Assange, Correa e o que está em jogo na bisbilhotagem midiática do Cachoeira
publicado em 25 de maio de 2012 às 21:25
por Luiz Carlos Azenha, em seu blog.
Tenho acompanhado o esclarecedor programa de entrevistas de Julian Assange, de Wikileaks-fama, que vai ao ar no Russia Today. O bacana é que Assange não tenta parecer neutro, nem paira sobre os assuntos como se não tivesse opinião a respeito deles. Ao mesmo tempo, fica claro que não arrasta seus preconceitos para dentro das entrevistas. Parece genuinamente curioso com o que os entrevistados têm a dizer.
Um dos melhores programas foi o mais recente, em que Assange entrevistou o presidente do Equador, Rafael Correa.
Um trecho me fez lembrar da bisbilhotagem jornalística promovida pela quadrilha de Carlinhos Cachoeira, que deu ao bicheiro mais poder e dinheiro e à mídia a capacidade de forjar crises — certas crises — que combinassem com seus interesses.
Aqui, cabe mais uma vez perguntar: se os grampos produzidos por Jairo Martins e Dadá que se referem à relação incestuosa com a mídia são assim tão desprezíveis, por que a mídia não trata deles? Por que não os reproduz e debate abertamente com seus leitores, ouvintes e telespectadores? Por que não os desmoraliza publicamente?
Minha opinião: porque ficaria explícito que a mídia tem um lado e que em defesa deste lado, se preciso for, usa métodos ilegais e se associa ao “empresário do ramo de jogos” Carlinhos Cachoeira ou àquele outro empresário, o Rubnei Quicoli. Simples assim. Por isso, segue cada vez mais cômica a espetacular dança dos que puxam o saco do patrão explícita e publicamente — jornalistas, blogueiros e colunistas — em torno do acessório.
É a cortina de fumaça para evitar o essencial. E, sobre o essencial, Assange e Correa discutiram, no trecho de entrevista que reproduzo abaixo:
Julian Assange: Presidente Correa, como você sabe, durante muitos anos eu tenho lutado pela liberdade de expressão, pelo direito de as pessoas se comunicarem, pelo direito do público à informação verdadeira. De que forma suas reformas não ameaçam a liberdade de expressão?
Rafael Correa: Bem, você é uma boa amostra, Julian, de como é a imprensa, e como são estes grupos como a Sociedade Interamericana de Imprensa, que não é outra coisa que um clube dos donos de jornais da América Latina. Sobre o seu WikiLeaks foram publicados vários livros, o último é de dois autores argentinos, onde analisam país por país, e no caso do Equador demonstram como, de forma descarada, a mídia não publicou os telegramas que a prejudicavam. Por exemplo, telegramas sobre disputas entre grupos informativos; ao final, chegaram a um acordo para não publicar suas roupas sujas, para não sofrerem danos. Leio a tradução em espanhol de um dos telegramas do WikiLeaks que a imprensa do Equador não publicou: “… o fato de que a imprensa se sente livre para criticar o governo, mas não a um banqueiro fugitivo e aos negócios de sua família, revela muito sobre onde reside o poder no Equador…”.
Estas são mensagens que o WikiLeaks tornou públicas mas que a imprensa equatoriana não republicou. Para que você veja um pouco o que enfrentamos no Equador e na América Latina, nós acreditamos, meu querido Julian, que os únicos limites à informação e à liberdade de expressão são os que estão nos tratados internacionais, na Convenção Interamericana dos Direitos Humanos: respeito à honra e à reputação das pessoas e à segurança das pessoas e do estado. Todo o resto, quanto mais gente conhecer, melhor. E você manifestou o seu temor, recorrente em jornalistas de boa fé, mas que exprime estereotipos sobre o temor de que o poder estatal limite a liberdade de expressão. Isso não existe na América Latina. São idealizações, são mitos. Por favor, entenda-se que aqui o poder midiático era, e provavelmente é, muito maior que o poder público. Normalmente a mídia tem poder político em função de seus interesses, poder econômico e poder social; mas, sobretudo, ela tem o poder informativo.
Eles [os grupos de mídia] foram os grandes eleitores, os grandes legisladores, os grandes julgadores, aqueles que propõem a agenda midiática, que submetem governos, presidentes, tribunais de justiça. Vamos esquecer dessa ideia de pobres e valentes jornalistas, meios de comunicação angelicais, tratando de dizer a verdade, enquanto tiranos, autocratas e ditadores tentam evitá-la. Não é a verdade. É o contrário. Os governos que tratamos de fazer algo pelas grandes maiorias somos perseguidos por jornalistas que crêem que, por ter uma caneta e um microfone, podem atacar seus desafetos. Porque muitas vezes é apenas por antipatia que passam a injuriar, a caluniar, etc. São meios de comunicação dedicados a defender os interesses privados.
Por favor, que o mundo entenda isso, o que se passa na América Latina. Quando eu cheguei ao governo existiam sete emissoras nacionais de TV. Não havia TV pública, todas privadas. Cinco pertenciam a banqueiros. Imagine você, se eu quisesse tomar uma medida contra os bancos para evitar, por exemplo, a crise e os abusos que estão acontecendo na Europa, particularmente na Espanha; havia uma campanha impiedosa a nível de televisão para defender os interesses dos seus donos, dos proprietários destas cadeias de televisão que eram banqueiros. Que não nos enganemos. Esqueçamos essa falsidade e os estereotipos de governos malvados perseguindo jornalistas e meios de comunicação angelicais e valentes. Frequentemente é o contrário, Julian. Esta gente disfarçada de jornalista trata de fazer política, desestabilizar nossos governos para evitar qualquer mudança em nossa região, querem evitar perder o poder que sempre ostentaram.
Julian Assange: Presidente Correa, eu estou de acordo com sua descrição do mercado de mídia. Conosco, uma vez ou outra, aconteceu o mesmo; organizações grandes com as quais trabalhamos, como o Guardian, El País, New York Times e Der Spiegel censuraram nosso material, violando nossos acordos, ao não publicar por razões políticas ou para proteger oligarcas como Tymoshenko, da Ucrânia, que estava escondendo sua riqueza em Londres, ou grandes companhias petrolíferas italianas, corruptas, que operavam no Casaquistão. Temos provas a respeito, já que sabemos o que está no documento original e podemos comparar com o que foi impresso e o que ficou de fora. Mas a mim me parece que a forma correta de enfrentar os monopólios e duopólios e os cartéis em um mercado é os desfazendo e tornando mais fácil para que novas empresas entrem no mercado. Você não criaria um sistema para permitir fácil acesso ao mercado editorial, de modo que novas empresas e indivíduos sejam protegidos, enquanto as grandes empresas sejam divididas e regulamentadas?
Rafael Correa: É o que estamos tratando de fazer, Julian. Faz mais de dois anos estamos discutindo a nova lei de comunicação para repartir o espectro radioelétrico, quer dizer, o espectro para televisão e rádio, para que apenas um terço seja privado com fins lucrativos, o outro terço seja de propriedade comunitária ou sem fins lucrativos e o terço final seja de propriedade pública, não só do governo central, mas de governos locais, municípios e distritos. Tivemos dois anos de debates, apesar disso ter sido aprovado nas urnas, na Constituição de 2008, ratificada pelo povo equatoriano em uma consulta popular no ano passado. Apesar disso, a nova lei é sistematicamente bloqueada pela grande mídia. Chamam de “lei da mordaça” e os deputados assalariados que eles mantém no Congresso para servir a seus interesses dizem o mesmo. É isso o que estamos tentando fazer: democratizar a informação, a comunicação social, a propriedade dos meios de comunicação, mas obviamente temos a oposição aberta dos proprietários de meios de comunicação e de seus corifeus no espectro político equatoriano…