Hoje saiu no Globo uma matéria relatando a entrega do relatório da Polícia Federal sobre a compra da Record ao Ministério Público. Acho ótimo que investiguem a Record, mas assusta-me a possível manipulação política em torno de uma guerra empresarial entre a Globo e a empresa do Bispo.
Dentro do contexto da comunicação de massa no Brasil, a existência da Record tem garantido um pouco de pluralidade ao noticiário político, porque é a única que foge da ditadura de opinião liderada pela Rede Globo.
PF: compra da Record pode ter sido irregular
Autor(es): agência o globo:Antônio Werneck
O Globo – 01/06/2012
Relatório enviado ao MPF e à Justiça Federal ressalta indícios de lavagem de dinheiro e cita 14 supostos envolvidos
Vinte anos depois das negociações que levaram à compra da TV Record pela Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), a Polícia Federal encaminhou esta semana à Justiça Federal e ao Ministério Público federal relatório no qual aponta para indícios de ilegalidade na aquisição da emissora, com a prática de suposto crime de lavagem de dinheiro envolvendo 14 pessoas. O inquérito do caso tem três volumes, ninguém indiciado, mas cita os nomes do bispo Edir Macedo Bezerra; de Silvia Jane Hodgi Crivela, mulher do senador Marcelo Crivela; do ex-deputado federal Odenir Laprovita Vieira; de Carlos Alberto Rodrigues, o bispo Rodrigues; e do empresário Múcio Athaíde. É a última fase da investigação. Caberá agora ao MPF decidir se abre processo formal.
Advogada da igreja diz que transação de TV foi legal
Em nota, a advogada Denise Provasi Vaz, que defende a Iurd, informou que essa investigação não envolve a igreja. Segundo ela, a legalidade da compra da Record já foi comprovada. A advogada diz que não teve acesso ao relatório, mas ressalta que a investigação ainda não foi encerrada. Denise Vaz lembrou ainda que a venda da emissora já foi apurada em outro inquérito da Polícia Federal, que, segundo ela, foi arquivado.
Segundo o relatório de dez páginas ao qual O GLOBO teve acesso e que é assinado pelo delegado federal Hélio Khristian, da Delegacia de Polícia Fazendária, da PF do Rio, dos quatro crimes supostamente identificados na negociação da TV, três estão prescritos: falsidade ideológica, sonegação fiscal e crime contra o sistema financeiro. No entendimento do delegado, apenas o crime de lavagem de dinheiro permanece. No relatório, ele justificou: “como se trata de crime permanente, nas modalidades de ocultar e dissimular, mantém-se o agente em estado de flagrância, porque enquanto o ludíbrio ou engodo permanecerem operantes, a consumação se protairá no tempo”.
Para o delegado, o inquérito demonstra que Alba Maria Silva Costa, uma das supostas envolvidas na compra da Record e citada no relatório, teria atuado como operadora da negociação, juntamente com o ex-deputado Laprovita Vieira. Alba Costa, diz o relatório, era responsável no Brasil pelas instituições financeiras Investholding e Cableinvest, sediadas respectivamente nas Ilhas Cayman e na Ilha de Jersey, conhecidos paraísos fiscais. A PF frisa que essas empresas eram mantidas pela Iurd na época das negociações. Para a PF, foi Alba Costa quem movimentou, entre 1992 e 1994 (época da compra da Record), US$ 18 milhões sem o conhecimento das autoridades financeiras do país, como o Banco Central.
Ainda de acordo com o relatório, fiéis e frequentadores da Igreja, citados nas investigações, teriam sido usados como “laranjas”, obtendo empréstimos milionários usados na compra da rede de TV. Entre eles, há um pedreiro, um comerciante, um farmacêutico e um militar da reserva. O dinheiro chegou ao grupo por meio de remessas da Investholding e da Cableinvest. Em depoimentos que constam do inquérito 1724/2005, as pessoas supostamente usadas como “laranjas” afirmam que cederam seus nomes a pedido do então deputado Laprovita Vieira. Também foram encontrados indícios de falsificação de documentos na transação. Reportagens do jornal “Folha de São Paulo” são citadas no documento e foram anexadas às investigações.
No relatório, o delegado federal identificou uma série de irregularidades ocorrida nas negociações. Num dos trechos, ele afirmou: “depreende-se e destaca-se da leitura atenta deste procedimento que houve escandaloso esquema fraudulento, complexa organização criminosa voltada especialmente para a prática de crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, com a falsificação de documentos, utilização de laranjas em operações espúrias, tudo com o claro e primordial intento de ludibriar o poder público”.
Apesar de considerar a documentação e as provas contidas nas investigações robustas, o delegado Hélio Khristian reconhece no relatório que “lamentavelmente, por uma série de razões, que não cabe aqui promover comentários, prescreveram os crimes de falsidade ideológica perpetrados pelos supracitados investigados, bem como o crime de sonegação fiscal e contra o sistema financeiro”. Procurado, o delegado confirmou o envio do relatório à Justiça Federal e ao MPF do Rio, mas não quis comentar o caso.
A Polícia Federal começou a investigação no início da década de 90, quando identificou, entre os compradores da TV Rio – que virou TV Record -, pessoas de classe média baixa sem lastro financeiro para participar da transação. Segundo documentos obtidos pela PF à época, o grupo teria conseguido empréstimos de US$ 20 milhões da Investholding e da Cableinvest.
O escândalo do uso de “laranjas” para a aquisição da TV Record do Rio veio à tona em 1996, quando O GLOBO publicou documentos comprovando que os seis compradores não dispunham de condições financeiras para adquirir a emissora. A compra irregular constava da declaração de renda de dois deles: José Antônio Alves Xavier e Claudemir Mendonça de Andrade, citados no relatório da PF. Eles informaram em suas declarações de renda de 1993, ano-base 92, ter adquirido um sexto do capital social da empresa, por meio de empréstimos contraídos junto a Investholding e a Cableinvest.
Também teriam participado da compra José Fernando Passos da Costa, Marcio de Lima Araujo e João Monteiro de Castro dos Santos. Todos incluídos no relatório finalizado pela PF, assim como Demerval Gonçalves, Ester Eunice Rangel Bezerra e Honorilton Gonçalves da Costa. Segundo o documento, a data da compra já denunciava a primeira irregularidade. O Ministério das Comunicações autorizara a Rádio Difusão Ebenezer (nome jurídico da antiga TV Rio) a entrar no ar em 31 de maio de 1988. A legislação determinava um prazo de carência de cinco anos para que a emissora fosse vendida, ou seja, a partir de 1993. A transação, no entanto, foi realizada em fevereiro de 1992 e, segundo a PF, nem sequer foi registrada na Junta Comercial.
Compradores não tinham condições financeiras
Além disso, as declarações de renda de Xavier e Mendonça revelavam que eles não tinham condições para se tornar donos de uma emissora de televisão. Xavier, por exemplo, declarava ter um apartamento comprado pelo antigo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e uma loja de automóveis. Ele, mais tarde, passou suas cotas para o bispo Rodrigues. Claudemir, por sua vez, tinha uma casa no bairro de Santa Rosa, em Niterói, e metade de uma casa num loteamento na Região dos Lagos. Já Alba Costa declarou ter apenas uma linha telefônica e rendimentos anuais, equivalentes na época, a cerca de US$ 2.650. Os demais compradores também eram de classe média baixa.