(Ilustração capa: Rembrandt)
A imprensa continua tentando dividir a base aliada, mas a estratégia já está manjada. Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente do PSB, acompanhado por Cid Gomes, presidente do Ceará e também liderança do PSB, reuniram-se com a presidente Dilma Rousseff ontem e solidificaram a aliança entre os dois principais partidos de esquerda no pais. Em 2014, caminharão juntos pela reeleição da presidente.
Naturalmente, os dois partidos têm divergências, senão não seriam dois partidos diferentes. E essas divergências se tornam explícitas sobretudo em período eleitoral, onde se somam às problemáticas locais. Os dois partidos lutam pelo poder, como qualquer partido político no mundo. E como qualquer luta pelo poder, não é uma coisa fácil, que se resolve enquanto se bebe o chá das cinco.
Os jornalões hoje repercutiram críticas de FHC à política brasileira que merecem alguns comentários. Abaixo, a matéria. Comento em seguida.
‘Partidos estão crescentemente sendo siglas’, critica FH
Ao receber prêmio, ele ironiza imposto: ‘Dei ao governo 27,5%, espero que saiba usar’
FLÁVIA BARBOSAFernando Hemrique posa ao lado de James H. Billington após receber prêmio
WASHINGTON – O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso criticou nesta terça-feira os partidos políticos brasileiros, que, “de maneira preocupante”, se converteram em simples siglas, que se abstêm do debate sobre temas fundamentais e dão pouca ênfase a programas de governo. Para ele, que respondia a uma pergunta sobre possível parceria eleitoral nacional entre o PSDB e o PSB, as alianças estabelecidas para os pleitos municipais muitas vezes refletem esta falta de compromisso, pois o interesse dos partidos é pautado por questões provinciais e se resume a “buscar maximizar suas chances eleitorais”.
FH recebeu da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, o Prêmio Kluge de contribuição às Ciências Sociais. Concedido pela primeira vez em 2003, o prêmio pretende ser um Nobel da área de humanas e oferece US$ 1 milhão. O ex-presidente é o primeiro brasileiro agraciado, de sete premiados até hoje, e foi reconhecido pelo trabalho como sociólogo e líder político.
Para FH, é prematuro dizer se a aliança nacional entre PSDB e PSB vai vingar. Os tucanos caminham com o PSB em Minas, lembrou, mas as circunstâncias não devem ser extrapoladas, pois “a vocação nacional dos partidos brasileiros na eleição municipal desaparece”:
— Não dá para avaliar o que vai acontecer em termos de alianças futuras com base no que está sendo feito agora. Agora cada um vai buscar maximizar suas chances eleitorais, sem se preocupar muito com o que vai acontecer depois. E menos ainda se há choques nas visões dos partidos, inclusive porque essas visões estão se diluindo de maneira, para mim, preocupante. Os partidos estão crescentemente sendo siglas. Qual é a posição que está por trás, o conteúdo programático, a visão real? Vai ter, em certos momentos, mas muitas vezes o partido não expressa isso mais.
Sobre o prêmio, entregue na terça, FH agradeceu e dividiu com o Brasil a honra:
— Acredito que se deve não só a mim, mas à proeminência do Brasil. Obviamente, devo ter algum valor, que não vou julgar, mas este valor isoladamente não daria prêmio.
Perguntando se já tinha decidido o que fazer com o US$ 1 milhão, FH brincou:
— Ainda não. Mas dei 27,5% ao governo, espero que ele saiba usar.
FHC ingressou definitivamente no coro dos neolacerdistas. Suas críticas são levianas. O que é interessante na matéria, porém, é a torcida em prol da aliança PSB e PSDB. Ora, os dados referente às 85 maiores cidades do Brasil mostram que o PSB apóia somente 6 candidatos do PSDB Brasil a fora, e o PSDB apóia também 6 candidatos do PSB. O PSB, por outro lado, apóia 16 candidatos do PT. Os números mostram, portanto, que a aliança entre PSB e PT, independente dos problemas pontuais observados em 2 ou 2 cidades, seguem unidos nas eleições deste ano.
Quanto à crítica de FHC, ela reflete aquela visão simplista e midiática da política partidária. Os partidos têm visões ideológicas bem distintas, que se refletem concretamente nas votações do Congresso e nas políticas públicas desses partidos quando governam. Quando o PSDB protagoniza uma barbárie como a que vimos em Pinheirinho, fica bem claro a visão ideológica do partido, a sua defesa fanática, incondicional e oligárquica da propriedade privada.
Estamos no século XXI, e ideologias não são mais programas fechados, indiscutíveis, sectários. Os partidos políticos e seus membros são passíveis de toda espécie de crítica. Há fisiologismo, corrupção, incompetência. Mas isso não é prerrogativa do Brasil. Outro dia mesmo, li uma entrevista na Folha com David Carr, colunista de mídia nos EUA, em que ele diz o seguinte:
Nunca haverá falta de empresários ou governantes corruptos. Eu vivo em Nova Jérsey, um Estado onde, na última vez em que os federais fizeram uma investigação, precisaram de três ônibus escolares para levar todos os corruptos.
Ou seja, devemos combater incansavelmente a corrupção, mas seria entregar os pontos ao “mercado”, e portanto à própria corrupção, se a usarmos para construir um discurso moralista contra a política e contra os políticos. E, sobretudo, não podemos usar a existência de corrupção no Brasil como prova de que somos piores do que outros países, ou que nossos partidos políticos são piores do que seus congêneres em outras partes do mundo.
Quer dizer, talvez até sejamos piores, em termos de qualidade política, que outros países, mas não nos tornaremos melhores com entrevistas lamurientas e despolitizantes, e sim apoiando medidas públicas que fortalecem as instituições de controle e os sistemas de transparência pública.
Quanto ao processo eleitoral deste ano, é evidente que teremos questões “provinciais” se sobrepondo em alguns momentos ao debate nacional. É uma eleição municipal!
Os partidos são criticados por nacionalizarem questões provinciais, e agora por regionalizarem a disputa política. Ora, está claro que a justiça, como sempre, e como ensina Aristóteles em sua Ética, está no meio termo. Os partidos e os candidatos precisam calibrar um discurso que reflita tanto a questão local quando o debate político nacional. Desta dialética nascem às vezes alianças diferentes do que vemos no âmbito nacional, mas se analisarmos o quadro inteiro, constituem minoria. Na maior parte do Brasil, temos a formação de alianças coerentes com a questão nacional, conforme pudemos ver no quadro divulgado pela Folha no domingo passado com as alianças nas 85 maiores cidades brasileiras.
Enfim, a democracia brasileira, evidentemente, não é perfeita, assim como não são os partidos, nem os políticos, nem nós mesmos. Somos um país que ainda guarda muitos vícios do subdesenvolvimento. Mas ainda não inventaram nenhuma mágica para se aprender a viver do que viver. Nestas eleições, teremos mais uma experiência democrática, e dela sairemos um pouco mais maduros e conscientes.