(Ilustração capa: A room for justice, foto de exposição dos Advogados Sem Fronteiras)
A luz declina suavemente sobre a cidade engarrafada. Buzinas cantam, bueiros explodem, ônibus lotados se libertam do jugo de seus motoristas e se jogam, desvairadamente, sobre as calçadas. Neste final de tarde, o blogueiro está relativamente feliz. O barco do Greenpeace acostou no porto. Chefes de Estado desembarcam às pencas, alguns mais pobrinhos vindo em aeronaves emprestadas pela FAB. Quem sabe a presença de tantos ambientalistas internacionais na cidade não influenciarão minha vizinha a parar de amontoar sacos abertos de lixo no corredor do andar?
O motivo da alegria deste blogueiro, contudo, não é nada disso, e sim uma decisão tomada em Brasília, pelo desembargador Candido Ribeiro, do 1º Tribunal Regional Federal. Ribeiro votou pela validade das escutas da Operação Monte Carlo da Polícia Federal, com isso afastando o risco de uma desastrosa anulação de toneladas de provas contra o esquema de Carlinhos Cachoeira, como era o desejo do desembargador Tourinho Neto.
Semana passada, os cidadãos que acompanham os desdobramentos da CPI do Cachoeira foram informados, para sua grande perplexidade, que um desembargador de Brasília, o excelentíssimo Tourinho Neto, havia votado pela anulação de todas as escutas da operação Monte Carlo, jogando no lixo o trabalho de anos de competentes policiais federais e aplicando um golpe covarde contra o Estado e em favor de uma organização criminosa. Depois de dias de tensão, ficamos sabendo hoje que Tourinho Neto foi voto vencido. O Brasil prossegue a semana um pouco mais aliviado.
Certo, não dá para comemorar o fato de termos um Judiciário permanentemente pondo em risco investigações contra o crime organizado, sempre que este atinge membros da elite financeira ou política. Os movimentos anticorrupção, por sua vez, sequer se manifestaram sobre a possibilidade de um golpe judicial em favor de Carlos Cachoeira. Estão muito ocupados pondo a faca no pescoço do STF para julgar logo o mensalão…
Outra notícia preocupante, ainda sobre o caso Cachoeira, é a substituição do juiz que autorizou os grampos da operação Monte Carlo, uma decisão que acarretará em grande atraso nas investigações, visto que o novo magistrado terá que se atualizar com toneladas de evidências. A substituição cheira a mais um golpe judicial, uma típica chicana das altas rodas.
Mas desde que Cachoeira permaneça preso e que as provas contra ele continuem válidas, há esperança de ver, desta vez, o Estado se empenhar concretamente em combater as raízes da corrupção no país.
Houve quem visse, na derrota de Tourinho Neto, uma vitória da blogosfera, que protestou solitária contra o desembargador. A grande mídia, ao contrário, monitorou o caso com um silêncio conivente, mal escondendo a euforia. Quem sabe? Talvez a pressão democrática da blogosfera tenha feito a diferença.
Desde o início do escândalo Cachoeira, a mídia velha tem trabalhado no sentido de confundir a opinião pública. A nova ladainha é que os governistas da CPI estariam blindando a Delta, e seu dono, Cavendish, porque se recusaram a convocá-lo neste momento. Como disse aquele travesti bem de vida: pohan! O governo praticamente destruiu a Delta, e a CPI votou pela quebra total dos sigilos da empresa em âmbito nacional. Se isto é blindar, não quero jamais que me blindem!
O fato é que a CPI já mostrou que convocar o sujeito para depor não significa muita coisa. Se o cara tem culpa no cartório e possui um bom advogado, vai ficar calado, ou só falar estritamente o combinado. Se for um político, vai usar o palco para se defender e se autopromover. O depoimento só tem sentido quando os parlamentares têm amplo domínio da situação, ou seja, possuem documentos em mãos para constranger a testemunha ou acusado e fazê-los abrir o bico ou entrar em contradição.
De resto, é acompanhar a história fazendo uma legítima pressão democrática em prol de uma resposta dura ao esquema Cachoeira, que serviu desavergonhadamente a um grupo político e a seus prepostos midiáticos, e vice-versa, a um grupo midiático e seus prepostos políticos. Tudo bandido, tudo mafioso.