(Ilustração capa: Goya)
Essa é capa do Globo desta terça-feira. Servirá de mote para o post de hoje:
Já volto a falar sobre a capa. Antes, porém, façamos algumas observações de ordem geral sobre os jornais de hoje:
- O golpe no Paraguai tornou-se objeto de controvérsias ideológicas interessantes. A imprensalona passou a abraçar com mais convicção a defesa da tese de que o impeachment relâmpago de Fernando Lugo foi constitucional. Temos hoje editoriais na Folha, no Globo, além da coluna de Merval Pereira, que acusa o governo brasileiro de seguir orientações “bolivarianas”. Marco Antonio Villa, o “historiador” preferido da mídia, que andava meio sumido, apareceu hoje nos jornais, atacando o governo Dilma e o Itamaraty com muita agressividade e partidarismo.
- As discussões sobre o golpe oferecem excelente (e trágica) oportunidade para discussões políticas e filosóficas sobre democracia, constitucionalismo, leis, sufrágio, soberania popular, etc. Em resumo, é um luta ideológica, mas ideológica numa acepção não-partidária, numa acepção nobre, e a mídia se posiciona, mais uma vez, do lado conservador.
- No Globo, vale ressaltar a voz dissonante de Miriam Leitão, que condenou o golpe e elogiou a postura firme do governo brasileiro; para fazê-lo, porém, Miriam obriga-se a fortes críticas ao chavismo, como se o assunto fosse a Venezuela, não o Paraguai. Miriam omite, naturalmente, que Chávez também foi vítima de um golpe de Estado, executado pelas mesmas correntes ideológicas que levaram a cabo a “ruptura democrática” no Paraguai.
- A pressão midiática sobre o STF no processo do mensalão já se tornou caricatural, produzindo inclusive conflitos entre juízes. A manchete da Folha de hoje é histórica neste sentido. Neste ritmo, Ayres Brito entrará para história como o presidente do STF mais covarde na relação com a mídia.
- O principal senador da oposição foi cassado ontem, por unanimidade, e a primeira página da Folha é sobre… mensalão. Sequer menciona Demóstenes. E a do Globo é sobre… o Bolsa Família; no Estadão, a manchete é sobre uma suposta intenção da Petrobrás de querer mais reajustes nos preços do combustível.
- Maluf voltou à berlinda hoje em entrevistas à Folha e Globo, nas quais destilou sua curiosa interpretação de mundo, segundo a qual estaria à esquerda de Lula. Em artigo publicado no Globo, Rodrigo Constantino também usa Maluf para dar umas mordidinhass em Lula; seu texto, porém, é repleto de clichês antipetistas idiotas.
- Palocci foi inocentado numa das acusações que pesavam contra ele, sobre irregularidade na compra de seu apartamento. Também, mais uma vez, temos um caso em que a mídia ficou semanas batendo num político, com base numa acusação, e agora dá somente uma nota discreta, sem chamada na primeira página, sem repercussão na tv.
Todos os assuntos mencionados, juntamente com os artigos e autores citados, mereciam análise à parte. Alguns ensejam digressões filosóficas tentadoras. Entretanto, eu volto à capa do Globo. Só pra variar, não vou criticar o jornal, apesar do sensacionalismo. A manchete com o valor induz o incauto a pensar que o governo está dando dinheiro demais aos barnabés, mas o subtítulo esclarece bem: trata-se de uma família de 19 pessoas. Quero acreditar que haverão poucos imbecis no Brasil a considerar R$ 1.332 um valor excessivo para uma família de quase 20 pessoas.
A matéria, no entanto, é muito esclarecedora. O teto do Bolsa Família, anteriormente, era de apenas R$ 306 por família, independente da quantidade de filhos. Hoje, não há mais teto, e o programa Brasil Carinhoso, elevou substancialmente o valor total pago a milhões de famílias. O caso trazido pelo Globo é um bom exemplo: a família que antes ganhava apenas R$ 306 de bolsa família, hoje ganha R$ 1.332.
Segundo a reportagem, o valor médio do Bolsa Família ficava em R$ 115 por família; entre os beneficiários do Brasil Carinhoso, que somam mais de 2 milhões de famílias, este valor cresceu para R$ 237.
O aumento dos valores do Bolsa Família, somado à queda no desemprego, reflete um Brasil em acelerado processo de desenvolvimento social.
Eu acrescentaria que este desenvolvimento social é condição sine qua non para um desenvolvimento econômico, político e cultural. Muitas vezes, vemos observadores políticos discorrerem sobre a suposta decadência moral dos costumes políticos nacionais, ignorando que um país com índices de desenvolvimento mais próximo das nações ricas terá, necessariamente, melhores condições de se aperfeiçoar no quesito ética. Afinal, a pior agressão ética a seu povo é mantê-lo acorrentado (me perdoem o lugar comum) aos grilhões do subdesenvolvimento.