente esclarecida, que soubesse distinguir bem as diferenças políticas e as necessidades republicanas de uma relação harmônica, tudo bem. Mas infelizmente não é o caso do PSOL.
E logo agora, que temos centenas de obras gigantescas de infra-estrutura em andamento, que teremos em breve eventos como Copa e Olimpíadas, não seria oportuno termos um prefeito às turras com o governador e a presidenta.
Estou dando razões práticas, que explicam não só a minha posição, mas a da maioria do eleitorado carioca.
Agora passemos às razões de ordem política e ideológica.
Eu não acho que o PSOL seja um partido maduro, nem politica nem ideologicamente. O eleitorado de Freixo mostra bem isso: é extremamente concentrado na zona rica da cidade.
Alguém argumentará: “Ah, mas o PT também tinha um eleitorado similar há 20 anos.”
Certo, mas o PT já era um partido consolidado no movimento sindical. Era resultado de vinte anos de lutas sindicais extremamente difíceis no ABC paulista. Era um partido com muitos parlamentares eleitos e que, apesar do radicalismo de seus primeiros anos, nascera justamente como um contraponto ao esquerdismo sectário.
O Freixo está realmente forte na zona sul e na classe artística. Muitos amigos meus votarão em Freixo, assim como votaram em Gabeira. Há um movimento forte na juventude para não votar em Paes.
Entretanto, eu não acho que a juventude está sempre certa. Eu escuto, observo, e vejo que a maioria desses jovens não está bem informada. Eles se deixam engambelar facilmente pelo discurso demagógico. O jovem é ingênuo. E todos esses anos de campanha sistemática na mídia contra a política, contra os partidos, aprofundaram ainda mais o sentimento antipolítica dessa garotada. É neste sentido que o eleitorado de Freixo tem características udenistas.
Além disso, seria errado dizer que a “juventude está com Freixo”. Segundo o Ibope, Freixo tem 19% dos jovens com idade até 24 anos, mas Paes tem 44%. Entre jovens entre 25 e 29 anos, Freixo em 8% e Paes, 52%. Entretanto, como os jovens que apoiam Freixo tem mais presença nas redes, por serem de classes sociais mais ricas, fica parecendo que a juventude em peso apoia o candidato.
Acompanho também o debate nas redes sociais. O lacerdismo emerge com muita força. “Freixo está contra ladrões e corruptos!”, gritam seus defensores. Ora, Freixo será um Collor da esquerda? Um novo caçador de marajás? Um messias acima dos partidos? Prefeito não é polícia, nem juiz. Quem pega ladrão e corrupto são autoridades que não estão ao alcance do prefeito. E um político apenas pode falar em ética em relação a si mesmo. Como um prefeito vai determinar que, de um dia para outro, 200 mil servidores se tornarão honestos, éticos e comprometidos com o interesse público? Isso é impossível, infelizmente. O que dá para fazer é dar início a medidas profiláticas. É aumentar a transparência e fortalecer as instituições de controle.
Há também muita confusão em relação a coisas como “remoções”, por exemplo. Não há problema em remoção. Se ela é feita de maneira digna, com aviso prévio, pagamento de aluguel social, transferência para moradias melhores, é uma medida necessária para o bem estar da cidade. É muita hipocrisia ver gente que mora em belos apartamentos de Ipanema defendendo que moradores de uma favela miserável, muitas vezes em áreas de risco, sejam mantidos morando por lá para sempre.
Não estamos vendo nenhuma grande manifestação popular na cidade contra as remoções, porque boa parte delas está sendo conduzida com preocupação social.
Não estou dizendo que remoção é uma coisa agradável, tranquila. Claro que representa um trauma. E numa comunidade de 600 famílias, teremos sempre aqueles que não queriam se mudar de jeito nenhum. Mas não me venham falar em socialismo. O socialismo é a ideologia que prega a predominância do interesse coletivo sobre o indivíduo. Um líder comunista, se tiver que remover 100 mil pessoas, para o bem de 1 milhão, fá-lo-á sem hesitação. Imagine se um prefeito da China, se tiver que fazer uma obra importante, um trem, um estádio para evento olímpico, hesitará em remover habitantes de algum bairro. As críticas que se fazem a remoção, portanto, não podem ser ideológicas, nem urbanísticas, e sim de ordem humanitária.
As remoções são necessárias para o ordenamento urbano do Rio de Janeiro. Todas as grandes cidades do mundo fazem e fizeram remoções similares. O importante é que estas ações tenham preocupação social, e os moradores sejam tratados de maneira digna. Infelizmente, o Estado brasileiro ainda não tem tradição humanista. Por mais que haja preocupação, no alto escalão, de conduzir uma remoção com dignidade, muitas vezes o servidor lá na ponta trata mal o morador. Ainda há preconceito contra o pobre, no Rio e em todo Brasil, preconceito que se revela ainda mais odioso quando vemos que é de pobres contra pobres, como de alguém que não gostasse do que vê no espelho.
Eu sou crítico a algumas políticas de Paes. O choque de ordem, por exemplo. Na eleição de 2008, Paes foi massacrado na zona sul. Bairros como Leblon e Ipanema votaram maciçamente (o percentual chegou a mais de 70% em algumas zonas) em Gabeira. O voto em Freixo, também concentrado nas mesmas áreas, ainda reflete o mesmo sentimento. É um voto de oposição não apenas à prefeitura, mas também ao governo federal. O choque de ordem foi uma decisão do prefeito para reconquistar esse eleitorado, que tem um sadismo inexplicável em ver guardinha batendo em camelô. Deu certo. O Globo passou a noticiar a repressão ao comércio ambulante com uma volúpia indisfarçável.
Quanto ao prefeito, todavia, hoje eu vejo que ele fez uma decidida migração de campo político, por escolha própria mas sobretudo forçado pelas circunstâncias e por seu próprio eleitorado. Seu eleitor hoje é o morador da zona oeste, e foi lá que ele concentrou os investimentos da prefeitura. Fez túneis que libertaram a zona oeste do isolamento geográfico. Fez hospitais e clínicas da família que minimizaram a falta de serviços de saúde naquela região. E hoje a promessa do prefeito é construir clínicas da família para atender 100% da população da zona oeste e bairros mais pobres da zona norte.
Não se pode acusar Paes de não ter feito nada. Ele fez bastante coisa. Pode-se acusá-lo pelo choque de ordem, por não ter feito mais coisa, mas comparativamente às gestões anteriores, ele foi um dos prefeitos mais progressistas desde Saturnino Braga, sendo que Saturnino cometeu os mesmos erros de Erundina, em São Paulo: isolou-se politicamente. Sem contar que a época de Saturnino não favorecia nenhum prefeito. É muito mais fácil ser prefeito na era Lula/Dilma do que nos tempos apocalípticos e recessivos que caracterizaram as décadas de 80 e 90.
Eu moro no Rio de Janeiro há 37 anos. Nasci, estudei, trabalhei aqui, e quero morrer e ser enterrado no Rio de Janeiro. Amo profundamente esta cidade, e tenho altas esperanças de que ela ainda será motivo de orgulho para todos os brasileiros. Quando eu escolho um prefeito, penso na cidade, mas avalio também a questão nacional.
Sou um fã da presidenta Dilma. Acho que o Brasil, depois do paizão Lula, precisava de uma chefe durona e exigente, uma chefe que não perdoa “mal feitos”, sejam eles morais ou administrativos. Seria uma incoerência minha, portanto, eleger um prefeito do PSOL, um partido que faz uma oposição extremamente radicalizada ao governo federal. Lembremos que o PSOL votou contra a CPMF, que representou uma perda de mais de R$ 150 bilhões para a saúde pública brasileira, e se aliou à direita durante a crise do mensalão para derrubar o governo Lula.
Eduardo Paes abraçou as políticas públicas do governo federal. Sua administração foi uma das que mais fez parcerias com a União. O Rio era a grande cidade com menos beneficiários do bolsa família. Paes mudou essa realidade e ainda criou uma bolsa complementar. Na segurança e na saúde, também integrou as políticas municipais às iniciativas federais. O resultado foi que o Rio hoje é uma das cidades que mais recebe investimentos federais.
Quando eu disse que o Rio é uma cidade estratégica para os projetos de poder do PT, um comentarista troll tentou ridicularizar a opinião, lembrando que o prefeito é do PMDB. Pois é, mas é um PMDB aliado ao PT, e agora com vice do PT.
Não sou petista, nem pmdebista, nem de partido nenhum. Apenas acho que a situação brasileira requer governos de esquerda por pelo menos mais uns vinte ou trinta anos. Não esquerdinha radicalóide, mas uma esquerda responsável e competente.
O Rio é estratégico para o PT, como eu ia dizendo, porque em 2018, ao final do segundo mandato do governo Dilma, o Rio de Janeiro estará profundamente transformado. Se tudo der certo, e espero que dê, as favelas estarão todas pacificadas, urbanizadas e com serviços públicos. A nova zona portuária, que hoje é horrível, degradada, parece uma área de guerra, estará linda, com modernos VLTs (trens de superfície) transitando silenciosamente por todo o centro (a Dilma já liberou mais de R$ 1 bilhão para isso). A zona oeste estará bem melhor integrada à cidade, ao final das obras viárias que já estão em curso. As instalações construídas para as Olimpíadas serão transformadas em ginásios e escolas. A questão do lixo, problema terrível no Rio, terá sido melhor encaminhada.
Não sou nenhum panglossiano imbecil. Sei que outros problemas aparecerão, nem podemos assegurar que tudo correrá tão bem como se planeja. O que eu posso fazer, no entanto, é ajudar a fortalecer esse campo que eu apoio, que responde pelas transformações que estou vendo.
Grande parte desses feitos serão atribuídos ao governo Dilma, ao PT, à esquerda política, e aí sim o Rio estará pronto para ter prefeitos progressistas por mais cinquenta anos, assim como vemos em Paris, Londres e Roma, porque a esquerda estará bem vista junto ao eleitor. Afinal, ao eleitor, não bastam discursos e promessas, pois neste caso, todo mundo votaria no PCB, que promete salário mínimo de R$ 1.600,00. O eleitor quer realizações, pragmatismo, objetividade, articulação, e mudanças concretas em sua vida.