Veja se aliaria a Bin Laden pra derrubar Lula?

Demóstenes requereu, finalmente, a desfiliação partidária, contrariando notícias de que preferiria ser expulso como estratégia de defesa. Com isso, o partido pode exigir a vaga de senador para si, e Demóstenes perde fórum privilegiado. Talvez tenha havido acordo com o partido para que ele continue senador. Ou ele entendeu que vai ser cassado de qualquer jeito e seria melhor preservar o DEM de um processo de sangramento que, segundo muitos analistas aventaram hoje, poderia destruir o pouco que resta do partido. Hoje tem outra denúncia: Cachoeira deu presentinho à mulher do Demóstenes.

Há muita excitação com o envolvimento da Veja no escândalo, devido à descoberta que Policarpo Júnior, repórter e editor, era um dos íntimos de Carlos Cachoeira. Descobriu-se que vários grandes escândalos políticos deflagrados pela revista vieram de revelações feitas pelo bicheiro com fins de promover seus interesses. As relações da Veja com o submundo da política não são segredo, e a própria revista parece ter orgulho delas. O que veio à tôna por enquanto é a convergência de interesses entre Veja e Cachoeira. Ambos queriam derrubar o governo e desmoralizar o PT, e trabalharam em conjunto para flagrar petistas ou aliados com a boca na botija.

O escândalo Murdoch, que motivou o fechamento de um grande jornal inglês, teve como principal denúncia o pagamento sistemático de propina, pela empresa jornalística, a policiais e funcionários públicos, em troca de segredos sobre autoridades e famosos.

Em relação à Veja, a parceria “jornalística e política” da revista com um dos maiores corruptores de Brasília constitui uma prova gritante de imoralidade e, possivelmente, cumplicidade criminosa. Confirma, além disso, as teses que o jornalista Luis Nassif vinha heroicamente defendendo desde 2008. Com perdão do exagero meio ridículo, é como se a Fox se aliasse a Bin Laden para derrubar Obama.

O conceito de “golpismo midiático” nunca foi tão exato. Por isso, vale a pena divulgar essa ilustração:

(imagem via Andre Lux).

Nos últimos dias, todos os analistas políticos da grande mídia parecem inteiramente absorvidos neste escândalo. Os textos de Dora Kramer, Merval Pereira e Noblat cheiram a ópio e lágrimas secas. Em sua coluna de hoje, Merval senta-se à beira do rio e chora. O título já diz tudo: “Futuro em risco”. Dora Kramer está na defensiva e delirante, vendo risinhos de escárnio por toda a parte.  Demóstenes é pego se lambuzando na grana da contravenção, mas o alvo de Kramer são os que se regozijam com sua queda.

Vale a pena reproduzir um trecho:

Abatidos ficaram os que acusaram um duro golpe na já combalida oposição; desapontados os que tinham nele uma referência de ética na política; exultantes mostraram-se aqueles que viram no episódio a chance de externar uma espécie de vingança à deriva contra “os moralistas de plantão”.

Para estes, Demóstenes Torres é a prova cabal de que os combatentes das boas causas devem ser vistos com desconfiança, pois dentro deles mora sempre um amoral. “São os piores”, avisam sapientes.

O problema da premissa é o equívoco da tese: se as farinhas todas têm origem no mesmo saco, que se locupletem todos à vontade. Tudo estaria então permitido e a crítica antecipadamente interditada em obediência ao pressuposto da isonomia no quesito suspeição.

Kramer usa a velha tática de inventar um adversário fantasioso, simplificar suas opiniões, e daí atacá-lo com sua verve. É uma tática baixa, que subestima a inteligência e ofende a moral dos milhões de brasileiros que hoje, de fato, se regozijam com a queda de Demóstenes. O prazer pela queda de Demóstenes é o prazer milenar, e ainda tão contemporâneo, de ver um vilão se estrepar. É uma vitória do cidadão, ainda mais porque vilões do tipo de Demóstenes são os mais difíceis de pegar: rico, poderoso e paparicado pela mídia. Não é todo dia que um bandido desse calibre é apanhado pelas malhas da justiça.

Kramer encerra sua crônica com um emotivo lamento de compaixão:

Demóstenes Torres qualificou o mandato com várias ações, entre as quais sua participação na aprovação da Lei da Ficha Limpa, mas o desqualificou ao levar vida dupla. Não poderá contar com a mesma condescendência dos que se safaram de episódios tão indefensáveis quanto porque não tem quem o defenda: nem partido, nem presidente da República, nem a corporação. Está só.

Para responder a colunista, eu cito Schopenhauer:

A injustiça cometida por meio da violência não é para o seu autor tão grande opróbio como a cometida por meio da astúcia, porque a primeira faz demonstração duma força física que, em qualquer circunstância se impõe aos homens, enquanto a segunda, com o emprego de caminhos escusos, patenteia fraqueza e envilece o homem física e moralmente duma só vez; e porque a mentira e a astúcia nada conseguem se aquele mesmo que as utiliza não manifesta horror e desprezo por semelhantes coisas, com o escopo de cativar a confiança alheia e porque o triunfo lhe resulta então de ter-lhe sido atribuída uma lealdade que não possui. A aversão profunda produzida pela astúcia, a má-fé, a traição, provém disto que a boa-fé e a probidade são o liame exterior que reúne num todo a vontade dispersa na imensa multidão de indivíduos, e limita assim as consequências do egoísmo proveniente de tal dispersão. A má-fé e a traição rompem este liame abrindo desmedido campo às consequências do egoísmo.

(O mundo como vontade e representação, capítulo A justiça humana)

O regozijo, portanto, nada mais é do que a exteriorização de um alívio por nos termos livrado de alguém nos tiranizava, nos iludia com uma imagem de probidade que não correspondia à verdade, e que usava tal imagem para determinar prioridades políticas em detrimento de outras mais importantes ao interesse nacional.

Leia também o artigo da Maria Nassif sobre a hipocrisia da mídia brasileira.

*

Agora, saindo um pouco da atmosfera barra pesada de Brasília, vamos comentar uma notícia que acaba de sair do forno.

O IBGE divulgou hoje a produção industrial de fevereiro.  A imprensa é tão previsível, que podemos fazer uma análise antes da notícia ser publicada nos jornais. A produção industrial cresceu 1,3% no mês. No acumulado continua negativa, mas isso era esperado. A novidade é mesmo o crescimento acima do esperado em janeiro.

Quando a produção industrial cai no mês mas ainda mostra dados positivos no acumulado 12 meses, a imprensa não quer nem saber. Estampa manchetão apocalíptico dizendo que a produção industrial “tombou” naquele mês.

Capa da Folha no dia 7 de março:

 

Agora, que a produção industrial subiu em fevereiro, aposto que vão focar na queda em relação ao ano anterior.

Abaixo, os gráficos da produção industrial, divulgados hoje pelo IBGE:

 

 

Bens de capital crescem 5,7%

Os números inspiram preocupação, mas apontam uma recuperação forte da indústria. Repare que a produção de bens de capital (máquinas para indústrias) cresceu 5,7% em fevereiro, recuperando parte do que havia perdido em janeiro. O IBGE lembra ainda que, ao se analisar a queda em relação ao ano anterior, deve se considerar que a base de comparação é bastante elevada. Em fevereiro do ano passado, houve alta de 7,5% da produção industrial.

*

Seja como for, o governo está apostando alto na recuperação da indústria e num crescimento maior do PIB para este ano. Segundo o Globo, o pacote do governo para alavancar a indústria já chega a R$ 57 bilhões.

*

O assassinato de um sem terra em Pernambuco indica que este país com 8 milhões de quilômetros quadrados ainda parece pequeno para seus latifundiários.

*

O escândalo no Ministério da Pesca, com a compra de lanchas que não foram usadas, só não ganha mais relevo na mídia em virtude do espetáculo maior, protagonizado por Demóstenes Torres.  Mas tem tido bastante espaço na mídia. Hoje Folha e Estadão dão notícias contraditórias. Um dá a entender que o novo ministro Crivella está jogando Ideli Salvati, ex-titular da pasta, no fogo, outro que a está protegendo. Sobre essa denúncia, faço as seguintes observações:

  1. Ainda não entendi o porque as lanchas foram compradas. Falta entrevistar o ministro responsável pela decisão de adquiri-las. Elas não estão sendo usadas.
  2. O que será feito delas, já que não estão sendo usadas e estão se deteriorando?
  3. Quanto ao pedido do PT à empresa para fazer uma doação, não vejo nada que não seja feito por todos os partidos. Todas as grandes empresas tem contratos com governos, portanto se poderá encontrar casos similares em toda parte. Desde que a doação seja registrada legalmente, como foi, e que os pedidos sejam transparentes, sem uso de chantagem, não há problema nenhum.
  4. Problemas de conflito entre fornecedores para o governo e doação de campanha só serão sanados (ou amenizados, ao menos) com uma reforma política que proíba doações privadas, instituindo o financiamento público de campanha.

 

 

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
Related Post

Privacidade e cookies: Este site utiliza cookies. Ao continuar a usar este site, você concorda com seu uso.