UM ENCONTRO COMUM E A FALSA CRISE
Por Mauro Santayanna, em seu blog.
Tentemos examinar os fatos – como eles estão sendo narrados. Admitamos, como certo, por ser possível, ainda que pouco provável, o divulgado diálogo de Lula com o Ministro Gilmar Mendes, no escritório do advogado Nelson Jobim, amigo de ambos – mesmo que Jobim o tenha desmentido e de forma definitiva. A versão de Gilmar é a de que Lula lhe falou na necessidade de adiar-se o julgamento, pelo STF, do processo de que são réus, entre muitos outros, alguns membros do PT, e que tenha lembrado a Gilmar a ainda não esclarecida viagem do Ministro e do Senador Demóstenes Torres a Berlim.
Até aqui, tudo no terreno do possível, nada há de estranho, nem qualquer deslize da parte de Lula. Sendo negócio de homens, e não de anjos, a política, desde que o mundo existe, é conversa, que admite pressões e contrapressões. E o ato político se faz, para o bem e para o mal, mediante pactos. Nada se pactua sem conversa prévia, mesmo que isso desagrade a muitos cidadãos. Não houvesse pactos políticos sigilosos, a História seria sempre um rio fétido de sangue.
Nós temos, na crônica quase recente do país, o processo de redemocratização como exemplo dos pactos sigilosos. Foi necessário que, de um e de outro lado, os moderados se movessem e conversassem, quase sempre à sombra do segredo e da confiança dos interlocutores, para que se dessem os passos na direção da retomada do estado de direito. Os extremados, de um lado e do outro do espectro político, condenaram esses esforços de pacificação nacional, crendo que, se não os houvesse, a facção a que pertencem teria obtido a vitória final e construído o estado que pretendiam perfeito. Sem a ação de Tancredo e outros, por quantos anos mais teríamos que esperar pela liberdade de imprensa, pela liberdade partidária e pelo direito do voto direto para os cargos executivos?
Não façamos de Lula um congregado mariano. Os homens são o que deles faz a sua experiência. Lula foi obrigado, desde menino, a negociar a sobrevivência, e nisso se baseou para construir sua biografia política. Nesse caso particular, se fez o que lhe é atribuído, agiu, em nosso juízo, de forma equivocada, de maneira a lhe trazer, como está trazendo, mais custos do que benefícios. Gilmar não era o melhor interlocutor no STF, entre outras razões por ser uma figura controvertida na opinião pública e entre os seus pares.
Queiramos ou não queiram os puristas, é assim que se faz política.
Há, e deve ser registrada, uma diferença de personalidades, entre Gilmar e Jobim, que deve ser lembrada: Jobim conhece algumas regras de convívio político e humano, das quais o controvertido ministro do Supremo parece jejuno. Não sendo provável que Lula tenha confidenciado a alguém o encontro com Gilmar e Jobim – e tampouco que Jobim haja descurado de seus deveres de anfitrião para narrar o diálogo, ainda mais porque o negou – que fonte abasteceu a revista que o reproduziu? Não podemos cair na sedução fácil de admitir que Carlos Cachoeira tenha mandado um de seus agentes dissimular-se em poltrona, ou colocar um microfone oculto no escritório de Jobim. Ele e seu homem de confiança para tais assuntos, o famoso Dadá, já se encontravam presos. Segundo as versões correntes, Gilmar revelou a alegada conversa com Lula ao Procurador Geral da República e a outras autoridades, antes que a revista semanal a divulgasse.
Nelson Jobim desmente, de forma irrestrita, o diálogo revelado pelo Ministro Gilmar Mendes. Mais do que o desmentido, Jobim abre uma fímbria do manto que cobre as razões do Ministro do Supremo para apregoar o encontro, ao fazer a observação singela, em entrevista ontem divulgada pelo jornal Zero Hora, de Porto Alegre:
— É estranho que o encontro tenha acontecido há um mês e só agora Gilmar venha se dizer indignado com o que ouviu de Lula. O encontro foi cordial. Lula queria agradecer a colaboração de Gilmar com o seu governo.
Excluindo-se a possibilidade de que tudo não tenha passado de uma trama entre Gilmar e Nelson Jobim, o que faria deles dois patifes – o que não são – a quem interessou a divulgação do encontro, um mês depois? O terreno das hipóteses é movediço, mas instigante. Uma delas, que está circulando pelas esquinas excitadas da internet, é a de que Gilmar (diante de versões correntes e que o comprometem mais além de viagens à antiga capital da Prússia, e que podem surgir durante a CPI), esteja, com sua experiência rural, fazendo um aceiro, para evitar que o incêndio da CPI atinja os seus pastos. E se Gilmar se considerava grande amigo de Lula – a ponto de as duas famílias se encontrarem com freqüência, como se noticia – por que revelar uma conversa íntima, pessoal, que compromete o ex-presidente como um interessado em que o STF adie um julgamento?
Há quem veja, nas razões de Lula – a ter como verdade o que se noticia – propósito político explicável: coincidindo a realização da CPI com o julgamento do STF, todo o interesse dos meios de comunicação estaria concentrado no mensalão, desviando para um segundo plano as investigações mais amplas do sistema de corrupção do Estado, que envolve os 3 poderes republicanos. É uma tese. O que o Brasil espera é que, tanto em um caso como no outro, tanto no processo que o STF julgará, como na CPI que se instaurou, a verdade seja conhecida.
Há o propósito de transformar o episódio do encontro em uma crise política que atinja o governo – e não há crise alguma. O conhecimento público do episódio não altera o quadro político, não muda seu desenvolvimento, que vai depender das revelações a vir. O novelo é denso, e seu tamanho exato só será conhecido quando toda a trama for desfeita. É necessário que os homens de bem estejam preparados, a fim de impor o bom-senso e encontrar a salvação do Estado, depois das revelações temidas e imaginadas.