CPI de vento em popa

Na contramão dos colunistas políticos da imprensa corporativa, este Cafezinho considera que a CPMI está indo de vento em popa. Claro, podia estar ainda melhor, mas eu também podia escrever melhores análises, o Ronaldinho Gaúcho poderia fazer mais gols e os mesmos colunistas poderiam emprestar um mínimo de apoio ao esforço dos parlamentares de combater a corrupção.

Realmente, é muito curioso que os colunistas admitam que a CPI tem potencial explosivo e que atinge interesses poderosos, podendo inclusive haver respingos no governo federal; mas que, ao constatar isso, eles chamem os congressistas de burros, ingênuos (deram “tiro no pé“, na expressão do mervismo pigal), ao invés de chamá-los de corajosos.

Seguindo esse raciocínio, a operação Mãos Limpas, que investigou a infiltração da máfia nas instituições italianas, também foi “um tiro no pé”.

O Brasil conseguiu consolidar uma democracia bastante estável, de maneira que a única coisa que poderia causar algum abalo mais substancial na república seria a descoberta de que Dilma Rousseff recebia dinheiro do esquema Cachoeira. Não sendo a hipótese plausível, a CPI pode cortar fundo nas carnes da república. O governo Dilma já mostrou que resiste a quedas de ministros. O PT já mostrou que resiste a queda de seus caciques – porque a força do partido reside nas ideias políticas que ele encarna para milhões de brasileiros.

Estas são as razões pelas quais nem o governo nem o PT tem qualquer receio quanto à CPI. O julgamento do mensalão, por sua vez, irá mexer apenas com a trajetória de meia dúzia de petistas, num universo de milhares de prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores, e milhões de militantes. É ridículo atribuir ao julgamento do mensalão qualquer poder de desestabilizar concretamente o governo federal ou causar prejuízo significativo ao PT. É muito duvidosa a teoria de que algum candidato a prefeito pelo PT obtenha menos votos porque José Dirceu foi condenado no STF. Acusado por acusado, todos os partidos têm seus telhados de vidro.

Também acho curioso que os movimentos contra a corrupção tenham feito um silêncio tão súbito. Não era um movimento em ascensão?

Como diz o mestre de obras, tentando uma nova facada: veja bem. Dora Kramer, em sua coluna de hoje no Estadão, diz que “a CPMI do Cachoeira corre o risco de trocar o lugar com os acusados e, aos olhos de sociedade, se transformar em ré pelo crime de omissão”. Ora, parece que ela não viu a manchete de capa do próprio jornal, edição de hoje! Reproduzo-a, para avivar sua memória:

 

A CPI também gerou manchetão no Globo:

Ou seja, dois dos principais jornais do país trouxeram novidades, levantadas pela CPI, acerca do esquema de corrupção montado por Cachoeira, Demóstenes Torres e a Delta. E mesmo assim, Dora Kramer diz que é a CPI “que corre o risco de virar réu”?

Outra colunista, na Folha, tenta aplicar a frase da Katia Abreu, usada (com justiça, aliás) para um momento infeliz da CPI, para todo o contexto da investigação.

A síntese de tudo, aliás, foi dada pela mesma Kátia Abreu ao implorar o fim da sessão e da agonia inútil: “Senhores, estamos aqui fazendo papel de bobos”. Tem absoluta razão.

Os colunistas, ao invés dessa campanha furiosa para desqualificar a CPI, deveriam fazer como o blog Conversa Afiada, que eles criticam tanto por ter anúncios de estatais (que só podem anunciar na grande imprensa; na blogosfera é crime):

O Conversa Afiada reproduz e-mail que recebeu do infatigável Stanley Burburinho, o mesmo que se perguntou: “Quem é esse Doni da Globo?”.

1- “GLEYB pede pra desmarcar o jantar hoje. Diz que o GILMAR MENDES intimou o DEMÓSTENES para um jantar hoje.
CARLINHOS pediu desculpas e vai remarcar a data deste jantar.”

2 – Obs: Faça busca pela palavra “Gilmar” no link abaixo:

Página 29 do link: http://pt.scribd.com/doc/91629993/INQ-3430-Apenso-01-Volume-06

Eu fui ao link sugerido pelo Stanley e, realmente, há uma parte lá que cita um jantar entre Gilmar Mendes, ministro do STF, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) e Carlos Cachoeira. Ou pelo menos foi isso que eu entendi:

Então fica combinado. Uma CPI que investiga um senador, um governador, um ministro do Supremo Tribunal Federal, que põe em suspeita o procurador-geral da República, é uma CPI que não vale nada? É uma CPI desorientada, uma “nau sem rumo“, nas palavras de outro colunista, Fernando Rodrigues?

A CPI cometeu um erro ao chamar Cachoeira, mas a intenção foi boa: em outras CPIs sempre se chamava o principal investigado em primeiro lugar. Desta vez, como a investigação já está completa, deveria ter invertido as prioridades. Vacarezza cometeu uma estupidez irritante, ao mandar um torpedo em linguagem de baixo calão, através de um telefone com tela grande, numa sala repleta de cinegrafistas. Os parlamentares, no entanto, foram corajosos em instalar uma CPI com potencial tão explosivo,  e os resultados aparecem dia a dia. Ontem, por exemplo, foi um bom dia para a CPI, porque o depoimento do ex-vereador tucano Wladimir Garcez ajudou a esclarecer a nebulosa venda da casa do governador Marconi Perillo para Carlos Cachoeira, operação que mostraria ligações carnais entre um e outro, além de representar um pesado desmentido às declarações de Perillo.

Que mais a imprensa quer? A CPI não faz milagres, e de fato os parlamentares não são investigadores da Scotland Yard, nem maquiavélicos como os membros do Clube Nextel. Um parlamentar recebe salário de 27 mil reais, é muito dinheiro, mas Demóstenes, como já vimos, recebia regularmente alguns milhões de reais de “complemento” da quadrilha…

Outra notícia extremamente positiva é que o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), autorizou a CPI a divulgar documentos relativos às ligações entre parlamentares e o esquema Cachoeira. É uma vitória da transparência contra o sigilo, que beneficia os bandidos. Parte desses documentos, aliás, já está de qualquer forma vazado na internet, mas a autorização do STF deve ampliar o “vazamento”, que a partir de agora ganha legalidade.

A mídia fala tanto em combate à corrupção, mas quando chega o momento de emprestar apoio às instituições, bem no momento em que estão adentrando uma das cavernas mais tenebrosas do submundo das máfias políticas, resolve bater bumbo, perseguir o presidente da CPI, criar cortinas de fumaça, xingar os deputados. Merval Pereira, por exemplo, fugiu pra China, só pra não falar em CPI. E os colunistas agora só abordam o tema para denegrir os parlamentares e desqualificar a investigação.

Na realidade, a CPI está sendo esclarecedora. Agora vemos quem, de fato, está interessado em fazer uma limpeza ética no país, e quem usava esse discurso apenas com objetivos comerciais, partidários ou mesmo escusos…

Quanto à participação da Delta, os parlamentares já quebraram os sigilos do Claudio Abreu em todo país. Abreu era diretor da Delta no Centro-Oeste e o elo da empreiteira com o esquema Cachoeira. Na próxima terça, poderá quebrar o sigilo da empresa a nível nacional. O lado triste nessa história é que a imprensa parece estar querendo focar a investigação apenas na Delta, ao invés de focar na relação do esquema Cachoeira com políticos. Tem que investigar a Delta também, mas a mídia viu nos apuros da empreiteira a oportunidade de trazer problemas para o andamento do PAC, e, consequentemente, danos políticos ao governo federal; por isso quer inviabilizar qualquer solução que evite o desemprego em massa de milhares de operários, calotes a fornecedores e atraso em obras de cunho prioritário e urgente (como construção de casas populares, escolas, creches, barragens). Este é o ponto crítico da CPI que mais me preocupa. Tem que punir os corruptos da Delta, mas sem desemprego, sem atraso de obras e sem prejudicar segmentos vulneráveis da população. Esperemos que o governo consiga resolver o problema da Delta da maneira menos traumática possível, e esperemos que a oposição e a mídia não deixem que o ódio partidário se sobreponha aos interesses maiores do país.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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