A CPI à luz do Big Bang

Outro dia assisti na Discovery Channel um excelente documentário . Apresentado pelo Morgan Freeman, traz depoimentos dos mais destacados astrofísicos do mundo e recentes descobertas sobre a origem do universo. São abordadas teorias sobre o Big Bang, a antimatéria, e o último xodó dos cientistas: o Bóson de Higgs, apelidado de “partícula de Deus”, o elemento primordial, aquele que dá substância a tudo que conhecemos.

O que mais me chamou a atenção na teoria do Big Bang é que, segundo a astrofísica moderna, o universo estava inteiramente concentrado num botãozinho microscópico. Ou seja, o gigantesco espaço sideral que conhecemos, com suas bilhões de estrelas, boa parte delas milhares de vezes maior que o nosso sol, com suas distâncias entre galáxias tão soberbamente descomunais que são medidas em milhões de anos luz, tudo isso se apertava no interior de uma bolinha menor que uma pulga. Milhares de vezes menor que uma pulga.

É uma coisa tão incrível que nossa mente não tem capacidade de imaginá-la.  O universo não apenas exibe uma grandeza em escala incalculável, mas também uma pequenez infinita. Em teoria, todo o nosso universo pode ser do tamanho de uma bola de gude, na perspectiva de um outro ser, que por sua vez teria dimensões inimaginavelmente colossais.

Senti um pouco de inveja dos astrofísicos que estudam o assunto. Pensei na minha rotina mesquinha, a ler jornais e blogs, tentando oferecer, diariamente, uma análise crítica da mídia. Enfim, como explica Sócrates ao final da República, a essência da justiça é cada um fazer o que lhe compete. Políticos, afinal, nada mais são do que um aglomerado de átomos que tentam ajudar ou passar a perna em outros aglomerados de átomos.

Os jornais também são um bando de átomos, e antes do big bang estávamos juntos, magnatas da mídia e blogueiros, espremidos dentro de uma bolinha muito menor do que aquela tão famosa, de papel, que atingiu o crânio de José Serra. Aliás talvez seja por isso que ela provocou tanta emoção no candidato: podia haver todo um universo, de dimensões infinitas, em seu interior! Diria a Veja que a bolinha que atingiu Serra continha milhões de insetos eletrônicos, todos vestindo boininhas vermelhas, todos bêbados com licor de feromônio!

Ah, que alívio de Big Bang!  Agora estamos cada um em seu devido lugar, convenientemente afastados. A big mídia e seus comparsas (Cachoeira, Clube Nextel, Demóstenes Torres, direita) de um lado; blogueiros de outro.

Dizem os cientistas que iremos nos juntar novamente no futuro. Vamos todos voltar à bolinha. Mas vai demorar ainda  alguns trilhões de anos, de maneira que posso dormir tranquilo.

Falemos então dos átomos que nos dizem respeito, em especial aqueles que tentam nos fazer de bobos: políticos corruptos.

Nesta terça, assisti pedaços do depoimento do governador de Goiás, Marconi Perillo à CPI do Cachoeira. No Twitter, a ansiedade de sempre. Todo mundo com sangue na boca, querendo ir na jugular do governador. Com razão, fique bem entendido, afinal Perillo era um dos integrantes mais destacados do esquema Cachoeira, que se revelou uma poderosa máfia política, cujos tentáculos influenciavam setores da mídia, do Ministério Público, do Judiciário, e governos estaduais.

Ainda existe uma grande preocupação de que a CPI não dê certo. Mas eu acho que ela já ganhou uma dinâmica positiva própria. A rivalidade política entre os parlamentares, e mesmo a vaidade de alguns, impedem que ela perca ritmo. E cada vez se torna mais claro que o ministro Gilmar Mendes foi irresponsável e mentiroso ao acusar Lula de ter afirmado que “controlava a CPI”, o que seria um desrespeito aos mais de 400 parlamentares que assinaram a sua criação.  O governo pode ter domínio sobre alguns aspectos da CPI, mas a sua dinâmica é bastante livre, porque influenciada pela disposição do Congresso de aparecer bem junto à opinião pública. Digo opinião pública, não a publicada. Parcela importante e crescente da classe política hoje parece bem mais consciente de que a mídia corporativa não representa os anseios nacionais, e sim os interesses bem específicos de determinados grupos econômicos.

Concordo, porém, com o Nassif que esses depoimentos não são frutíferos. Constituem antes um espetáculo midiático que acaba favorecendo os acusados. Partilho igualmente a opinião de que a sugestão da Katia Abreu foi sensata: montar subcomissões específicas para analisar a fundo os diferentes temas abordados na comissão: Delta; esquema Cachoeira em Goiás; e sugestões para aprimorar sistema de licitações com empreiteiras. Apostar mais em trabalho duro do que em showzinho pra Globonews.

Só que eu acho que uma dessas subcomissões poderia se dedicar especialmente às relações de Cachoeira com a mídia.

Eu defendo ainda que a CPI deveria digitalizar todo o imenso material de que dispõe e vazar para a internet, deixando o serviço de análise e depuração para a esquerdalha robótica, ou formigas feronômicas (como diria aquela newsletter de Cachoeira).

Em relação ao depoimento de Perillo,é muita cara de pau dele dizer que não sabia que ela seria comprada por Cachoeira. O bicheiro foi preso justamente na tal residência. Mas os parlamentares talvez tenham errado em focar somente neste ponto, para o qual o governador tinha respostas na ponta da língua. Há centenas de lambanças bem mais graves envolvendo o governador, numa escala tal que nem a mídia, notoriamente tchutchuca com membros do PSDB e tigresa contra petistas, tem conseguido esconder.

Hoje, por exemplo, temos  duas denúncias fortíssimas contra Perillo na grande imprensa:

  1. Grupo de Cachoeira pagou R$ 600 mil a sócio de Perillo, no Estadão.
  2. Sócios de Perillo ganham milhões do governo de Goiás, no Globo.

Ou seja, se me permitem usar pela última vez um trocadilho que já está ficando enjoado: a cada vez que se examina a situação do governador de Goiás, ouve-se um ruído diferente da Cachoeira.

Entre os presos na operação Monte Carlo, estão os principais comandantes da segurança pública de Goiás.

Cachoeira era a eminência parda do estado.

Os mistérios do universo talvez nunca sejam revelados, mas os do Clube Nextel já caíram na boca do povo…

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A Delta foi declarada inidônea pela Controladoria Geral da União (CGU), o que é uma excelente notícia para a luta contra a corrupção no Brasil. Claro que ela é um bode expiatório, porque fazia exatamente o que outras empreiteiras sempre fizeram, mas bodes expiatórios às vezes são necessários. Além do mais, o caso Delta fez despertar a opinião pública e o Congresso para a necessidade de reformar o sistema de licitações e contratos com empreiteiras no Brasil. Do jeito que as coisas são hoje, aliás, nem faz tanta diferença haver ou não licitação: ambas são processos viciados. Outro ponto positivo foi trazer de volta ao debate, com mais força, o financiamento público de campanha, proibindo doações privadas, o que é o primeiro passo para se combatar a promiscuidade entre empreiteiras e governo.

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O maior perigo para a CPI vem do Judiciário corrupto:

Desembargador Tourinho Neto tenta anular inquérito Cachoeira.

Prefiro acreditar que isso não será possível. Seria uma desmoralização completa do Judiciário, gerando uma comoção pública de tal dimensão que suas consequências seriam imprevisíveis.

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De fato, os petistas escalados para interrogar Perillo, a começar pelo relator, se mostraram fracos, em retórica e argumento, pouco incisivos e confusos. Os tucanos, ao que parece, saíram rindo, sentindo-se vitoriosos. Por outro lado, eu acho que num ambiente político com grande visibilidade pública, a lógica é diferente. Os espertos conseguem se dar bem na hora da briga, mas não são bem vistos pela sociedade, enquanto aqueles que são criticados justamente por serem “bonzinhos” demais, recebem uma silenciosa e profunda aprovação.

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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