(William Turner, The Fighting-Temeraire Tugged to Her Last Berth to be Broken).
Hoje é um bom dia para tirar a velha camisa do che da gaveta, comprar um charuto cubano e cantarolar Bella Ciao. A América do Sul espreguiçou-se com mais liberdade, neste primeiro de maio, exibindo músculos salientes e olhos ferozes. Depois de Cristina nacionalizar a petroleira YPF, privatizada na gestão neo-liberal (quase escrevi neo-criminal) de Carlos Menem, agora é a vez de Evo Morales nacionalizar a principal companhia de energia elétrica do país. Na Venezuela, Chávez anunciou uma nova legislação trabalhista, mais próxima dos padrões da social-democracia. E no Brasil, a presidenta Dilma fez dois movimentos simultâneos profundamente simbólicos em direção à esquerda:
- Nomeou Brizola Neto, um jovem de ideias fortes sobre soberania e trabalhismo, um legítimo herdeiro intelectual de seu avô, o inesquecível Brizola, para o Ministério do Trabalho. Neto não é apenas um idealista. Tem sido um dos combatentes mais aguerridos e inteligentes na sangrenta guerra ideológica na qual os grandes meios de comunicação se alinham, sistematicamente, ao conservadorismo, contra a blogosfera de esquerda, da qual Neto faz parte com seu blog Tijolaço,
- Usou seu pronunciamento em cadeia nacional via TV e rádio, em homenagem ao Dia do Trabalho, para fazer uma dura crítica às instituições financeiras privadas, que vem drenando recursos do país para seus próprios bolsos, através da cobrança de juros e taxas extorsivas, com isso tornando-se entraves ao desenvolvimento.
A mídia brasileira, naturalmente, contra-atacou, mas agora vemos para que serve um bom capital político e a famigerada correlação de forças. As críticas à Dilma na mídia parecem tiros de balas de festim.
As capas da Folha e Estadão refletem a irritação das elites financeiras.
Na verdade, Dilma fez uma crítica justa aos bancos, de um jeito que só uma presidente trabalhista poderia fazer. A mídia nunca poderia fazê-lo, porque os bancos são seus grandes anunciantes. Um presidente não-trabalhista também nunca o faria, porque seria duplamente dependente dos bancos: através da contribuição financeira à sua campanhas, e através da mídia favorável, que por sua vez é bancada pelos mesmos.
Por outro lado, a presidente já construiu, em torno de si, um simbolismo bastante claro de que não é nenhuma voluntarista alucinada, que vai intervir na economia qual um Mao-Tse-Tung de saias, extemporâneo. Dilma quer um capitalismo moderno, humano, com instituições financeiras cobrando taxas em linha com as praticados lá fora. Não é nenhum delírio revolucionário oferecer às empresas e indivíduos brasileiros taxas de juros um pouco mais próximas do padrão internacional. Uma social-democracia ao estilo primeiro-mundo, um sonho que milhões de europeus, americanos e japoneses puderam experimentar por muitas décadas, e lhes permitiu alcançar níveis invejáveis de desenvolvimento político, cultural, econômico e social. Se eles puderam, nós também poderemos, ainda mais porque temos a fortuna de sermos uma das nações mais ricas do planeta em recursos naturais, terras e clima.
Ainda nos jornais de hoje, descobri uma nota que mostra uma presidenta cuja maior preocupação, além do desenvolvimento econômico, ainda é a superação da nossa mazela principal: a miséria.
(Fonte: Coluna da Sonia Racy, Estadão)
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Dentre os colunistas, vale a pena comentar rapidamente as manifestações de Cantanhede e Dora Kramer. A primeira fez um ataque bem vulgar a Brizola Neto.
A pinimba de Cantanhede, naturalmente, é com o blog Tijolaço, uma iniciativa ousada do pedetista, num ambiente partidário em que ainda predomina uma grande covardia na relação com a mídia. Vejamos o que ela diz:
(…) o blog “Tijolaço”, em que se ocupa de xingar todos os críticos do governo, sobretudo do antigo governo, e alimentar a ira contra a imprensa.
Essa é de matar de rir. Cantanhede distorceu completamente o trabalho sofisticado que Brizola Neto e Fernando Brito fazem em seu blog, trazendo dados, argumentos, e ideias ao debate político. As contradições do cérebro midiático são incríveis: numa hora falam em decadência dos partidos, porque não teriam mais ideologia; noutra criticam os políticos que… tem ideologias. Quanto à alimentar a ira contra a imprensa, eu acho que a colunista fez um elogio ao Tijolaço o qual, embora justo, é um pouco exagerado. A ira contra os desmandos da imprensa nunca precisou do Tijolaço para subsistir, tanto é que existia antes e existirá depois da existência do blog.
Dora Kramer, em sua coluna de hoje, mostra-se perplexa com Demóstenes Torres. Pelo jeito, só agora caiu a ficha na sua cachola: o senador não era um coitadinho bipolar, bonzinho de dia e malvado à noite. Ele trabalhava 24 por dia para Cachoeira, praticando freneticamente tráfico de influência junto a juízes, ministros, governadores, prefeitos, para beneficiar um esquema criminoso. Kramer pergunta-se como este personagem, que (agora sabe-se) operava com enorme desenvoltura, pode passar despercebido da opinião pública e de seus pares? Ora, pois pois, como diria o Seu Manuel, a resposta é fácil. A imprensa o protegia. A revista Veja, por exemplo, sabia que Demóstenes era mancomunado com Cachoeira, e inclusive ajudou a dupla a fazer chantagens contra seus adversários, via reportagens e denúncias amparadas em escutas ilegais.
A blindagem que a mídia vem fazendo da atuação da Veja no esquema Cachoeira configura-se, ela também, uma agressão à ética do jornalismo.
Bem, isso não é novidade.
Feliz Dia do Trabalho para todos! Deixo-os com esse vídeo da linda italiana Milva cantando Bella Ciao.