As garças não se sujam

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(O Cafezinho traz análises de segunda a sexta. Publico neste domingo, porque não teve análise na sexta).

Gaudêncio Torquato publicou um artigo no Estadão discorrendo sobre o fio da navalha pelo qual caminhará Ayres Brito, presidente do STF, para conduzir o julgamento do mensalão. Termina citando um poema do próprio Ayres, que fala na habilidade das garças de caminhar sobre águas pantanosas sem jamais comprometer a alvura de suas penas. Esta habilidade, diz o poema, é recomendada aos juízes. Poderíamos estender o conselho ao jornalistas, que experimentam situações éticas ainda mais difíceis.

É justamente este o tema de uma longa e inédita carta de princípios divulgada pela revista Veja em seu site, que é um esforço de relações públicas com seu público para se defender das acusações de ser cúmplice do esquema de Carlinhos Cachoeira e Demóstenes Torres. A revista, afinal, sabia quem era Carlinhos Cachoeira; ao invés de fazer uma reportagem revelando ao Brasil quem realmente era o bicheiro, preferiu usar grampos clandestinos fornecidos pelo esquema para construir escândalos que pautavam a agenda política nacional. Ou pior ainda, a revista pactuava com mentiras, como o tal “grampo sem áudio”, uma conversa entre Demóstenes Torres, então considerado um probo, um paladino da ética, e o Gilmar Mendes, presidente do STF.

Luis Nassif tem dado muito atenção a este episódio, que considera um dos casos mais emblemáticos em que a Veja, juntamente com toda a imprensa corporativa (que forma uma espécie de “cartel” político), jogou pesado contra as instituições de combate ao crime organizado, para benefício de um réu, Daniel Dantas, condenado a 10 anos de prisão pela Justiça Federal (decisão que ele conseguiu anular alguns meses depois).

Hoje pouca gente se lembra das circunstâncias. A mídia criou uma atmosfera pesadíssima de suspeição entre os poderes, produzindo uma verdadeira crise institucional entre o Supremo e o Executivo. Lula foi obrigado a demitir um dos funcionários mais brilhantes do governo, delegado Paulo Lacerda, que comandava a Abin. A medida foi considerada (é até hoje) uma das maiores covardias de Lula. Foi mesmo, mas Lula sabia pesar com muita perspicácia quando era o momento de recuar em prol da estabilidade política.

Esta CPI, ao analisar a fundo as ações do senador Demóstenes Torres, inclusive com a quebra de sigilos bancários, telefônicos e fiscais, poderá enfim esclarecer um dos episódios mais negros da história recente do jornalismo: teria a revista Veja e o senador Demóstenes inventado uma mentira de proporções bíblicas apenas para derrubar o diretor da Abin? Gilmar Mendes e Nelson Jobim teriam participado da operação?

Como não queremos ser injustos com ninguém, esperemos que os fatos tragam a verdade. Um dos personagens da trama, porém, o senador Demóstenes, perdeu toda a credibilidade, e este é um ponto relevante quando se pensa no episódio.

Por falar em Demóstenes, a imprensa hoje, com base em escutas da PF, traz a denúncia até agora mais pesada que eu já li sobre o senador. São conversas entre o senador e o prefeito de Anápolis, onde o primeiro faz um descarado tráfico de influência em nome da Delta. É o tipo de ação que supõe, certamente, o pagamento de propina pelo “serviço”. Cada dia que passa, torna-se mais claro que Demóstenes Torres era um tremendo bandido, e os colunistas que elogiaram seu trabalho (atribuindo sua corrupção à uma espécie de loucura bipolar, ou dupla personalidade) terão que escovar melhor os dentes, porque as investigações revelam um político cujo principal objetivo era ludibriar o Estado.

Daí chegamos na Delta. Uma coisa que tem me impressionado na Dilma Rousseff é a sua sensibilidade em relação à imagem do governo federal no tocante à corrupção. Quando seus críticos na imprensa e nos partidos pensam que irão emparedá-la com alguma denúncia, ela aplica um drible de vaca e usa a crítica em benefício próprio. Aconteceu agora: colunistas vinham escrevendo a semana inteira que a relação da Delta com o PAC (a empresa tem contratos de 2,5 bilhões com obras da União) causaria danos políticos ao governo federal. Gaspari publicou uma coluna bem ferina, chamando a Delta de Tia do PAC, em alusão à Mãe do PAC, ou seja, a própria Dilma.

Pois bem, quando todos imaginavam a presidente acuada, ou trabalhando para preservar a Delta, a presidente reuniu-se com a Controladoria Geral da União (CGU) e pediu uma devassa dos contratos entre a União e a construtora. Não quis nem saber se a ação causará atrasos em obras importantes. Ética em primeiro lugar. Esta é uma marca muito forte e muito pessoal de Dilma Rousseff.

Com isso, ela já tirou, de maneira até meio cruel, o único pirulito com o qual a oposição conservadora ainda dispunha para brincar de política: o discurso moralista. A direita ainda tem apoio na mídia, a qual agora faz de tudo para fazer os brasileiros se indignarem com o mensalão, um processo ocorrido há seis anos, que consumiu suficientemente o imaginário político nacional, e será devidamente julgado este ano. Mas a direita não tem mais apoio na sociedade, ainda mais agora, que viu como seu discurso moralista é falso, e mesmo criminoso. A mídia consegue de vez em quando pegar um petista de terceiro escalão com dólares na cueca, um outro recebendo um carro de presente de um empresário, ou praticando caixa 2 em campanha eleitoral, mas a direita ainda é campeã absoluta na produção de vídeos e áudios estarrecedores, que mostram seus nomes mais destacados (governadores e senadores) protagonizando felonias que fazem dólares na cueca parecerem um simples furto de chiclete do baleiro do colégio.

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O Brasil assistiu algumas passeatas neste final de semana contra a corrupção. Não se falou em Demóstenes, escândalo recente que está nas manchetes de todos os jornais e incendeia o Congresso. Os manifestantes só mencionaram o mensalão. Com isso, a meu ver, se desmoralizaram. Eu ainda tive a ingenuidade, tempos atrás, de acreditar que havia pessoas cuja indignação era genuína entre esses manifestantes. Na manifestação aqui do Rio, usaram um boneco com dólares na cueca, o que seria um dos símbolos do mensalão. Entretanto, não há nenhuma relação entre os dólares na cueca de um assessor de um deputado cearense e a acusação de que o governo subornava parlamentares. Era uma corrupção local, envolvendo uma obra local. É disso que falo quando me refiro ao mensalão como um processo político-midiático, para onde convergiram todos os ódios, preconceitos, acusações falsas e verdadeiras, paranóias e decepções, envolvendo o Partido dos Trabalhadores.

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A Folha divulgou hoje a última pesquisa do Datafolha, onde a presidenta aparece com popularidade recorde, 64%, bem acima inclusive de seu olímpico antecessor, no mesmo período. Confira os gráficos abaixos.

O instituto perguntou ainda qual seria o melhor candidato para 2014: 57% escolheram Lula, 32% Dilma. O diretor do Datafolha, Mauro Paulino, disse que a presidenta deve reduzir essa diferença nos próximos meses, conforme sua popularidade for se consolidando mais profundamente no imaginário da população. Entre as pessoas com maior escolaridade, ela já empata com Lula. Entre os com mais renda, ganha de Lula.

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O candidato socialista François Hollande está conseguindo passar para o primeiro turno à frente de Sarkozy, o que significa uma vitória política importante. Ao que parece, muitos eleitores de Mélenchon, esquerdista mais duro, deram voto útil para Hollande com medo de  que Sarkozy se beneficiasse de uma vitória relativa no primeiro turno. Para o segundo turno, as pesquisas apontam uma vitória folgada do socialismo.  Nas regiões mais desenvolvidas e industrializadas da França, a esquerda ganhou de lavada. Estou querendo saber como foi em Paris, que ainda não divulgou os resultados parciais.

As eleições francesas podem ser acompanhadas pelo Le Monde e Le Figaro, principais jornais do país.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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