Pela primeira vez, em muitos anos, podemos assistir ao instrutivo espetáculo de ver poderosos grupos de comunicação usando todas as suas armas para que uma CPI não seja instalada; se instalada, que não funcione; e se funcionar, que não chegue a lugar nenhum. É a velha cantilena lacerdista: Goulart não pode assumir, se assumir, não pode governar.
Por outro lado, receio que eu esteja perdendo o sangue frio. A guerra da comunicação acende as mais inflamadas paixões políticas, que podem atrapalhar uma análise objetiva.
O que me conforta é saber que as estribeiras foram perdidas primeiro, sobretudo, pela turma de lá, da Veja. A matéria de capa desta semana foi motivo de chacota de meio mundo das redes sociais.
Como formigas guiadas por feromônios, os redatores da revista passaram a inventar teses febrilmente, atribuindo-as ora aos petistas, ora à oposição, ora brandindo as suas próprias. Como diria o velho hippie, tudo se encaixa, cara!
O mensalão se tornou realmente a prova conclusiva de que os judeus, disfarçados de petistas, querem dominar o mundo. Começam pagando mesadas de 30 mil reais a deputados, depois a blogueiros, enfim todos os brasileiros estarão recebendo mesadas de 30 mil reais do governo, e todos se tornarão corruptos, excepto alguns gatos pingados do Leblon, cujas passeatas nas praias contra a corrupção serão hostilizadas pelas hordas de mensaleiros.
Em sua manchete de hoje,
o Globo tenta sua última cartada para melar a CPI: Dilma não quer. É mais uma forma de chantagem. Depois de insuflar ao máximo a macheza dos parlamentares, xingando-lhes porque seriam submissos ao Executivo, o Globo subitamente passa a louvar um suposto poder imperial da presidente de encerrar uma CPI com uma simples “reclamação”.
Ora, este Cafezinho tem repetido: CPI não é bom para o Executivo. Mas é hora do Legislativo, finalmente, mostrar independência e tomar uma atitude que melhore sua imagem perante a opinião pública.
Um recuo agora seria desastroso, ainda mais se fosse apenas porque a presidente mostrou “desconforto”. Informação esta que, não esqueçamos, é suspeitíssima, sem fonte, sem nada. Na Folha, também se tenta vender a tese:
Recuar revelaria um Congresso, além de submisso ao Executivo, covarde perante a mídia, e suspeito perante a Justiça. Levar adiante uma CPI como essa tem uma função política saneadora, porque ajudará a Polícia Federal a aprofundar suas investigações. O escândalo Cachoeira envolve políticos de alto calibre e grandes empresários, e somente uma CPI teria força para arrostar as terríveis pressões que já estão sendo feitas para abafar tudo.
A tese dos colunistas corporativos, de que a CPI serviria para melar o mensalão, apenas corrobora o seu sentimento de que o processo assenta-se sobre bases frágeis. Se há provas contundentes para condenar os mensaleiros, eles serão condenados. Os juízes do STF já estão com a faca no pescoço e dificilmente terão qualquer complacência para com os réus.
Tudo indica, porém, que as insinuações, sempre em off, de que a presidente estaria insatisfeita com a CPI, não são verídicas. Não se colheu de autoridade do Executivo nenhuma declaração minimamente assertiva de contrariedade à abertura de um inquérito parlamentar.
Ao contrário, o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), confessou (estranhando, porque governos sempre agem para barrar CPIs) que não recebeu nenhuma orientação do Planalto para interferir na instalação da CPI. Quem cala, consente.
A mesma cautela é adotada pelo atual líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM).
– Eu, Eduardo Braga, pessoalmente sempre acho que CPI, a gente sabe como começa, mas não sabe como termina – diz Braga, estranhando não ter tido nenhuma orientação do Planalto para interferir na instalação da CPI.
O que temos aqui, portanto, é a derradeira cartada do Globo. A mídia fez ameaças fortes nas últimas edições, e agora já constrói, de antemão, uma saída política para Dilma ordenar um recuo estratégico.
O engraçado é que, até a semana passada, a CPI era dada como um fato irreversível. Rapidamente, porém, a mídia entendeu que esta investigação poderá reverberar negativamente em sua própria imagem, em função das alianças e demais ligações entre o bicheiro goiano e jornalistas de grandes publicações.
Os tons de ameaça que se vêem nas manchetes, colunas e editoriais dos jornalões com certeza abalaram os parlamentares. O governo, por sua vez, pode realmente estar inquieto com a possibilidade de se desviar de sua frenética agenda de obras e reformas Brasil a fora para acompanhar os trabalhos de uma CPI do gênero. O esforço político pode consumir parte da energia que Dilma gostaria de focar nos grandes objetivos de seu governo: melhorar a educação, a saúde, a pesquisa científica, e qualificar os serviços públicos. Mas vale a pena, porque o combate à corrupção integra organicamente este esforço. E ela deverá durar apenas 2 meses. Não vai doer muito.
Entretanto, a CPI do Cachoeira é uma iniciativa que o Congresso deve tomar mesmo que em oposição à presidenta, para quem uma CPI barulhenta como essa, de fato, atrapalha sua intenção de promover um clima de estabilidade. Os ganhos políticos (com a CPI) seriam enormes, porque poderiam mudar definitivamente a relação de forças entre a classe política e a mídia conservadora, obrigando esta última a adotar uma postura mais responsável, mais isenta e mais… jornalística, promovendo assim um avanço republicano, com reflexos positivos sobre a estabilidade política no longo prazo.
O Planalto tem mantido um silêncio cúmplice (a favor da CPI). As notinhas de jornal mencionando insatisfação da presidenta, por isso mesmo, não colam muito. Dias atrás, falavam que a CPI tinha o aval e o apoio da presidenta. Agora dizem o contrário. É mentira. O núcleo político da presidente, incluindo aí o presidente Lula, apóia a CPI, então pronto. O processo já ganhou musculatura própria. O Congresso tem de agir com independência e coragem. A comissão deve ser instaurada e levada até as últimas consequências. Uma sociedade que deseja autolimpar-se e um governo que pretenda desinfetar o país de seus parasitas, devem apoiar uma investigação como essa com o entusiasmo que ela merece.