(Ilustração: Van Gogh)
Esta semana, encontraram uma enorme jibóia de dois metros na rua do Resende, onde eu moro. Segundo testemunhas, ela saiu de um carro que passava, depois se escondeu na caçamba de um caminhão estacionado por ali. É um exemplo perfeito para o adjetivo “inusitado”. E, no entanto, são tantas coisas surpreendentes acontecendo a toda hora que poderíamos afirmar que a nossa rotina é composta de uma sucessão de fatos inusitados. Eu acho que o Rio de Janeiro é particularmente rico neste sentido. Uma cidade maravilhosa onde bueiros explodem qual minas de guerra e prédios desabam sem aviso prévio, como que atingidos por mísseis de alta precisão.
O jornalismo, a política, a arte, todos vivem do inusitado. E há inusitado para todos os gostos. Escolher um e transformá-lo em notícia é uma prerrogativa ética de editores, blogueiros e comentaristas das redes. Naturalmente, estão em jogo interesses comerciais e/ou políticos em cada palavra que dizemos, pensamos ou escrevemos. Aristóteles dizia que o homem é um animal político, eu diria que o homem é um bicho com interesses. Até aí nada demais, desde que meus interesses não atrapalhem os vossos e vice-versa, ou desde que meus interesses sejam afins do interesse coletivo.
A política visa promover a felicidade, ensinava o Mestre já citado, embora o processo da luta política raramente seja prazeroso. Em alguns lugares, é um processo sangrento, traumático , brutal. Na Síria, por exemplo. Ou no bairro de Pinheirinho, em São José dos Campos. Bem, estou tentando falar da CPI, ou CPMI, do Cachoeira…
Os jornalões todo dia mostram uma jibóia à sociedade, mesmo que tenham que trazer uma de plástico. Hoje eles amanheceram com acusações à CPI por “blindar governadores e o comando da Delta” e festejaram, ao que parece de maneira precipitada, a não-convocação do jornalista Policarpo Júnior, da revista Veja.
Agora, cuidado!
Eu leio vários jornais por dia, dezenas de blogs, e mesmo assim volta e meio dou comigo mesmo de boca aberta diante da última cobra gigante trazida pela mídia.
Ontem eu dei umas bordoadas na CPI, chamei os parlamentares de covardes para baixo, mas hoje, ao ler mais sobre o assunto, vejo que estava errado. Não se conseguirá nada com afobação. Os deputados e senadores estão fazendo seu trabalho de maneira cuidadosa, mas firme. A CPI vai durar 180 dias, podendo ser prorrogada se for necessário. Muitas jibóias serão encontradas, ou mesmo outra raça de cobras, mais venenosas. A pressa, como disse a mulher experiente para seu namoradinho de dezoito anos, é inimiga da perfeição.
Collor pediu uma relação separada das gravações entre Poli e membros da quadrilha de Cachoeira. O requerimento não foi aprovado, mas decidiu-se por uma solução ainda melhor: foram requeridas todas as gravações da Polícia Federal, inclusive as não degravadas, como é o caso da maioria que envolve a Veja, de maneira que será possível, em breve, esquadrinhar a fundo as relações de setores da imprensa com o crime organizado. O Nassif escreveu um post esclarecedor sobre o tema.
A bipolaridade da imprensalona prossegue avançando. Numa dia fala em CPI explosiva, repete frases ameaçadoras (CPI sabe como se começa, mas não como termina); no início desta semana, Noblat terminou sua coluna advertindo a presidenta:
Cuide-se Dilma para um eventual desfecho desastroso da CPI – afinal, sua base de apoio no Congresso já foi maior e mais fiel.
E agora, de repente, diz que a CPI perdeu força, que já virou pizza. Eles querem é mostrar uma jibóia gigante ao povo, e deixá-lo confuso, talvez com medo, diante da aparição absurda.
Acontece que a jibóia está viva, e pode muito bem morder o jornalista que a está filmando.
A CPI está só começando. Os parlamentares e suas equipes ainda estão estudando as toneladas de provas que compõem os inquéritos Vegas e Monte Carlo. E falta a PF entregar mais material. São vídeos, aúdios, computadores, hds, boa parte do qual ainda foi sequer vistoriado pela polícia.
Torçamos para que o máximo de informação possível caia na rede, para que a esquerdalha robótica (termo cunhado pelo blogueiro Rodrigo Vianna) possa processar a informação em suas aceleradas memórias virtuais.
Uma notícia curiosa que merece alguns comentários é o flagra no celular do Vacarezza. A mensagem do petista, enviada por SMS, e captada visualmente por um cinegrafista bem olhudo, é uma comunicação de caráter político, não tem nada demais. Vacarezza não disse nada que não seja público: a CPI pode azedar a relação entre PMDB e PT, e o governador Sérgio Cabral é um aliado do PT. Mas que foi uma trapalhada do pior tipo, isso foi. Pelo jeito, Dilma foi uma visionária ao tirar Vacarezza da liderança do governo.
Na verdade, a oposição, que politicamente está encarnada antes na mídia do que nos combalidos partidos que a representam, conseguiu marcar um importante ponto na CPI. Por semanas, os jornalões estamparam fotos e exibiram vídeos do governador Sérgio Cabral em companhia de Fernando Cavendish. As imagens não mostram nenhum crime. Cavendish era então um respeitado empresário da construção civil, cuja empresa, a Delta, tinha contratos em diversos estados, municípios e era uma das principais empreiteiras do PAC.
O código de ética do servidor público diz que ele não pode receber presentes, então o que poderia ter havido, naquele momento, era uma infração de ordem ética, caso Cavendish tenha patrocinado a festa.
Cabral acrescentou ao código de conduta a recomendação que os servidores evitem participar de eventos sociais na companhia de agentes privados que tenham contratos com o governo.
Na minha opinião, porém, não vamos resolver o problema da corrupção instituindo uma cultura de hipocrisia e segredo. Um administrador político, como é um governador, deve ter a liberdade de poder jantar com quem quiser, de preferência em lugar público. Proibir só vai empurrar esses encontros para a clandestinidade. Não é porque vai jantar ou deixar de jantar que um governador será menos corrupto, até porque possíveis negociatas nunca serão feitas em público. O código de ética orienta o servidor a não deixar que lhe paguem uma conta no restaurante, mas seria uma violação da liberdade individual do representante político proibi-lo sequer de sentar-se à mesa com empresários. Para mim, isso é um moralismo absurdo e contraproducente.
Um caso parecido é o novo escândalo ministerial envolvendo Fernando Pimentel, titular da pasta de Desenvolvimento. Ele estava na Bulgária, na companhia da presidente, e teve que sair às pressas para participar de uma importante conferência em Roma, para industriais italianos. A Itália é um dos países mais industrializados do mundo, ainda é uma potência econômica, apesar de seus problemas, e a palestra de Fernando Pimentel tinha como objetivo promover o Brasil junto aos empresários italianos, tentando lhes despertar o interesse de investir em nosso país. O código de ética do servidor permite que ele use o transporte cedido por eventos deste tipo. Pimentel pegou o avião cedido por João Dória Junior e foi à Roma prestigiar a conferência, onde sua presença constava da programação. Agiu certo. Pimentel não usou um avião de empresário para ir passar férias nas praias da Sicília. A mídia mais uma vez se comportou maliciosamente. Acabamos de ver, por exemplo, que enquanto a imprensa se apegava a picuinhas como esta, tentando desestabilizar o governo, elegeu um bandido como Demóstenes Torres em “mosqueteiro da ética”. O governador Arruda, do Distrito Federal, também era um ídolo da Veja.
Enfim, mídia e oposição partidária conseguiram blindar Marconi Perillo, o único governador envolvido com o esquema Cachoeira, através das ameaças a Sérgio Cabral. É a mídia, mais uma vez, manipulando a informação em benefício de bandidos. A jibóia agradece pela exposição gratuita. Mas qualquer dia desses, ela se cansa da câmera e engole o cinegrafista…