Publico o artigo abaixo de Janio de Freitas com um aperto no coração, pois ele desmoraliza de vez, para mim, um dos últimos nomes em que eu acreditava na grande imprensa. Freitas inicia o texto fazendo um ataque pesadíssimo à CPI, e aí o leitor espera que ele vá revelar alguma coisa nova, grave, para validar seu argumento. Traz um assunto apenas, surrado, sobre a casa do… Agnelo!
Algumas considerações rápidas sobre o texto de Freitas:
- A casa de Agnelo não tem nada a ver com o foco da CPI do Cachoeira. Portanto, é ridículo Freitas pretender desqualificar a CPI por “não investigar” a fundo a casa de Agnelo. O que aliás é uma mentira imbecil, visto que a CPI quebrou os sigilos de Agnelo por 10 anos, de maneira que qualquer problema com a casa do governador será encontrado.
- Freitas diz que a casa foi comprada por 400 mil reais e hoje vale 3 a 5 milhões. Ora, eu comprei o meu apartamento na Lapa por 56 mil reais, mais ou menos na mesma época que Agnelo comprou a casa dele, e hoje ele vale 250 a 300 mil reais. A valorização da casa de Agnelo é totalmente normal. Mais uma ilação imbecil de Freitas, portanto.
- O jornalista também lança suspeitas sobre o governador acerca de sua suposta omissão na denúncia imediata dos roubos cometidos na gestão anterior, visto que Agnelo teria recebido os vídeos em primeira mão. Ora, mais uma ilação idiota, pois a quebra de sigilo do governador também poderá ajudar a verificar isso. Repare que nem defendo Agnelo, o que eu acho bizarro é Freitas atacar a CPI por suas virtudes. Se Freitas tem alguma desconfiança de Agnelo, deveria estar satisfeito pela CPI ter quebrado seus sigilos por 10 anos, não?
- De qualquer forma, as desconfianças de Freitas em relação a Agnelo, além de me parecerem descabidas, não têm nada a ver com o foco da CPI, que é investigar o esquema Cachoeira. Se formos usar a CPI para investigar todos os maus feitos de todos os governadores, em relação a todos os assuntos, beneficiaremos o Clube Nextel. CPI tem que ter foco.
- Na segunda parte do texto, Freitas faz elocubrações confusas sobre a Delta, e deita considerações arrogantes sobre o que a CPI deveria ou não fazer, no momento em que ele , Janio de Freitas, acha certo. O presidente da CPI, Vital do Rego, deu entrevista ao UOL, pertencente à mesma empresa que paga os salários de Janio de Freitas. Ele não viu a entrevista? Rego diz que Cavendish será chamado a seu devido momento, depois que os parlamentares conseguirem se aprofundar um pouco mais na papelada que está chegando à CPI. Não adianta nada chamar depoentes sem uma anterior coleta de informações. Além do mais, é ridículo alegar blindagem da Delta, depois da quebra de sigilo nacional da empresa, da publicação de todos os contratos da empresa com o governo federal na internet, da devassa feita pelo CGU e posterior declaração de sua inidoneidade.
- Diante de um ataque tão rasteiro, tão mal fundamentado, só me resta a triste conclusão de que Freitas tem rabo preso com o esquema Cachoeira e quer ver a CPI afundar. É isso, ou ele é burro. Bem, prefiro acreditar que ele é simplesmente burro.
- A postura de Freitas revela a decadência moral profunda da imprensa tradicional. Se Freitas fosse um blogueiro, e esse texto fosse um post, a seção de comentários seria abarrotada com críticas bem fundamentadas apontando suas incoerências bizarras, o que constrangeria profundamente o jornalista. Como ele escreve lá no alto do pedestal de sua coluna em jornal impresso, ninguém pode protestar.
De choque e de cheque – JANIO DE FREITAS
FOLHA DE SP – 17/06
A CPI transforma-se num escândalo de imoralidade política e rejeição a princípios do Estado de Direito
A CPI do Cachoeira foi rápida: já está no fundo da desmoralização. Ela é o escândalo. E por ser CPI mista do Senado e da Câmara, os seus conluios desviantes projetam a desmoralização sobre um dos três pilares institucionais do Estado democrático: o próprio Congresso. A CPI volta-se contra a democracia.
Tal situação não requer explicações. Percebê-la está ao alcance de todos. O que ainda se justifica é completar a percepção, com indicações de que grande parte da desmoralização da CPI é deliberada. E imposta pela maioria formada por PT e PMDB, coadjuvados pelos integrantes chinfrins de sua aliança. Ou melhor, sociedade.
Uma dessas indicações pode ser a omissão, durante dez horas de interrogatório, de qualquer referência a determinada conduta de Agnelo Queiroz, governador do Distrito Federal.
Se a compra por R$ 400 mil de uma casa avaliada em milhões (já foi dito que de três a cinco) tem sido um dos pontos considerados, por que não foi feita nem sequer uma pergunta relacionada, de uma vez só, a milhões ilegítimos e a Agnelo?
Primeiro a receber de Durval Barbosa as imagens gravadas do então governador José Roberto Arruda e vários do seu grupo, enfurnando blocos de dinheiro de corrupção, Agnelo Queiroz também enfurnou o material (nem candidato era ainda). Qual foi o objetivo da omissão? E o que aconteceu com seu patrimônio naquela época, ou um pouco mais tarde? Se teve ou se não uma de suas alterações, é significativo do mesmo modo.
Nesse quesito, aliás, também a Polícia Federal está em dívida. Era de sua obrigação, constatada a disparidade entre o valor declarado da compra e as avaliações do imóvel, examinar a eventual variação patrimonial do vendedor. Se de R$ 400 mil ou de movimentos que sugeririam recebimento maior. Ou por fora.
Ainda no início desse caso Cachoeira, comecei a insistir, e o fiz várias vezes, na afirmação de que investigar a Delta Construções e seu “dono” Fernando Cavendish era a chave para muitos esclarecimentos, relativos a Carlos Cachoeira e a muito mais. Desculpem, mas volto a fazê-lo.
Agora, para dizer que é a própria importância das intimidades da Delta que faz o comando da CPI e sua maioria fugirem de aprovar tais convocações. É o conluio dos beneficiários, diretos e indiretos, com os guardiães das aparências governamentais e partidárias. Elas se entendem: tropa de cheque, como diz o deputado Miro Teixeira, e tropa de choque.
A CPI transforma-se em um escândalo de imoralidade política e de rejeição aos princípios do Estado de Direito democrático.