Bem, hoje é feriado, então iniciemos os trabalhos com uma música e um poema. A música é Stronger than me, da nossa querida e tão precocemente saudosa Amy Winehouse:
O poema é de Drummond e tem muito a ver com nosso trabalho:
Lutar com palavras é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã. São muitas, eu pouco. Algumas, tão fortes como o javali. Não me julgo louco. Se o fosse, teria poder de encantá-las. Mas lúcido e frio, apareço e tento apanhar algumas para meu sustento num dia de vida. Deixam-se enlaçar, tontas à carícia e súbito fogem e não há ameaça e nem há sevícia que as traga de novo ao centro da praça.
Para adaptar à nossa realidade, basta substituir “palavras” por “manipulação”.
Detectar manipulação na imprensa é um exercício diário, que fazemos assim que acordamos e pomos os olhos nos jornais. O primeiro impacto visual das manchetes já implica uma operação mental de filtrar as intenções daquela empresa de mídia e captar a informação oculta por trás. Se quiseres descansar, portanto, não podes sequer pôr o olho num título. E não há como fugir, porque se tiveres preguiça, o que acontecerá simplesmente será ceder sua independência espiritual ao julgamento de outrem com interesses em manipular tua opinião por motivos comerciais e políticos.
Hoje eu concordo, inclusive, que a pessoa que não lê jornal é, muitas vezes, melhor informada, ou pelo menos não adquire todos aqueles vícios ideológicos produzidos pelo consumo frequente de material radioativo.
Mas milhões de pessoas ainda lêem, assistem e escutam a grande mídia, e portanto há bastante espaço para o tipo de trabalho que me proponho, que é identificar as manipulações e interpretá-las à luz de uma outra visão de mundo. A granada que eles jogam para nosso lado, eu a recolho antes que exploda e a lanço de volta. Como faria um bom chinês, usamos a sua força contra eles mesmos.
Ontem, o ministro Gilmar “destrambelhado” Mendes ganhou novamente destaque na mídia através da coluna de Ilimar Franco no Globo, onde seu nome figurava no título:
Gilmar e o PT
Reação do ministro Gilmar Mendes (STF) ao documento da assessoria do PT sobre os citados na investigação da PF: “Não é um fato normal. É coisa de canalha, de gangster mesmo. Passar isso (o conteúdo das escutas da PF) para a mídia é coisa de fascistas. Eles (os petistas) estavam extorquindo o Toffoli e o Fux (ministros do STF). Oprimindo os dois. Estou indignado com essa estória de Berlin. Não vamos tratar como normal o que não é normal. Estamos lidando com bandidos”.
A situação é a seguinte. Gilmar acusa o PT de tentar “extorquir” ministros do Supremo. É uma acusação gravíssima, um ataque político pesado a um partido. Mendes mais uma vez atuou partidariamente. O Supremo vai julgar o mensalão do PT dentro de alguns meses, portanto a sua postura, de politizar, e de maneira apaixonada (no mau sentido) um assunto sobre o qual terá que mostrar isenção, demonstra irresponsabilidade, incompetência e total falta de ética.
O Supremo irá julgar também casos de mensalão do PSDB e do DEM. Ele dirá que esses partidos estão tentando extorquir ministros do Supremo? Ou ele acha que o PT realmente é o partido onde se reúnem os demônios? O partido do mal? Ora, considerando a amizade de Mendes com Demóstenes Torres, viajando juntinhos no exterior e tudo, não se pode afirmar que o ministro tenha um faro moral muito apurado. A lembrança da sua participação, íntima e amiga, na festinha de formatura do governador Marconi Perillo, apenas reforça o mesmo raciocínio. Gilmar é um cara muito ingênuo ao escolher seus amigos…
Daí que hoje eu me deparo, na mesma coluna do Ilimar Franco, com um desmentido categórico de Luiz Fux:
Fala o ministro Fux
Sereno diante da fala do ministro Gilmar Mendes (STF) sobre o julgamento do mensalão, o ministro Luiz Fux (STF) diz: “Eu nunca fui extorquido por ninguém do PT. Eu nunca fui procurado por ninguém do PT para tratar de mensalão”. Sobre o relatório dos petistas, que cita grampo em que o senador Demóstenes Torres faz comentário, para o contraventor Carlos Cachoeira, sobre a nomeação de Fux para o STF, o ministro afirma: “Ele é insignificante, o senador não tem credibilidade”.
Nas últimas semanas, não houve uma afirmação de Gilmar Mendes que não fosse desmentida, sempre de maneira categórica, por todos os nomes que ele menciona. Todos seus colegas juízes o desmentiram. O ex-delegado Paulo Lacerda o desmentiu. Nelson Jobim o desmentiu. Lula o desmentiu. Até agora não encontraram uma alma, em todo esse imenso sertão brasileiro, que confirmasse uma das acusações de Mendes. Nenhuma foi confirmada. Todas desmentidas. Ou seja, o cara é um mitônomo. E o Globo ainda repete, diariamente, suas afirmações, quando aborda o tema do mensalão, embora sempre – espertamente – atribuindo à Veja. “Segundo a Veja, o ministro disse aquilo”, “segundo a Veja, o ministro disse isto”, é a estratégia diária do Globo, e sempre omitindo o desmentido de Nelson Jobim.
Entretanto, ontem, ainda no Globo, eu identifiquei uma manipulação ainda mais sutil, e por isso mesmo mais eficiente e mais canalha. Em editorial intitulado, “A importância que o mensalão merece“, o qual, previsivelmente, foi reproduzido com destaque pela Veja, eu esbarrei no seguinte trecho:
Agora, na reta final para o agendamento do início do julgamento, há uma contaminação política indesejável do caso, devido à tentativa de interferência do ex-presidente Lula no processo, numa conversa com o ministro Gilmar Mendes, testemunhada por outro ex-presidente do STF, Nelson Jobim, reunião que jamais deveria ter acontecido.
Não é uma obra-prima da manipulação canalha? O Globo, além de omitir, sistematicamente, o desmentido de Nelson Jobim, além de tentar lançar dúvidas sobre o testemunho de Jobim levantando suspeitas ridículas sobre “voz estranha”, agora transforma Jobim em testemunha a favor de Gilmar Mendes!
Repare que o trecho não informa que Jobim desmente Gilmar Mendes. Ao contrário, a construção sintática leva o leitor a crer que Jobim confirmou a acusação de Gilmar Mendes! O mais revoltante é justamente a astúcia do negócio, porque o sentido do “testemunhada por outro ex-presidente do STF, Nelson Jobim” pode se referir tanto à existência da conversa, como à tentativa de interferência de Lula. Ou seja, o Globo consegue mentir quase sem mostrar o rabo. A intenção, contudo, é clara. É fazer o leitor acreditar na versão de Mendes, versão que tem sido amplamente desmoralizada, por todos os nomes independentes.