(Ilustração: Thomas Zipp)
O Globo de hoje estampa um manchetão que é música para os ouvidos de todos os desenvolvimentistas do país. Por determinação da presidente, os bancos públicos reduziram drasticamente os juros e o spread cobrados ao consumidor.
Leia os trechos abaixo da reportagem. São para ler bebendo um bom vinho chileno (abaixo a taxa de importação de vinho, aí também é demais! Ainda mais de vinho latino!) e assobiando um chorinho:
No BB, os juros do financiamento de veículos, por exemplo, caíram de no mínimo 1,24% ao mês para 0,99% ao mês. Quem recebe salário pelo banco terá juros de 3% ao mês no crédito rotativo do cartão. A taxa anterior chegava a 13,62%.
(…)
Quem recebe salário pelo banco – por exemplo, boa parte dos funcionários públicos – poderá pagar juros de apenas 1,30% ao mês no cheque especial. No cartão de crédito, a taxa cairá de 12,86% para 5,98%.
Nem vou comentar o chororô de alguns operadores de mercado contra a decisão, dizendo que BB e Caixa vão perder valor no mercado. Acho incrível o súbito interesse deles pelo índice de lucro dos bancos públicos.
Meu único lado realmente radical e socialista é a convicção de que somente bancos públicos deveriam existir. Bancos privados só servem para quebrar a economia do mundo, invariavelmente, a cada 10 ou 15 anos; obrigando os Estados a injetar recursos do Tesouro Nacional nessas instituições para salvá-las e salvar o país. O Proer de FHC, em valores atualizados, deve estar chegando a uns R$ 100 bilhões.
Mas deixemos o proselitismo ideológico e utópico de lado porque hoje temos muito assunto. A economia brasileira vai muito bem. A indústria voltou a crescer. O governo lançou um ousado pacote de incentivo que deve acelerar ainda mais essa recuperação, e agora os bancos públicos lideram a redução de juros e spreads.
Os analistas econômicos estão reclamando que o governo está beneficiando apenas alguns setores. Dou-lhes plena razão. Mas o governo prometeu estender os benefícios a todo o setor industrial e também aos serviços, até 2014. Então tá beleza. Agora é a Fiesp e os industriais pararem de choradeira e começarem a investir pesado em inovação, aumento de produtividade e redução de desperdícios.
Outra reclamação dos analistas é que o governo não resolveu os problemas estruturais. Ora, aí são coisas que não se fazem da noite pro dia. Vai demorar 10 a 20 anos para o Brasil dar soluções a seus gargalos estruturais. O que ele fez foi apagar alguns incêndios e distribuir chupetas à Fiesp. Agora é bola pra frente e trabalho duro. Ao brasileiro comum cabe estudar muito, e sobretudo especializar-se. Os salários de trabalhador especializado no Brasil estão entre os maiores do mundo. Então, pelo pouquinho que conheço da raça humana, daqui a poucos anos brotarão da terra milhões de ultra-especialistas, porque nada como um salário alto para inspirar um cristão de boa índole.
Agora vamos ao noticiário político. O caso Demóstenes ainda está queimando na pradaria, e o fogo chegou ao governo Marconi Perillo. A imprensa, no entanto, iniciou uma interessante operação de blindagem. É incrível a boa fé dos jornais quando o envolvido é um tucano. O Estadão prefere pegar no pé do Agnelo, governador do DF, por causa do envolvimento de um diretor do Detran local num dos esquemas do Cachoeira. Mas eu acho válido. Tem mais é que pegar no pé mesmo.
De qualquer forma, uma coisa é certa. Com a internet, o poder da imprensa de blindar os amigos reduziu-se sensivelmente. As gravações e relatórios vazam para a rede e não há como segurar a tsunami de podridão.
A Folha hoje trouxe, finalmente, a versão do ex-ministro Altermir Gregolin, responsável pela compra das tais lanchas que, segundo o Tribunal de Contas, não estariam sendo usadas. Gregolin diz que a informação é desatualizada, e que as lanchas estão sendo usadas sim. A resposta do ministro é fundamental e silencia boa parte das críticas. A verdade dos fatos, portanto, é que apenas algumas lanchas (2 a 4, pelo que entendi) estão paradas. Segundo o Gregolin, mesmo estas deverão ser usadas em breve.
Ora, então tudo bem! É perfeitamente compreensível, e até louvável, que o ministério da Pesca adquira lanchas. Estranho seria se comprasse aviões!
Quanto ao pedido de um petista à empresa fornecedora, também não há crime algum. A imprensa finge surpresa, mas a verdade é que, desde que o financiamento das campanhas vêm de empresas privadas, os partidos políticos, forçosamente, contatam todas as empresas de sua esfera de influência durante o processo eleitoral. Isso é normal. A empresa forneceu ao ministério da Pesca? Beleza, mais uma razão para contatá-la. Desde que a doação seja declarada e legal, e desde que o empresário não denuncie algum tipo de chantagem, não há problema. Ninguém é criança aqui, sabemos que na vida real, deve rolar muita corrupção, extorção, nesse processo todo, mas esse tipo de acusação só vale quando há denúncias e provas. Escandalizar um pedido de verba para campanha e uma subsequente doação devidamente registrada é o cúmulo da hipocrisia da mídia.
Voltando ao caso Demóstenes, temos hoje uma informação bombástica, que chega ser positivamente divertida, embora uma diversão bem maligna, admito. Segundo gravações obtidas pela Época, Cachoeira pressionou Demóstenes a migrar para o PMDB para se aproximar do governo Dilma, para assim fazer um lobby melhor de seus negócios junto ao Executivo. Agora quero ver os colunistas dizerem que o senador fazia um bom mandato! Quero ver virem com esse papo de bipolaridade!
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Há outras coisas que gostaria de comentar. A coluna de Merval Pereira é uma piada. Já está meio clichê citar o Conselheiro Acácio, mas não vejo outra comparação. Reparem só o trecho inicial:
O recorde de 77% de aprovação pessoal que a presidente Dilma obteve na mais recente pesquisa de opinião do Ibope pode ser explicado por uma conjunção de apoios, pois ela mantém a hegemonia na Região Nordeste (82%) e entre os cidadãos que ganham entre um e dois salários (59%), mas conseguiu ser igualmente bem avaliada entre os eleitores com renda familiar superior a dez salários mínimos (60% de ótimo e bom) e na Região Sudeste (75%).
Não vou me estender muito para explicar a falta de sentido lógico nesse raciocínio. Merval apenas jogou um ossinho para os preconceituosos que querem atribuir a popularidade da presidente aos paraíbas de pé descalço. Mas a aprovação da Dilma cresceu fortemente nas regiões Sul e Sudeste e entre a classe média, e também no Nordeste e também entre os mais pobres. Então vamos esquecer Merval e seus curto-circuitos mentais. Não vale a pena.