(Ilustração capa: Flávio Shiró, O dia e a noite.)
Uma análise da cobertura da mídia para a CPI do Cachoeira desta quinta-feira nos leva a concluir que, antes mesmo da comissão ter início, ela exigirá um grande esforço de cidadania. Os jornais estão jogando pesado nas táticas de diversionismo. O Globo de hoje lançou um ataque direto à CPI, ao acusá-la de servir para “abafar o mensalão”.
Ainda no Globo, Merval Pereira diz que um dos motivos para a criação da CPI foi “sede de vingança” de Lula, com isso desmerecendo todos os parlamentares que assinaram por sua convocação, inclusive muitos da oposição. São todos marionetes de Lula? O colunista vai ainda mais longe e faz uma espécie de lista dos danos que a CPI pode causar ao governo.
Na Folha, Eliane Cantanhede faz a mesma coisa. A preocupação aparece em toda parte, inclusive nas matérias. Um incauto poderia até pensar que a grande imprensa brasileira é grande aliada do PT e, por isso, encontra-se receiosa de que a CPI possa prejudicar seu partido preferido, com respingos no governo.
O que temos é uma tentativa meio desesperada de lançar uma cortina de fumaça sobre o episódio e confundir a opinião pública. A CPI do Cachoeira não tem poder de abafar o mensalão, e sim de esclarecer alguns de seus aspectos. Parte da mídia parece desejar que o mensalão seja julgado sumariamente, sem que a sociedade seja esclarecida sobre as lutas políticas, lícitas e, sobretudo, ilícitas, que ocorreram em seus bastidores. Entre as últimas, temos a atuação de Carlinhos Cachoeira, seus arapongas e os editores da Veja.
Tudo que trouxer mais dados à tôna não servirá para abafar nada e sim para dar substância às investigações e aos debates. Se os mensaleiros têm culpa no cartório, esta culpa será maximizada com a divulgação de mais fatos. Aparecerão outros implicados. A importância de uma CPI é, basicamente, o seu poder de quebrar sigilos fiscais, bancários e telefônicos, e convocar depoentes, produzindo uma investigação à luz do dia, com acompanhamento da sociedade. No caso da CPI do Cachoeira, há um trunfo que é preciso destacar. Ela tem como seu fundamento duas ou três grandes operações da Polícia Federal, que produziram enorme quantidade de material investigativo. Não é uma CPI sem foco e sem material de acusação. Ao contrário, os parlamentares terão à sua disposição relatórios completos escritos pelos setores mais preparados da Polícia Federal, cuja idoneidade nestas investigações é provada pela prisão de um significativo número de autoridades, incluindo gente da própria PF.
A vigilância cidadã, através da blogosfera e redes sociais, far-se-á necessária para denunciar os desvios de foco, o sensacionalismo e as acusações açodadas. A tensão dos jornalões parece tão exacerbada que dão a impressão que se a CPI descobrir que um faxineiro do Palácio do Planalto foi visto tomando uma cerveja com um office-boy de Carlinhos Cachoeira, a manchete no dia seguinte será:
CPI ATINGE PALÁCIO DO PLANALTO
Oposição deve entrar com pedido de impeachment
Então é preciso muita calma nessa hora, inclusive dos que defendem o governo. Possivelmente o esquema Carlinhos Cachoeira manteve contato com vários jornalistas, mas será injusto acusá-los apenas por estabeleceram contatos telefônicos. No caso da Veja, a acusação é o uso sistemático de informações obtidas via grampos ilegais, enviadas por um grupo mafioso, para subsidiar matérias tendenciosas, que visavam beneficiar o mesmo grupo. Não sei que tipo de crime é esse, mas é claramente uma opção ética lastimável. É o tal jornalismo fiteiro, denunciado por Dines, em sua acepção mais suja.
A Veja recebe milhões de reais de publicidade oficial, razão pela qual eu defendi que a presidenta tem a obrigação de dar entrevista a esta publicação, visando esclarecer os cidadãos que, por alguma desventura, topam com ela em salas de espera. Infelizmente, são muitos, pois é a revista com maior tiragem do país.
Entretanto, de posse de provas que a revista prevaricou, não aprovo que meu suado dinheirinho seja usado para patrocinar esse tipo de bandidagem. Somente uma investigação séria, porém, poderá comprovar até que ponto chegou essa parceria espúria. Não podemos também ser puristas demais, pois isso nos levaria a pretender o fechamento de quase toda a mídia brasileira. Mas não podemos igualmente ser excessivamente tolerantes, o que nos conduziria a aceitar que o governo anunciasse em revistas cuja fonte principal de informações fosse o Fernandinho Beira Mar.
Todos os editorais e colunistas políticos abordaram o assunto com um viés desconfiado e crítico. O Globo parece ameaçar o próprio governo, ao deixar bem claro, logo no título, que “todos correm risco com a CPI de Cachoeira”. Nunca se viu o Globo tão preocupado com o bom nome do governo federal! A Folha vai na mesma linha, e também ameaça, ao dizer que “nunca se sabe como as CPIs terminam”. Esta frase, aliás, aparece dezenas de vezes, repetida em várias matérias, em todos os jornais e colunas.
Dora Kramer, outrora sempre tão entusiasta com CPIs, desta vez revela uma prudência inaudita:
Mas há, pelo menos, uma pitada cômica no meio de tanto nervosimo e ameaças veladas.
O Estadão de hoje deu um certo destaque à preocupação “ética” do esquema Cachoeira com o governo do Distrito Federal.
Os aliados de Cachoeira demonstram insatisfação não só com a questão “ética”, mas com a insistência do secretário Paulo de Tadeu (Governo) em barrar algumas nomeações e o excesso de servidores lhes dando ordens (…)
Recentemente, outro grampo revelou que o próprio Cachoeira também tinha um lado de paladino da ética:
Cachoeira – Limpando esse Brasil, rapaz, fazendo um bem do caralho por Brasil, essa corrupção aí. Quantos já foram, rapaz!? E tudo via Policarpo [repórter da Veja].
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E já que falamos de comédia, falemos agora de alegria. Miriam Leitão, em sua coluna de hoje, parece ter acordado feliz após um longo período de trevas:
Vejam como ela encerra sua coluna:
De qualquer maneira, até o momento, o Banco Central está vencendo a batalha, oferecendo o melhor dos mundos: derrubando os juros e a inflação ao mesmo tempo.
Ainda no Globo, o caderno econômico publica uma matéria que poderia constar, tranquilamente, no Brasil de Fato. Acho que cabeças rolarão esta semana… O título é: “Bancos que pedem menos imposto no crédito têm lucros recordes”. O contexto da matéria é o pedido (risível) dos bancos ao governo de reduzir os impostos do setor bancário (que já são muito baixos) como condição para reduzir o spread. Ora, assim é fácil! Eles querem reduzir o spread com nosso dinheiro!
A matéria de hoje, porém, é um balde de água fria na estratégia dos bancos, que aliás não ia colar mesmo, a menos que o Guido Mantegua fosse um trouxa. E ainda vem com um infográfico (este poderia constar no Portal Vermelho) de forte teor revolucionário:
LUCRO POR SETOR EM 2011
Observem bem: os bancos registraram lucro de R$ 49,5 bilhões em 2011, enquanto a agropecuária teve lucro de somente R$ 136 milhões. E ainda tem gente que considera o agronegócio como o grande inimigo… Vale notar ainda o lucro exorbitante do setor de energia elétrica: R$ 17,5 bilhões. Este blog prometeu pesquisar melhor o setor de energia elétrica, fazendo comparações internacionais, evolução nos últimos anos, etc. Parte do problema das indústrias está nas taxas altas de energia, que devem ser reduzidas não apenas com queda de imposto, mas através de uma regulamentação mais rígida que impeça as empresas do setor de obterem lucros tão obscenos.
Sobre os bancos, uma última observação. Um comentarista do blog lembrou que os bancos públicos, apesar da redução dos spreads e juros, ainda cobram taxas administrativas mais altas (no seu caso foi assim, ao menos) do que outros bancos, o que inclusive o levou a desistir de fazer a migração de conta. Fica o lembrete.
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Ainda no mundinho platinado, há uma matéria denunciando a raridade das doações de milionários e bilionários brasileiros à universidades, diferentemente do que acontece nos EUA. A bola foi cantada no último artigo de Elio Gaspari, ao comentar a visita de Dilma à Harvad. Faltou lembrar, porém, que a principal causa disso é a falta de uma boa lei de herança no Brasil. Nos EUA, os ricaços fazem enormes doações antes de morrer porque não querem deixar a gleba para o governo. Aqui, como o imposto sobre herança é mínimo, não têm esse receio.