Dias cabeludos e outros desmatamentos

(Ilustração capa: pintura de Leonilson, em exposição na Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre.)

Mário Quintana dizia que a mentira é uma verdade que esqueceu de acontecer. Poderíamos atualizar o verso do poeta para: “que esqueceu de ser publicada”. E por falar em mentira, o título da coluna do Nelson Motta é bem sugestivo. “Minto, logo existo”. Isso mesmo, Nelson. Dessa vez, você acertou na mosca.

Os jornais de hoje vem repletos de novos escândalos cabeludos. Os principais envolvem os governadores do DF e de Goiás:

Descansemos, porém, um pouco de CPI, e vamos dar uma olhada no seguinte gráfico:

 

É por isso que sou otimista. Ver a mortalidade infantil cair de mais de 80 crianças mortas a cada grupo de 1000 nos anos 80 para 15,6 em 2010, é uma prova incontestável do desenvolvimento do país e da melhora da qualidade de vida da população. Quero crer ainda que os terríveis vícios e defeitos da sociedade brasileira tinham a ver com esse quadro trágico, que não facilitava muito a proposição de valores e virtudes.

*

Outro assunto que ganhou destaque na mídia hoje foi a decisão da presidenta Dilma de vetar os artigos do novo Código Florestal, aprovado esta semana no Congresso Nacional, considerados mais “agressivos” em relação ao meio ambiente. E o melhor, segundo cálculos do Ministério do Meio Ambiente (ver nota publicada no Panorama do Globo, abaixo), os ruralistas não tem votos para derrubar o veto.

Eu já andei escrevendo sobre o Código Florestal, e sou a favor, mas não esse aprovado pelo Congresso, e sim aquele outro do Senado, mais rigoroso em relação ao meio ambiente.  Acho também que o termo “ruralistas” deve ser usado sem preconceito, porque representa uma das classes mais importantes para a economia brasileira. Eles são retrógrados ideologicamente, na sua maioria, mas o seu dinheiro sustenta o Brasil, paga o Bolsa Família  e a educação pública dos brasileiros. Devemos respeitá-los. É engraçado ver a turma da esquerda defendendo os industriais da Fiesp, que tem uma vida muito mais mansa, e querendo sempre morder os fazendeiros, que ganham muito menos dinheiro, trabalham muito mais, respondem por uma atividade terrivelmente arriscada e geram duzentas vezes mais empregos do que as indústrias. Só uma fazenda de café, gera mais emprego do que umas vinte fábricas de autopeças juntas. Claro, o setor de autopeças tem importância estratégica para o desenvolvimento de um eixo industrial. Eu sei, naturalmente, da importância da indústria, mas também entendo que jamais devemos menosprezar a agricultura brasileira, composta em sua grande maioria por pequenos e médios proprietários.  E os grandes proprietários, desde que ajam conforme as leis (ambientais e sociais), paguem seus impostos e usem adequadamente terra que possuem, são tão importantes para a economia nacional como as indústrias, que são paparicadas pelas centrais sindicais.

A economia de um país é um complexo interdependente, e o agronegócio brasileiro articula-se organicamente com a indústria. O Brasil é um dos maiores produtores mundiais de tratores e máquinas agrícolas em geral, por exemplo.

De qualquer forma, acho que devemos igualmente respeitar o trabalho dos ambientalistas, mesmo que os achemos “chatos” ou “radicais”. Mesmo que haja interesses internacionais por trás de suas atitudes, há também uma boa dose daquela utopia ambiental autêntica, sincera e necessária, que é um contraponto às forças que, não fossem contidas por esta utopia (que é amparada, em boa parte, pela ciência), teriam hoje destruído bem mais do que já o fizeram.

Conciliar o agronegócio necessário para alimentar 7 bilhões de seres humanos cada vez mais vorazes (e com direito a sê-lo, como diria Fernando Pessoa, com todo direito a sê-lo!) e a harmonia entre o homem e o meio ambiente pode parecer uma utopia impossível, inatingível. Para isso, todavia, retornamos ao poeta gaúcho citado no início do post:

Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.