(Desmembrei um post anterior, e publico aqui o “excedente”. Tenho que me esforçar para fazer posts um pouco mais sucintos).
Ilustração capa: Otto Dix, autorretrato com musa.
Cabral sofre daquela curiosa síndrome do isolamento ideológico, que eu já havia apontado em Renan Calheiros e Sarney. A esquerda não gosta de Cabral porque ele não é de esquerda. A direita não gosta de Cabral porque ele é um dos maiores aliados de Dilma (assim como foi de Lula). A classe média tradicional do Rio só gosta dele quando o Globo permite; na primeira matéria anti-Cabral publicada no pasquim kamelista, passa a odiá-lo. O governador habita um limbo no que tange à militância. Ninguém tem coragem de defendê-lo, então a mídia deita e rola sem contestação, pautando CPI, MP e mini-passeatas em Copacabana.
Listo alguns pontos positivos de Cabral (na tentativa de “des-satanizá-lo”), em seguir faço as necessárias críticas à sua administração.
Cabral pode não ser um homem de esquerda (pelo menos não é do tipo que usa brochinho com símbolo da União Soviética, como fez César Maia, ao deixar a prefeitura; nem fica se vangloriando de estar muito mais à esquerda que Lula, como Roberto Freire), mas certamente é um político progressista em questões como casamento gay, drogas, aborto e liberdade de expressão. Diferentemente de Serra (para dar um exemplo de governador e político), não persegue jornalistas. Diferentemente de qualquer outro governador, apóia abertamente o casamento gay, a legalização das drogas e o aborto. Sobre o aborto, a opinião de Cabral de vez em quando ameniza em época eleitoral, mas volta a ser bastante franca depois, tanto é que setores da igreja já cansaram de chamá-lo de “traidor”.
O governador fluminense foi o autor da proposta de Emenda Constitucional 70, que altera o artigo 226 da Constituição Federal para inserir o ‘casamento’ homossexual na Carta. A aprovação do casamento gay no STF, ano passado, nasceu portanto de uma iniciativa dele, e ele comemorou a mudança mais do que qualquer outro governador. Também é o único governador que eu conheço que vem defendendo, em público, a legalização da maconha. Essas posições o transformaram, naturalmente, em objeto de ódio de segmentos conservadores, da igreja e da mídia. Reinaldo Azevedo, blogueiro da Veja, ataca-o frequentemente por causa dessas posições progressistas (no post linkado, Azevedo fala até em “pacto com o capeta”). Imagino que, para Olavo de Carvalho, guro da extrema-direita, Sérgio Cabral deve ser uma espécie de Satã boêmio.
Eu acho que essas posições de um governador, num estado cuja capital é possivelmente a cidade brasileira com maior projeção internacional, geram um excelente reflexo para o país junto aos setores mais esclarecidos lá fora. São posições corajosas, que nem jornalistas, apesar de toda a sua empáfia quando falam sobre “liberdade de expressão”, tem coragem de assumir.
Além disso, Cabral demonstrou a importância de estabelecer parcerias em alto nível com Brasília. Bilhões foram investidos nas favelas do Rio, gerando empregos, ascensão social e melhor qualidade de vida. Na questão da segurança pública, o governador praticou uma política de sucesso (embora sujeita a críticas – algumas válidas – da ultra-esquerda) respeitada no mundo inteiro.
A parceria com Lula ajudou a cimentar uma aliança menos fisiológica entre PT e PMDB e a derrotar a direita em 2010. Essas posições progressistas, mais o apoio às políticas sociais do Planalto, cimentaram a forte amizade política que ligou Lula a Cabral, e agora liga Cabral à Dilma.
Essas são os aspectos positivos de sua pessoa, mas seria temerário dizer que Cabral faz um bom governo considerando o desastre absoluto que é a sua política para educação. Os professores do estado recebem um dos piores salários do país. Na Saúde, houve alguns avanços com a instalação das UPAs, mas no geral ainda é de uma precariedade estarrecedora e totalmente incompatível com o momento de crescimento econômico do Rio. Tampouco ele, nem o prefeito, tem uma política mais criativa e enfática para o problema terrível da população de rua, incluindo aí crianças, na capital e arredores. A questão do lixo urbano está virando um problema de proporções catastróficas no Rio. Pode-se dizer que Cabral é um governador com posições políticas progressistas; seu governo, porém, age de maneira retrógrada nas áreas mais essenciais para o cidadão.
Entretanto, esses problemas da administração cabralina não têm nada a ver com a CPI do Cachoeira. Se a Delta tem contratos com o estado do Rio, ela tem ainda maiores com São Paulo, estado e capital. Se há corrupção no Rio de Janeiro, há também em São Paulo. Mais importante: isso foge ao foco da CPI, e fugir do foco é algo que apenas serve a Cachoeira, Demóstenes Torres e Marconi Perillo, os cabeças da hidra.
Na CPI do Cachoeira, o foco entre os governadores deve ser Marconi Perillo, que aparece em gravações falando diretamente com o chefe da quadrilha, Carlinhos Cachoeira, há entregas de pacotes de dinheiro vivo sendo entregues no Palácio das Esmeraldas, e a sua administração está de cima abaixo envolvido no esquema.