Demóstenes, o lacaio de um bandido

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Ilustração capa: Luis Felipe Noé, pintor argentino.

São cada vez mais estarrecedoras as informações que chegam das escutas da Polícia Federal sobre a atuação de Demóstenes Torres em favor de Cachoeira e seu esquema. Matéria com chamada de capa no Estadão desta terça-feira revela que o senador pediu a Aécio Neves que incorporasse uma prima do bicheiro ao governo de Minas Gerais, em cargo de chefia. O pedido foi atendido.

O mineiro alegou que, até então, não havia questionamentos éticos a Demóstenes Torres e que não sabia que o interessado era o contraventor. As ligações mostram Cachoeira manipulando Demóstenes qual um marionete. O senador lhe é totalmente submisso. Um verdadeiro escravo. Em relação à Aécio, até acredito que ele realmente não sabia quem era o verdadeiro Demóstenes. Entretanto, onde fica o discurso do mérito, da prioridade do fator técnico sobre o político? Quer dizer então que o senhor Aécio Neves demite e nomeia diretores de secretarias do governo de Minas com base em pedidos pessoais de seus amigos? Não pegou bem isso, não pegou bem mesmo. Na verdade, aqui temos um caso muito pior do que um simples aparelhamento político. Aliás, é até leviano atribuir a nomeação da prima de Cachoeira para um cargo de diretoria a um interesse político. Quando um governo demite um diretor competente e nomeia um apaniguado político, temos um caso melancólico de aparelhamento partidário do Estado, mas ao menos aquele apaniguado representa uma força política. Muitas vezes é um sindicalista que passou muitos anos lutando para que um determinado grupo chegasse ao poder. Ele representa, portanto, alguma coisa. Sua indicação para tal cargo talvez se revele, como é provável, nociva a qualidade do serviço público. Mas tem um sentido político. Agora, nomear fulaninha porque o senador simplesmente pediu, me parece bizarro. O que o senador alegou para solicitar isso? Pior, qual o interesse do senador em fazer tal pedido? Qual o de Aécio em acatá-lo?
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Outro grampo da PF, segundo matéria publicada na mesma página do Estadão de hoje, mostra Demóstenes trabalhando como uma espécie de “cobrador de luxo” de Carlinhos Cachoeira. O senador explica ao bicheiro que “cumpriu” suas ordens de pressionar o prefeito de Aparecida de Goiânia e ex-governador de Goiáis, Maguito Vilela, para que pagasse uma dívida.

Esse é o senador que, segundo vários colunistas, teve uma grande e exemplar atuação, e que seu envolvimento com Cachoeira derivava de um distúrbio de personalidade? Como dizem os ianques: I don’t think so.

Demóstenes é um bandido muito pior que Cachoeira. Tinha que estar na cadeia, ao lado de seu chefe.

*

Estou em Porto Alegre, a trabalho, instalado num hotel antigo do centro, próximo a cidade baixa. No saguão do hotel, enquanto esperava minha sócia acertar detalhes da estadia, li o Zero Hora, principal periódico do estado. Fiquei muito decepcionado com o provincianismo tacanho do jornal. O visual é terrivelmente confuso. Na mesma página, há notinhas, chamadas, títulos, em fontes e tamanhos diferentes, diagramados sem nenhuma ordem. A manchete, em letras garrafais, dizia que empresários gaúchos com investimentos na Argentina temiam que Cristina Kirchnner desapropriasse suas instalações, como fizeram com a YPF. Ora, é um terrorismo de quinta categoria, completamente estapafúrdio. Cristina nacionalizou a YPF porque esta sempre foi um empresa estatal, e abarca o setor mais estratégico da economia de qualquer país, a energia. Isso não quer dizer que Cristina vá nacionalizar fábricas de sapatos  que algum gaúcho intrépido tenha decidido construir por lá.

Fui ver a matéria. Ela cita a declaração de um empresário. Ora, nem culpo o homem. Ele é um negociante, exposto aos preconceitos ideológicos de sua classe. Não pensa no fato que, se está construindo uma fábrica na Argentina, é positivo que o governo argentino trabalhe para que seu país tenha soberania energética e se desenvolva melhor. O triste é o jornal transformar um receio bobo de um indivíduo, embora explicável, em manchete de primeira página!

As primeiras páginas do jornal são dedicadas somente a região, mas há mais notinhas esparsas, entremeadas de opinião e fofocas de colunistas, do que reportagens. Pouco se fala da política nacional, do Brasil, do mundo. Estamos ainda muito mal em termos de imprensa, em todo país.

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Na primeira página do Globo de hoje, temos a seguinte chamada:

A matéria fala da decisão da presidente, já abordada neste blog, de passar um pente fino nos contratos do governo federal com a construtora. Esta é uma marca bem pessoal de Dilma, um rigor ético sensível aos alaridos da imprensa. Com isso, ela usa o que seriam ataques a seu governo para seu próprio benefício político, como um gigante que se tornasse mais forte a medida que se lhe torpedeiam.

Neste sentido, são verossímeis as teorias (que contudo foram ventiladas de maneira dúbia e meio paranóica) de que Dilma se aproveitaria da mídia para defenestrar ministros incômodos. Acho leviano e injusto acusá-la de trabalhar em parceria com a imprensa opositora para puxar o tapete de seus aliados. Não tem lógica imaginá-la em conluio com seus próprios adversários. Mas tem todo o sentido ver a presidente utilizar a velha e insuperável técnica oriental de usar a força do inimigo contra ele mesmo.

Vale ressaltar, todavia, que o rigor ético de Dilma tem um custo alto, e o lado mais fraco também sofre com isso. Quando ela mandou a CGU e todos os órgãos do governo fazerem uma devassa em contratos com Ongs, por exemplo, ela criou uma situação de quase colapso no ritmo de pagamentos para essas entidades. Isso se reflete, naturalmente, nos ministérios, que passam então a ser odiados, na proporção inversa ao crescimento da popularidade presidencial. Existem milhares de Ongs ligadas a comunidades carentes, a trabalhos culturais em periferias pobres, que param de receber dinheiro porque a presidente impôs medidas éticas draconianas, após algum escândalo na imprensa.

O povo apoia entusiasticamente, no entanto, as decisões da mandatária número 1 porque entende que era o momento de tomar algumas decisões duras no campo da ética. Com isto, Dilma neutralizou os ataques lacerdistas de setores da oposição. Afinal, o problema da corrupção no Brasil não é uma invenção da mídia. No médio e longo prazo, os traumas causados pela dureza das medidas se transformam em calosidades protetoras, em força, em hábitos culturais refratários a corrupção.

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Lamentável a decisão editorial da Folha de transformar em manchete a chicaneria de Cachoeira. Dir-se-á que o bicheiro mexeu alguns pauzinhos.

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No Globo, a coluna Panorama Político abre com essas duas notas. Comento-as em seguida.

 

 

Eu acho que Brasil e Argentina ainda tem um longo caminho pela frente antes de realizarem uma união econômica efetiva. Mas também percebo que o governo argentino tem tomado muito cuidado para que esta união não se dê em prejuízo de si mesma. Há um bocado de tempo que o Brasil mantém um grande superávit comercial com a Argentina, com destaque para o setor de produtos industrializados. Ou seja, o Brasil estava contribuindo para a desindustrialização argentina. Isso não interessa ao Brasil, porque precisamos de uma Argentina com economia forte. Não queremos uma Grécia, que sofreu justamente porque suas indústrias foram sugadas pela Alemanha.

Agora, o problema dessas matérias na grande imprensa é que elas omitem, sistematicamente, que a Argentina é o principal destino das exportações brasileiras de manufaturados. Ou seja, passam o ano inteiro vocalizando a choradeira da Fiesp sobre a queda da participação dos manufaturados no total das exportações, e depois aparecem com matérias falando mal da política argentina de comércio exterior, mas jamais dão o devido destaque a importância estratégica da Argentina para o escoamento de nossa produção industrial. Temos problemas com alguns produtos, sim, mas esses problemas com a Argentina acontecem justamente em razão da magnitude de nossa relação comercial.

A afirmação de que a Argentina está “sugando indústrias e empregos do Brasil” é uma falácia. As indústrias brasileiras estão construindo fábricas na Argentina justamente porque se expandiram formidavelmente nos últimos anos vendendo para… Argentina. A Argentina criou empregos e indústrias no Brasil. É  absolutamente normal que o governo hermano queira que essas empresas instalem fábricas por lá também, para não se tornarem apenas compradores passivos de produtos brasileiros. Interessa ao Brasil que a Argentina, repito, se desenvolva industrialmente, para que seja um parceiro cada vez mais importante em nosso comércio exterior.

Fui lá no Alice e catei números atualizados. Observe bem a tabela abaixo:

Repare que a Argentina importa do Brasil, fundamentalmente, produtos industrializados. Observe que a exportação desses produtos cresceu nos últimos meses, ajudando a indústria brasileira a superar o momento difícil trazido pela desvalorização do dólar e a crise no primeiro mundo.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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