A pergunta nefanda da Folha

(Pintura de Jean Baptiste Déchery)

Fui dar mais uma olhada na pesquisa Datafolha sobre o mensalão. Nela, consta uma pergunta que é positivamente nefanda.

[Na sua opinião, o que deveria acontecer com os principais acusados de terem participado do mensalão:

deveriam ser condenados e presos, deveriam ser condenados mas não irem para a prisão, ou deveriam ser absolvidos?]

Ora, os ministros do STF recebem 20 mil reais por mês para estudarem 50 mil páginas, escutarem por horas a fio as alegações dos advogados de defesa, com vistas a exercerem uma avaliação justa da culpabilidade ou não dos réus. E mesmo assim, nenhum analista do país sabe dizer exatamente a opinião de cada juiz. Diante de tal complexidade, como a Folha pode exigir do entrevistado uma resposta binária, definitiva, e sumária, sobre o destino dos réus.

É muita má fé. Uma pesquisa desse tipo é uma peça de acusação e prova mais uma vez que os jornalões se tornaram tribunais de exceção.

A pergunta dirige a resposta do leitor, além de forçar uma resposta binária a uma questão complexa. É como alguém perguntar: a guerra entre gregos e persas foi positiva ou não para os gregos? Responta rápido: Sim ou não?

Os réus do mensalão foram atacados diuturnamente por quase 7 anos, e tiveram apenas uma semana para se defender em público. Caso sejam absolvidos, sua luta não terá acabado. Ainda terão que lutar por anos para provar, no tribunal da mídia, a sua inocência.

Por fim, na tabela abaixo, encontrei dados interessantes.

Repare que entre as pessoas que ganham mais de 10 salários, 21% confiam muito na presidenta, 62% confiam um pouco, 17% não confiam. Junto à mesma faixa de renda, a imprensa goza de muita confiança de somente 16% da população, alguma confiança de 60%, e  24% disseram que não confiam.

 

 

É incrível a manipulação que os colunistas da grande mídia estão fazendo desta pesquisa. Eles a interpretam de uma maneira totalmente distorcida. A pesquisa fecha o ciclo de um processo de linchamento midiático. Os meios de comunicação fazem uma campanha impondo um viés fortemente acusatório, conforme já observaram inúmeros jornalistas com mais independência (Jânio de Freitas, a ombudsman da Folha) ,  e isso não é de hoje, mas dura quase sete anos, e depois perguntam ao público se defendem a prisão dos réus.

É como se jornais passassem meses publicando matérias com viés acusatório contra um assassino, e daí encomendasse uma pesquisa para saber se ele deve ser condenado ou preso. Ora, claro que as pessoas defenderão a penalidade máxima.

Isso não significa nenhuma perversão do público. Nem é o caso, como fez Neumanne hoje, odiosamente, de fazer proselitismo político contra o PT.  Fazer pesquisa pra saber se fulano deve ser condenado, bem no meio do julgamento, e num processo fortemente politizado como esse, demonstra a falta de compromisso da Folha com um julgamento isento.  A Folha e outros jornais querem o linchamento políticos dos réus do mensalão, e essa pesquisa é uma tentativa desesperada de inventar uma base social favorável à posição.

Todo mundo já ouviu falar do mensalão, tudo bem. O problema é que até agora as pessoas não  entendem direito de que se trata, e a imprensa não parece interessada em colaborar para seu esclarecimento.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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