A polêmica aliança entre PT e Maluf

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Hoje é um excelente dia para analisar as eleições em São Paulo, que oferece uma quantidade impressionante de armadilhas ideológicas, desafios de marketing eleitoral e dilemas políticos. Fernando Haddad, candidato do PT ungido por Lula, conseguiu marcar um ponto no cravo, ao convencer Erundina a compor sua chapa, e outro na ferradura, ao posar para fotos ao lado de Lula e… Maluf!

Quando apareceu ao lado de Erundina, na sexta-feira, o candidato do PT tornou-se o xodó da militância de esquerda. Nesta segunda, a mídia passou o dia exibindo a imagem de Haddad abraçando Maluf; e o amor se converteu em perplexidade, espanto, ódio e decepção.

Em seguida, Erundina deu entrevista exclusiva à Veja e ao Globo declarando-se ultrajada com a aliança e ameaçando um desligamento da chapa.

A cúpula do PT e do PSB deve acionar nesta terça-feira uma enorme força-tarefa para convencer Erundina a não abandonar Haddad, porque isso enviaria um sinal péssimo, prejudicando sua candidatura. (PS: a força-tarefa deu resultado e Erundina fica. PS 2: Ela mudou de ideia novamente e desistiu).

O Nassif publicou um post criticando duramente a estratégia petista, intitulado “O pacto com Maluf e a esperteza na política”.

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Eu também quero dar minha opinião sobre a polêmica. Só poderei fazê-lo para assinantes, todavia. PT e Maluf tem milhões à sua disposição, o primeiro através do fundo partidário e doações; o outro, por vias mais tortuosas. O Cafezinho vive exclusivamente de suas assinaturas. Em outro post, também para assinantes, faço uma análise detalhada da última pesquisa Datafolha para as eleições paulistanas, na qual detecto supresas interessantes.

Vamos à análise.

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Bem, em primeiro lugar, eu aprendi que as redes sociais têm sempre razão, mesmo quando estão erradas. Se as pessoas protestam contra a aliança de Haddad com Maluf, estão sendo sinceras, e sua opinião, portanto, tem um grande valor político.

Entretanto, precisamos fazer as seguintes considerações:

  • Os que reclamam contra a aliança, formam um público que irá votar em Haddad de qualquer jeito. Talvez uma parcela vote nulo, mas eu acredito que, no decorrer da campanha, conforme a polarização atingir seu paroxismo, pouquíssima gente ficará em cima do muro.
  • A aliança não é com Maluf, mas com o PP, e boa parte do “pagamento” já foi feita: cedeu-se uma secretaria ao partido no Ministério das Cidades.
  • O PP, e muito menos Maluf, não terão qualquer influência  na formação do governo. Se tiverem, será extremamente marginal, e sob o controle estrito do PT. Fernando Haddad é a grande aposta petista para São Paulo, e sua administração será, naturalmente, monitorado com microscópio pelos barões da mídia. Qualquer ato de corrupção que acontecer sob as barbas de Haddad em São Paulo terá um impacto destruidor sobre uma possível reeleição do candidato.
  • É muito improvável que Maluf participe de atos de campanha com Haddad.

Também devemos entender a postura de Erundina nesse imbróglio. Ela ganhou uma visibilidade na mídia que há anos não tinha. Nesse sentido, ela agiu com muita astúcia. Não sei se ela agiu deliberadamente assim, ou por instinto, mas ao bater no PT, ela ganhou os holofotes, sobretudo em São Paulo. Sairá fortalecida seja que decisão tomar. Se abandonar Haddad, será tratada como uma política fiel a seus princípios. Será louvada por todas as forças interessadas na derrota do PT, e sua decisão será admirada por uma parte expressiva da militância de esquerda. No entanto, se decidir ficar ao lado de Haddad, seu cacife aumenta ainda mais, porque estará chancelando, ou perdoando, as alianças estranhas da chapa petista, em prol do interesse maior do povo de São Paulo. E do interesse nacional também, visto que a eleição em São Paulo é o ringue mais importante onde se confrontam as tendências ideológicas no país.

Ou seja, Erundina conseguiu fazer barulho, e aumentar consideravelmente seu cachê político. Os danos à Haddad só existirão se abandonar a chapa. Se ficar, terá ajudado Haddad a explicar a seus militantes a bizarra imagem dele e de Lula abraçando Maluf.

De qualquer maneira, assim como Lula merece críticas pela tratorada que deu em Haddad, e o Cafezinho criticou desde o início o cancelamento das prévias em São Paulo, um péssimo exemplo; assim como Haddad merece críticas pela maneira submissa como aceitou ser fotografado ao lado de Maluf; Erundina também merece um vaporzinho também pelo forte tempero de hipocrisia presente em seu espanto fortemente midiatizado.

Ora, Erundina é do PSB, partido aliado de Kassab e Alckmin. Tudo bem que ela tem protestado com bastante veemência contra esta aliança. Mas continuou lá, então apoiou tacitamente uma aliança também bizarra. Quando houve a desocupação brutal de Pinheirinho, Erundina deveria ter exigido a saída do PSB do governo Alckmin ou saído do partido. Não o fez.

O PP é aliado do governo federal há dez anos. Assim como o PSB.

Dito isto, a gente precisa ponderar, todavia, que:

  • Os protestos nas redes sociais e a militância, conforme disse antes, têm razão, porque são autênticos (em parte, ao menos). Eles pode não entender as complexidades maquiavélicas da disputa pelo poder, nem compreender que somente o poder poderá mudar, efetivamente, a vida dos mais pobres. Seu protesto, no entanto, ajuda Haddad a se blindar contra ingerências do PP em seu programa. Em outras palavras, eles produzem massa crítica no interior da campanha que dificultará o avanço do malufismo no interior de uma eventual administração petista.
  • Produz uma pressão ideológica, e mesmo psicológica, na campanha Haddad para forçá-la a um discurso mais contudente, que sirva para marcar a sua independência programática. Ou seja, mexe com os brios do candidato para provar a seu entorno que suas ideias não serão compurscadas pela presença de Maluf em sua campanha, que esta tem fins exclusivamente táticos, de tempo de tv, mas não altera sua estratégia e a essência de seus objetivos políticos maiores.

Conclusão: Lula conseguiu produzir um factóide político, que rompeu em parte o anonimato de Haddad junto às massas, e este tem sido seu principal problema. O Globo parece ter percebido a estratégia, tanto que ignorou a polêmica. Simplesmente deu zero notícia. Mas isso não adianta muito, porque amanhã, Haddad estará na boca do povão paulistano, mesmo que para criticar a aliança esdrúxula com Maluf.  Ao cabo, todos saberão quem é Haddad e, sobretudo, que é o candidato de Lula.

Leia também a análise que fiz da última pesquisa Datafolha. Há algumas surpresas.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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