Silêncio, o réu vai falar, na Folha
Por SUZANA SINGER, OMBUDSMAN
Cobertura do julgamento no STF exige neutralidade, principalmente na hora de ouvir as teses da defesa
Como bem definiu Janio de Freitas, chegam a ser “comoventes” os poucos trabalhos jornalísticos com esforço de equilíbrio na cobertura do julgamento do mensalão.
Mesmo quem prometeu “apenas os fatos” apresentou o julgamento com o viés de que o único desfecho bom para a democracia é a condenação exemplar dos réus.
O escândalo do mensalão nasceu na imprensa -mais precisamente na entrevista de Roberto Jefferson à Folha em 2005- e foi alimentado por ela ao longo dos anos. Foi um admirável trabalho jornalístico que expôs as entranhas do PT no poder.
Graças à pressão da mídia, o julgamento, que demorou sete anos, não foi adiado. Só que agora, quando as teses do procurador-geral da República e dos advogados de defesa serão confrontadas, a neutralidade deve ser um mantra.
A Folha vem tentando manter a isenção. Mesmo assim, na capa do caderno especial de domingo passado, definiu o mensalão como “o maior escândalo de corrupção da história recente do país”, o que, além de ser um juízo de valor, é bastante questionável. O Collorgate não foi um episódio mais grave?
Nesse mesmo dia, uma reportagem em “Poder” pretendia revelar a articulação dos políticos envolvidos quando estourou o caso. O título já dizia tudo: “A Invenção do Caixa Dois”. Era a Folha dando um veredicto: um dos argumentos da defesa, o de que o dinheiro movimentado era sobra de campanha eleitoral que seria usada para quitar dívidas, não passa de uma armação.
Outro exemplo de mão pesada foi a reportagem de sexta-feira sobre o ministro José Antonio Dias Toffoli, pressionado a se declarar impedido. Começava assim: “Ex-advogado do PT, ex-assessor de um dos réus do mensalão e namorado de uma advogada que atuou no processo, o ministro do STF Dias Toffoli decidiu participar do julgamento”.
O jornal só tem a ganhar se deixar o noticiário fora da torcida pela condenação. O desafio agora é encontrar formas de tornar atraente e compreensível um processo longo, monótono e truncado.
Todo o mundo reconhece a importância do julgamento do mensalão, mas não é fácil manter o leitor interessado, semanas a fio, no que acontece em uma sala lotada de togados discutindo em um dialeto estranho.
Traduzir, interpretar, revelar bastidores, eleger com imparcialidade o mais importante, é o papel da reportagem, especialmente nos próximos dias, quando os advogados de defesa começarão a falar. Vamos ouvir o que os réus têm a dizer.
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