Foto capa: Robert Stucker Filho.
O espírito é esse. Todo mundo que se banhou nessa cascata verá que não saiu ileso da exposição a águas tão contaminadas, não importa qual o partido. Hoje, no Globo, há uma matéria onde o baiano Walter Pinheiro, líder do PT no Senado, revela a disposição do Congresso de mergulhar fundo no poço de corrupção formado pelo esquema liderado por Carlinhos Cachoeira.
Em público, o PT também parece disposto a ir até o fim na investigação. Na noite de segunda-feira, o líder do partido no Senado, Walter Pinheiro (BA) foi à ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, que, segundo ele, lavou as mãos. Em tom de ironia, Pinheiro comentou o temor de que as denúncias atinjam o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT):
– Não vi nenhum documento oficial, não sei o que tem por trás dessa rede de Carlinhos Cachoeira. Mas se caiu nessa rede, é peixe!
Entretanto, antes mesmo de começar, a CPI já enfrenta um de seus maiores desafios, que é fugir do sensacionalismo manipulador da mídia. A investigação da Polícia Federal durou mais de dois anos e grampeou, com autorização judicial, centenas de pessoas, que por sua vez realizaram contatos telefônicos com milhares de cidadãos, honestos e não-honestos. Será absurdo criminalizar todas as pessoas que trocaram ligações com membros do esquema de Carlinhos Cachoeira, conforme faz hoje o Estadão, ao dedicar sua principal página política a um ataque vil ao deputado federal Protógenes Queiróz.
O máximo que o Estadão conseguiu foram trechos de conversa em que Protógenes combina encontros com Dadá, um araponga do esquema Cachoeira. O jornal sequer procurou o deputado para que explicasse as conversas. Vamos ver se dará tanto espaço como deu ao governador Marconi Perillo.
Segundo Protógenes, o teor da conversa entre ele e Dadá não tinha a ver com o esquema Cachoeira e sim às repercussões da operação Satiagraha, durante a qual Dadá foi o elo entre a PF e a Abin. Não esqueçamos que Dadá é ex-membro do serviço de inteligência da Aeronáutica e prestava serviços à Abin. Ouça a entrevista de Protógenes à rádio Estadão explicando o episódio.
Pelo que entendi, aconteceu o seguinte: Protógenes sofreu 36 procedimentos admistrativos da PF contra sua pessoa, sobretudo em virtude da supostamente indevida ajuda que ele pediu à Abin no âmbito da operação Satiagraha. Ele e Dadá foram ouvidos durante esses procedimentos, e naturalmente seus advogados combinaram estratégias comuns de defesa.
O caso, aliás, serve de lição também aos governistas. Ligações telefônicas não são crimes. O que é crime é o teor em si da conversa, relacionado a outros fatos. Além disso, é preciso separar as ligações entre os “membros” da quadrilha com outras pessoas, e conversas com o próprio Cachoeira, chefe da quadrilha. Por exemplo, as conversas entre Cachoeira e Policarpo Júnior, repórter da Veja, não são crimes. O que é crime é o uso, por parte da revista, de grampos ilegais, patrocinados por um esquema mafioso, para subsidiar matérias jornalísticas que beneficiavam interesses políticos do mesmo esquema. Temos que ver o teor dessas conversas!
Protógenes Queiroz foi autor do pedido da CPI do Cachoeira, o que é uma prova bastante contundente de que não tem envolvimento nenhum com o esquema. Envolver Protógenes é desviar o foco.
Agora, já o caso do chefe de gabinete do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (que não é parente do Protógenes), envolve uma conversa (ver matéria do JN) que menciona pagamento de propina. Aí temos um caso grave, que justifica plenamente a afirmação de Walter Pinheiro: caiu na rede é peixe.
Entre nós, eu espero até hoje uma explicação mais convincente do Agnelo Queiroz para uma reportagem da Istoe, falando do enriquecimento súbito de membros de sua família. Além disso, quase todos os problemas enfrentados por Orlando Silva, então ministro do Esporte, originaram-se em contratos suspeitos feitos durante a gestão Agnelo, inclusive os firmados com o homem-bomba João Dias.
Aliás, a Istoé, ainda em dezembro de 2011, trouxe uma outra reportagem bastante contundente sobre um suposto esquema de corrupção montado por Agnelo no ministério dos Esportes, com direito a uma testemunha.
O que o Brasil quer não é poupar nenhum partido, e sim instaurar um processo político de grandes proporções de combate à corrupção, na esperança de produzir uma mudança de ordem cultural, que se não estanque totalmente, ao menos reduza o vazamento ilícito de recursos públicos.
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Hoje tem uma notícia econômica muito importante no Estadão. O governo aceitou reduzir as tarifas de energia, mas espera colaboração também dos governadores. Vamos ver se as forças políticas que defendem a redução dos impostos, a começar pela Fiesp, vão pressionar os estados a aceitarem a proposição do governo federal, que tem como objetivo aumentar a competitividade da indústria brasileira no mercado internacional. A energia brasileira, segundo tenho lido por aí (preciso confirmar isso mais cientificamente), é mais cara do que em outros países, representando assim mais um item do famigerado Custo Brasil, que tanto prejudica a indústria nacional.
Outra notícia econômica importante, e que mereceria até um post à parte, é sobre o aumento de 1,5% do faturamento da indústria em fevereiro, sobre o mês anterior, apurado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). A informação confirma o dado já apontado pelo IBGE esta semana.
Separei abaixo alguns gráficos do relatório da CNI.
É importante observar que a forte queda no setor de veículos automotores, um dos mais importantes eixos industriais do país, deu-se por motivos de férias coletivas de fevereiro e mudanças no maquinário das fábricas de caminhões, depois da aprovação de uma lei federal que as obrigam a produzir veículos menos poluentes.
Repare, contudo, que o setor de “máquinas e equipamentos” registrou um forte aumento de 6,4% no faturamento de fevereiro, na relação com o mês anterior. O de máquinas e aparelhos elétricos registrou um salto impressionante de 15%! E o de material eletrônico, um dos setores mais avançados, cresceu quase 40% em fevereiro!
Entretanto, se você ler os comentários do relatório da CNI, ainda sim vai encontrar quase só choradeira, porque isso já se tornou um vício dos setores econômicos brasileiros, mal acostumados pela máxima mais importante das associações de classe do país: quem não chora, não mama.
O emprego industrial experimentou uma barriguinha rápida em alguns meses do segundo semestre de 2011, mas voltou a subir. De qualquer forma, o gráfico mostra uma expansão firme desde 2009.
Do gráfico acima, eu destacaria o aumento de 6,2% da massa salarial da indústria, na comparação entre fevereiro deste ano e o mesmo mês do ano passado. Se o salário cresceu mesmo com a indústria vivendo um momento difícil, as perspectivas salariais devem continuar positivas com a indústria voltando a crescer.
O faturamento das indústrias também voltou a crescer firme. Analisando o gráfico acima, vê-se que quedas pontuais são normais, mas no longo prazo, a economia industrial tem crescido bastante desde 2009.
Sobre os números do IBGE, destaco apenas o seguinte trecho do seu relatório sobre o índice industrial de fevereiro.
Repare no trecho: “Bens de Capital apontou o avanço mais acentuado. ”
Bens de Capital, para quem não sabe, é o setor industrial ligado ao aumento do poder de produção das fábricas. São máquinas e equipamentos industriais. Quando este setor aumenta, significa que as indústrias ampliaram sua capacidade de produção. O seu avanço, portanto, corresponde a um maior grau de industrialização do país.
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Por fim, uma última análise política. Editorial do Estadão de hoje, intitulado “Diplomacia da Cachaça”, é de uma vira-latice lamentável. Abaixo uma lista de vários erros:
- O editorial é contestado por notícia publicada no próprio jornal, na mesma edição, que fala na cobrança aos EUA, feita por Dilma, para respeitar os contratos com a Embraer.
- O Estadão repete um erro frequente cometido por editorialistas preguiçosos, quando tratam de encontros entre chefes de Estado. Em vez de analisarem em profundidade os inúmeros sinais políticos que emergem dessas conversas de alto nível, preferem fazer críticas levianas cujo aparente ceticismo encobre ignorância e apatia jornalística. Quando Nixon visitou a China em 1972, também não se registrou nenhuma declaração bombástica dos chefes de Estado, mas o signifcado político do encontro foi avassalador para o mundo.
- O Estadão fingiu ignorar a presença de Dilma em Harvard, um dos principais centros de conhecimento do mundo atual. Teve um significado político também. A presidenta entende o investimento em pesquisa e ciência como prioridade, ou ao menos é este o sinal que ela enviou. O convênio entre o governo e as principais universidades americans, como Harvard e MIT, para conceder milhares de bolsas a estudantes brasileiros, se for concretizado, pode se tornar uma grande marca do governo Dilma.
- Por fim, há preconceito contra a cachaça, que pode vir a ser um produto de exportação importante, assim como o uísque americano durante muito tempo foi (e ainda é) para os EUA.
A Folha, por sua vez, preferiu se ater à uma mesquinha observação, repleta de complexo de inferioridade, sobre a diferença de tratamento concedida à presidenta brasileira e a chefes de Estado da Coréia do Sul, entre outros. Neles, teve jantar na Casa Branca, o que não houve com a Dilma. Ora, Dilma pode não ter jantado na Casa Branca, mas se os jornalistas da Folha visitassem um blog do próprio grupo, escrito pelo talentoso Nelson de Sá, veriam que a grande imprensa americana produziu muitas análises interessantes a partir da visita de Dilma aos EUA. Eu acrescentaria ainda uma análise publicada na ultra prestigiada Economist, que inicia assim:
O Brasil provavelmente nunca foi mais importante para os EUA do que agora. Os EUA nunca foram tão desimportantes para o Brasil.