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Enxurrada de escândalos

Escândalos de corrupção não são novos, mas nunca tivemos um dessa magnitude e nessas circunstâncias, envolvendo jornalistas, parlamentares, governadores, empresários, funcionários públicos.

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Ilustração capa: Farnese de Andrade, artista brasileiro.

É uma situação inédita. Escândalos de corrupção não são novos, mas nunca tivemos um dessa magnitude e nessas circunstâncias, envolvendo jornalistas, parlamentares, governadores, empresários, funcionários públicos. Nunca tivemos um inquérito inteiro à disposição de toda sociedade aberta, num ambiente político altamente eletrificado pela presença de redes sociais e blogosfera hiperativas e hipertreinadas em função de seu embate diário com as maquinações da grande mídia.

Vamos tentar organizar as coisas. O que eu encontrei de mais grave nos jornais, blogs e sites nesta segunda-feira foram os seguintes escândalos:

  1. Gravações da operação Monte Carlo revelam que o vice-governador do DF,  Tadeu Filipelli, do PMDB, armava para derrubar o seu titular, Agnelo Queiroz.  Essa é uma denúncia muito grave porque explica em parte o chega pra lá que a presidenta andou dando no PMDB.  Há outras gravações que revelam Agnelo como alvo constante de armações das mais sinistras máfias de Goiás e DF, entre elas a de Cachoeira, que não parava de achacar assessores e funcionários do governo, tentando obter facilidades. As gravações mostram que Filipelli dispendeu uma fortuna com jornalistas, entre os quais Mino Pedrosa (ex-assessor de Cachoeira), para montar escândalos midiáticos que enfraqueceriam o governador. E conseguiu. Agnelo Queiroz é hoje um governador bastante enfraquecido politicamente. Eu mesmo andei dando umas bordoadas no Agnelo. Essas novidades, porém, ajudam o governador a se mostrar como vítima, e com razão. Não estou dizendo que Agnelo é santo. Não ponho a mão no fogo por ele, nem por ninguém. Mas ele agora tem provas oficiais para mostrar que havia um complô (sim, complôs nem sempre são paranóias) contra si e contra seu governo, liderado pelo seu próprio vice e por Cachoeira, um dos mafiosos (como se sabe agora) mais poderosos – e perigosos – do país.
  2. As gravações da Monte Carlo, agora disponíveis na íntegra, ao mesmo tempo em que mostram o esquema Cachoeira tentando, sem muito sucesso, infiltrar-se no governo Agnelo, arrastam o governo de Marconi Perillo para o centro do furacão.  É pagamento de não sei quantos milhões em dinheiro vivo a ser entregue no Palácio do governador. É Cachoeira mandando e desmandando no governo Perillo. É Cachoeira dando presente para a chefe de gabinete de Perillo. É Cachoeira e asseclas mencionando reuniões com Perillo para facilitar suas tramóias.  É Perillo bajulando Cachoeira. É muita prova, muita intimidade, muita coisa. Tudo com esse Cachoeira é hiperbólico, amazônico, exagerado.
  3. Outra grave denúncia envolvendo Perillo e Cachoeira é o pagamento de um “mensalão” a Claudio Humberto, um notório vendilhão do jornalismo político.
  4. A Veja participou, juntamente com Cachoeira e Demóstenes, do planejamento da espionagem ilegal dos encontros de José Dirceu com seus colegas de partido, num hotel de Brasília.
  5. Diante das evidências de que a Revista Veja foi cúmplice, durante anos, de um esquema mafioso, emerge na blogosfera uma indignação muito grande contra o fato da publicação ter recebido dezenas de milhões de reais, sem licitação, do governo paulista.  Uns falam em 52 milhões, outros em 34 milhões. Terceiros lembram ainda que o governo de SP já deu mais de R$ 250 milhões a grupos de mídia, nos últimos anos, sempre num esquema sem licitação. As maiores doações para a midiazona (ou seja, Veja, Folha, Estadão) aconteceram sob a gestão Serra. E o tucano contratou um jornalista da Veja para cuidar da sua campanha.
  6. De tudo isso, torna-se cada vez mais claro que o grande escândalo de corrupção, o pior de todos, porque envolve a sistemática manipulação da opinião pública em prol de bandidos e políticos mancomunados, está sendo destrinchado agora. A CPI do Cachoeira desmascarou não apenas um falso Catão do Senado, mas revelou também os bastidores sujos de uma imprensa totalmente descompromissada com a ética, pois aliou-se a bandidos para derrubar um governo democrático, visando promover os interesses do bandido e de si mesma, já que ambos estavam ligados politicamente, via PSDB e DEM.
  7. O blogueiro Eduardo Guimarães lembrou-nos de uma coisa importante. Os colunistas da grande imprensa vivem acusando alguns blogs de receberem dinheiro público, via banners de estatais ou governos. Ora, esses banners são um patrocínio transparente, e correspondem a alguns caraminguás, enquanto os milhões transferidos de governos tucanos à Veja, e outros órgãos de mídia, são contratos obscuros.  Sem contar que a publicidade pública ainda é tremendamente concentrada nos mesmos grandes órgãos de mídia, o que colabora para a concentração da mídia. Esperemos que as revelações bombásticas da operação Monte Carlo, que mostra a revista Veja agindo em conluio com bandidos, visando desestabilizar a república e agredir a democracia, resultem, ao menos, na declaração de inidoneidade da revista, impedindo-a de continuar recebendo recursos públicos.
  8. A liberdade de expressão no Brasil é incomensurável e há quase um consenso entre os principais agentes políticos de que esta liberdade representa a essência mais bonita e importante da nossa democracia. A Veja, portanto, pode continuar publicando o que lhe convier. Os prejudicados sempre poderão acessar a Justiça e requerer seus direitos. Talvez um dia tenhamos um órgão que defenda a sociedade contra os desmandos dos grandes grupos de mídia, como há na Inglaterra e quase todos os países desenvolvidos. Enquanto isso não chega, o mínimo que se espera é que o Estado não mais financie, com nosso dinheiro, publicações mancomunadas com o que há de mais sinistro na política nacional.

*

Brizola Neto foi nomeado, finalmente, Ministro do Trabalho. Estou aliviado, porque há algumas semanas, fiz uma longa análise sobre o significado político desta escolha, que iria para o ralo caso ela não se concretizasse.

*

O Estadão descobriu (e lamenta-se por isso) que a política externa de Dilma segue a mesma orientação da gestão anterior. Eu nunca duvidei disso, porque não havia nenhum fato concreto que indicasse o contrário. A mídia produziu um montão de factóides baratos sobre “rupturas”, e jogou pesado para confundir a opinião pública, tentando sempre criar um conflito entre Lula e Dilma, e entre lulistas e dilmistas. Como Dilma ainda não tido tempo de criar uma militância tão numerosa como a de Lula, a estratégia de jogar Dilma contra Lula serviu para desgastar a presidente junto à militância incauta.

Por exemplo, numa de suas viagens aos EUA, os repórteres perguntaram se Dilma aprovava a decisão do Irã de “apedrejar” mulheres. Ora, Dilma respondeu que não, obviamente. A mídia nacional e mesmo internacional logo transformou uma resposta óbvia na maior (e única) prova de que a presidente iria romper a política externa brasileira em relação ao Irã. Mais tarde, quando houve uma votação na Comissão dos Direitos Humanos sobre enviar um relator ao Irã, o Brasil votou a favor. Mais uma vez, produziu-se o factóide de que houve uma ruptura. Não houve. O Brasil sempre foi a favor de que pressões contra o Irã se dessem na Comissão de Direitos Humanos da ONU. Aí sim haveria espaço para pressionar o Irã com legitimidade, porque o país, efetivamente, tem casos terríveis de violação de direitos humanos. Quando houve uma votação na Assembléia Geral, todavia, o Brasil  coerentemente posicionou-se fortemente contra sanções econômicas ou políticas ao Irã.

A Folha chegou a cometer o desplante de tratar uma declaração informal de um funcionário de segundo escalão do governo iraniano, e ainda por cima um sujeito que está com um pé na cadeia, por ter ofendido o aiatolá, como “posição oficial do governo iraniano” e tentar criar uma crise diplomática. Desde então, o governo iraniano tem feito declarações formais, enfáticas, elogiando a presidente Dilma Rousseff. Não que elogios do Irã tenham grande valia, mas servem como prova de que não houve nenhuma ruptura. O Brasil ainda é respeitado como um país que mantém uma política externa altiva e independente, sendo respeitado igualmente por Irã, União Européia, China e EUA.

*

Saiu a íntegra da pesquisa Datafolha. O Cafezinho selecionou alguns gráficos e faz uma análise.

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Um dos dados mais interessantes é a evolução da popularidade de Dilma entre os mais ricos. Repare: entre as famílias com renda superior a 10 salários, o percentual dos que acham o governo Dilma Ótimo/Bom saltou 17% nos últimos meses, atingindo 70%. Entre estes, apenas 2% consideraram Dilma ruim ou péssima. Nota-se aí um verdadeiro entusiasmo com o trabalho da presidenta.

Outro dado interessante é a comparação com Lula. Como esse número já foi badalado na imprensa, chamamos a atenção para um outro ângulo, o percentual dos que acham a gestão da presidenta ruim ou péssima. No mesmo período da primeira gestão de Lula, 17% achavam o governo ruim/péssimo; no mesmo período da segunda gestão, 11% achavam ruim; já no governo Dilma, esse percentual cai para insignificantes 5%. Com FHC, é até covardia, sem comentários.

Outro gráfico que vale a pena observar:

 

Repare que Dilma é mais popular no Sul (região tradicionalmente crítica) do que no Sudeste, e a região onde é mais popular não é o Nordeste, mas no Norte/Centro Oeste.

A opinião sobre o desempenho pessoal da presidente mostra o mesmo padrão:

É algo inusitado o consenso geral: nenhuma classe social acha ruim ou péssimo o desempenho pessoal da presidenta. Entre os que ganham mais de 10 salários, 78% acham que o desempenho da presidente é ótimo ou bom.

Dilma conseguiu, pelo visto, concretizar um de seus mais caros objetivos: conquistou o coração da classe média brasileira. Lula já tinha conseguido isso, mas a presidenta levou essa conquista a um patamar superior, talvez ajudada pelo fato dela mesma ser uma pessoa com perfil de classe média alta.

Outro gráfico que traz dados bastante positivos para Dilma:

Não seria justo, todavia, dizer que os pobres apóiam menos Dilma. Neste momento, eles se mostram mais críticos do que os ricos, e imagino que por razões óbvias, visto que eles são os que mais sofrem com a má qualidade dos serviços públicos. Mas se houvesse outra eleição, a grande força de Dilma continuaria sendo os mais pobres, que já constataram, pelo visto, quem representa melhor seus interesses.

Conclusão: a presidenta Dilma emerge extremamente fortalecida após um ano e três meses de mandato. E avançou justamente sobre áreas onde a oposição tinha mais esperança de crescer: a classe média, que hoje é uma força muito maior, eleitoralmente, do que há cinco ou dez anos. E deverá ser ainda mais forte em 2014. A classe média é extremamente ativa em redes sociais, e por isso mesmo, constitui-se na vanguarda daquilo que antigamente se chamava de “opinião pública”, querendo referir-se aos leitores de jornal.
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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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Vera Silva

07/05/2012 - 10h05

Muito boa a sua síntese dos escândalos que apareceram ligados à prisão do Cachoeira.
Você não deixou nada para trás e lembrou-se da tentativa do filipeli de “impichar” o Agnelo e que não tem sido associada ao esquema Cachoeira.
Também fez a correta ligação do favorecimento descarado da Veja pelos governos PSDB/DEM em contratos sem licitação. Aqui no DF também acontecia coisa parecida.
É muito bom que a Record tenha aberto a caixa preta dos voos da corrupção sob o céu brasileiro para que a população fique sabendo do que realmente acontece e a “grande imprensa, inclusive a TV” não informa.

Márccio Campos

02/05/2012 - 12h32

BRAVO!! BRAVO!!!

tá vendo como é possível?… difícil é ligar os pontos…

mas você falou em laços internacionais (caso Irã), mas e as máfias? o Brasil produz máquinas caça-níqueis? produz armas? produz drogas?… Zeitgeist…!!!

dica: creio que você vai conseguir mais energia ouvindo Cazuza:

"Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
E assim nos tornamos brasileiros
Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro
Transformam o país inteiro num puteiro (quem?)
Pois assim se ganha mais dinheiro

A tua piscina tá cheia de ratos
Tuas ideias não correspondem aos fatos
O tempo não para

Eu vejo o futuro repetir o passado (era fhc = farol de Alexandria)
Eu vejo um museu de grandes novidades
O tempo não para
Não para, não, não, não, não para"

meu caro, bom trabalho! pois não lhe falta mais nada!!!

sds,
Márccio Campos
rio de janeiro

alex

01/05/2012 - 13h57

Miguel e Blognautas do Cafezinho:

Blog Roteiro de Cinema reúne tudo o que há de relevante sobre a relação entre a mídia e o bicheiro. Simplesmente, demais!

O BLOG Roteiro de Cinema, pilotado por Fernando Marés de Souza, agregou todos os documentos relevantes do inquérito da Operação Monte Carlo, que dizem respeito à relação entre a quadrilha de Carlos Cachoeira e os meios de comunicação.

Pessoal: tá uma delícia de ler. Tem até ilustração ..rsrsrsr
http://roteironews.blogspot.com.br/2012/05/da-uti

Elson

01/05/2012 - 13h24

Sabe que eu fiquei pensando uma coisa , a mídia sempre blindou o PSdB e seus aliados . Agora vem FHC em artigo na folha dizer que a corrupção é endêmica , porém se pensarmos bem e rever aqueles tristes tempos ( Em que FHC et quadrilha comandaram o País ) , veremos que a corrupção sempre esteve aí . Oque acontece , é que agora ela está sendo combatida e a mídia escandaliza , tentando fazer parecer que corrupção é invenção de petistas .

Elson

01/05/2012 - 09h43

A rede Record decidiu por o dedo na ferida e veiculou matéria em seu principal telejornal onde faz menção a revista Veja e seu redator -chefe o "PJ" no escândalo Cachoeira . O pessoal da Record e principalmente seu dono Edir Macedo tem contas a acertar com o PIG que nunca os engoliu e sempre que pôde bateu forte .
Pelo menos alguém vai furar a operação abafa em andamento no PIG para proteger os criminosos de penas adestradas .

Elson

01/05/2012 - 09h18

Só falta o cachoeira mandar um recado a seus amigos que estão soltos ."Não se abandona um companheiro ferido na estrada" .
Vai ter muita gente querendo ouvir o capo de Goiás e muito mais gente interessada em seu silencio , a grande mídia que sempre solta fogos quando uma CPI é aberta contra o governo ou PT já deu uma mostra de que lado está deste jogo , e , é possível assegurar que não será do lado factual da verdade .
O Bom (?) dia Brasil de hoje mostrou imagens da PF em que membros da quadrilha do Cachoeira entravam em depósitos da Policia Civil goiana e trocavam maquinas caça-niqueis .
Más falar da tentativa de golpe contra Agnelo Queiroz via veja ninguém quis , se a blogosfera não informar , ninguém que assiste tv ou lê jornais e revistas ficará sabendo .
Depois do bolinhagate , não se pode duvidar de mais nada em matéria de jornalismo tendencioso , Rupert Murdoch é santo perto dessa camarilha que quer governar o País sem ter tido um único voto sequer .

Luiz M. de Barros

30/04/2012 - 21h27

Parabens Miguel. Otimo Cafezinho virtual

Tereza Werner

30/04/2012 - 20h11

Quanta lama? O nome do cara deveria ser mesmo Carlinhos Enxurrada, e não Cachoeira, que geralmente é associado a águas límpidas.

Fernando Rojas

30/04/2012 - 20h10

Muito bem, Miguel. Sua análise nos ajuda a entender essa barafunda de escândalos.


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