Da Folha
Me baseio na Constituição, e não em Chico Buarque
Acusação contra José Dirceu é desprovida de provas, diz advogado, que faz defesa oral hoje no STF do ex-ministro
VERA MAGALHÃES
EDITORA DO PAINEL
Aos 46 anos, o advogado criminalista José Luis Oliveira Lima terá hoje, ao abrir a participação da defesa no julgamento do mensalão, o desafio maior de sua carreira.
Defensor há sete anos do ex-ministro José Dirceu, principal réu do processo, Juca, como é conhecido, sustenta que não há provas nos autos para condenar seu cliente.
Diante do risco de um placar apertado, ele evita entrar em polêmicas com ministros.
E ironiza a sustentação oral feita semana passada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel: “Minha defesa se baseia processo e na Constituição, e não em Chico Buarque”. Gurgel finalizou sua acusação com um trecho de “Vai Passar”.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida à Folha no sábado, por escrito:
Folha – Em sua sustentação oral, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, chamou José Dirceu de “autor intelectual” e “principal figura” do mensalão. Como o sr. responde a essas acusações?
José Luis Oliveira Lima – A defesa responde com as provas dos autos, produzidas durante o contraditório. Minha defesa se baseia no processo e na Constituição, e não em Chico Buarque.
São centenas de depoimentos que afastam taxativamente a acusação da Procuradoria-Geral da República e demonstram a inocência do ex-ministro José Dirceu.
É importante ressaltar que, após cinco anos da Ação Penal 470 [como o processo do mensalão é conhecido no STF], a Procuradoria não foi capaz de apontar nenhuma prova contra ele e admitiu isso ao sustentar sua tese com menção a pouquíssimos testemunhos indiretos ou colhidos na fase extrajudicial.
O que o sr. acha da tese, defendida por ele, de que o autor intelectual de um crime dificilmente deixa provas materiais e, nesses casos, valem as provas testemunhais?
O único ponto em que a defesa concorda com a Procuradoria é a sua afirmação que a prova consistente da Ação Penal 470 é a testemunhal. E, nesse sentido, todas inocentam José Dirceu.
O procurador-geral não utilizou nenhuma prova da ação penal, desprezou o devido processo legal. Preferiu o “ouvir dizer”.
É gravíssima a tese da Procuradoria de condenar sem provas, agredindo a nossa Constituição Federal.
O sr. avalia que, ao evocar o domínio do fato sobre o das provas materiais, o procurador-geral faz uma acusação mais política do que técnica?
Na nossa análise, toda a argumentação da Procuradoria no tocante a Dirceu é desprovida de provas técnicas. O Ministério Público Federal fechou os olhos para as provas e chega à Suprema Corte do país reconhecendo a sua ausência absoluta.
Há chance de o STF, com sua composição atual e dada a repercussão do caso, optar por um julgamento exemplar, acatando os argumentos do Ministério Público?
O julgamento exemplar pressupõe um julgamento justo, realizado de maneira técnica, com base nas provas dos autos que foram produzidas com a presença das partes: acusação e defesa. E nesse caso, no nosso entender, a absolvição é a única solução.
Roberto Gurgel terminou sua sustentação pedindo a expedição imediata de mandados de prisão contra 36 réus. Teme que Dirceu seja preso?
Essa hipótese jamais passou pela análise da defesa. José Dirceu é inocente e isto está fartamente provado.
Para que a tese do mensalão prevaleça, avaliam advogados e ministros, é forçoso que haja o elo do governo, representado por José Dirceu. Isso agrava a situação do seu cliente?
Tenho certeza que o Supremo Tribunal Federal não julga sobre teses, mas sim para que a verdade das provas seja revelada.
Nas suas alegações finais, o sr. sustenta que, se houve malfeitos no PT, são da responsabilidade de Delúbio Soares. A estratégia é que o ex-tesoureiro assuma toda a culpa?
O que sustentamos em nossa defesa, com base em dezenas de testemunhos que foram prestados com o compromisso de dizer a verdade, e que jamais foram contraditados pela acusação, é que José Dirceu, enquanto esteve na Chefia da Casa Civil, deixou de exercer qualquer influência nas decisões da Executiva Nacional e na vida do partido, inclusive na administração e nas finanças.
Vários depoentes, como o ex-tesoureiro do PTB Emerson Palmieri, dizem que ninguém no PT decidia nada sem consultar Dirceu. Como o sr. vê essas afirmações?
Não é verdade que existem vários depoimentos, tanto que nenhum deles foi mencionado pelo procurador-geral em sua fala. Pelo contrário. Durante o processo, Palmieri desmentiu essa afirmação, assumindo que nunca conversou ou mesmo viu pessoalmente José Dirceu.
É inegável que o ex-ministro tinha influência política no governo, o que não significa nenhuma ilegalidade.
O procurador aponta a influência de Dirceu em todos os núcleos do mensalão. Como o sr. responde a isso?
Com que prova a Procuradoria faz essa afirmação? Nenhuma. Nós estamos em um julgamento perante o STF, um julgamento técnico. Qual a prova que corrobora essa colocação? Repito: nenhuma.
Em sua defesa, Dirceu não nega ter recebido Marcos Valério na Casa Civil. Houve quantos encontros, para tratar de quê?
O ex-ministro não recebeu Marcos Valério, mas em apenas duas oportunidades recebeu presidentes de empresas a que Marcos Valério prestava serviços, o que é bem diferente. Aliás, essa é uma prática comum. Quando a Folha recebe um empresário para um almoço, ele não vem acompanhado de seus assessores?
Importante lembrar que é função do ministro-chefe da Casa Civil se reunir com empresários e banqueiros. Havia até um setor próprio para isso, a sala de investimentos.
A ex-mulher de Dirceu, Angela Saragoza, obteve empréstimo e emprego no BMG e vendeu um apartamento para Rogério Tolentino, sócio de Marcos Valério e também réu. É só coincidência?
Todas as testemunhas que foram ouvidas na Ação Penal 470 -e, ao contrário do Ministério Público, nós arrolamos testemunhas presenciais- negaram categoricamente que José Dirceu tivesse conhecimento desses fatos.
Se o mensalão não existiu, a que o sr. atribui o repasse de recursos para parlamentares?
Não é a defesa que diz que o mensalão não existiu, são as provas dos autos. Os recursos foram entregues a parlamentares com um único fim: pagar dívidas de campanhas.
Cabe recurso em caso de condenação? Dirceu falou em recorrer a cortes internacionais.
Tenho convicção da absolvição, não analisamos nenhuma outra hipótese.
O sr. tinha pronto recurso contra eventual tentativa de impedir o ministro Dias Toffoli de votar. Por que o voto dele é tão importante para a defesa?
A defesa não tinha questionamento sobre pedido de afastamento do ministro Toffoli. Os votos de todos os ministros são importantes.
O fato de Toffoli ter sido advogado do PT e subordinado de Dirceu na Casa Civil não o torna suspeito para julgá-lo?
Essa questão está superada e não cabe à defesa qualquer manifestação nesse sentido.
Como o sr. vê o clima acirrado entre ministros nas primeiras sessões do julgamento?
O Supremo tem a sua dinâmica e os ministros são o quadro mais elevado da magistratura brasileira. Nosso papel perante a corte é apenas o de apresentar a defesa, mencionando as provas produzidas que demonstram a inocência de José Dirceu.
O sr. questiona a legitimidade de um eventual voto adiantado do ministro Cezar Peluso, que vai se aposentar? Por quê?
O ministro Peluso é um dos mais experientes magistrados do país. Foi juiz de carreira, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, é um legalista. O voto dele engrandecerá o julgamento.
Como o sr. avalia a condução do processo pelo relator, ministro Joaquim Barbosa?
Muito correta, não houve nenhum problema com o ministro ao longo dos cinco anos da Ação Penal 470.
Qual a importância desse caso para a sua carreira, já que o sr. é um advogado relativamente jovem e em ascensão?
É lógico que esse julgamento traz um grande aprendizado para qualquer advogado, a convivência com os colegas mais experientes é muito rica, bem como ouvir as colocações do Ministério Público e dos magistrados mais competentes do país. É um momento único para a carreira de qualquer profissional.
Quanto o sr. cobrou de honorários de José Dirceu?
É uma relação sigilosa que só interessa a defesa e cliente.