(Ilustração de Jonathan Meese).
Nada mais humano do que o prazer de ver um fariseu, um falso moralista, se estrepar! Os últimos dias, então, tem sido uma verdadeira catarse, uma fonte inesgotável de diversão, apesar do travo amargo na boca que sempre fica ao constatar o grau elevado de corrupção nas mais altas instituições nacionais.
O Globo de hoje vem com mais uma saraivada de denúncias contra Demóstenes. Diante do cenário de destruição em que já se encontrava a reputação do senador, as novas revelações me lembraram aqueles ataques americanos ao Afeganistão, em que víamos mísseis de milhões de dólares caindo sobre choupanas miseráveis que não valiam um centavo.
O ataque foi completo. Bom Dia Brasil, capa no jornal, página 3 inteira e boxs de conversas.
Dessa vez não é a netinha falando com Sarney pra arrumar emprego pro namorado. São conversas pesadas e diretas sobre negócios escusos, tráfico de influência, alteração de leis para beneficiar um criminoso.
Diante disso, não deixa de ser curioso observar o tratamento carinhoso concedido por Merval Pereira e Dora Kramer a este indivíduo, em suas colunas publicadas hoje (reparem nos negritos, meus):
Merval:
O caso do senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás, vem atraindo a atenção não apenas do mundo político, mas também dos meios artísticos e psicanalíticos. Outro dia escrevi que o senador havia criado um personagem para si próprio, e o ator Antonio Pitanga me disse que está fascinado pelas facetas desse personagem e pela capacidade do senador de assumir um papel tão complexo quanto este, de defensor da moral e dos bons costumes, enquanto, por baixo do pano, mantinha uma relação promíscua com um contraventor.
Dora:
Com a reputação irremediavelmente ferida devido à proximidade com um notório cliente da Justiça dito empresário de jogos, o senador Demóstenes Torres não tem outro jeito a não ser encerrar por aqui sua curta carreira de político.
Até em nome dos muitobons serviços prestados ao mandato –em diversos campos, com destaque ao papel dele em prol da aprovação da Lei da Ficha Limpa –, o senador tem um dever de coerência: aplicar a si o mesmo rigor ético que adotou para tudo e para todos.
Lamentável que um parlamentar de qualidade tenha a trajetória interrompida enquanto outros envolvidos em episódios tão ou mais graves, e muito menos qualificados continuem por aí, mas o gesto da retirada serviria até para marcar a diferença.
Ambos erram feio ao insinuarem que o único crime de Demóstenes era “manter relações promíscuas com um notório cliente da Justiça”. Demóstentes é um criminoso muito pior que Carlinhos Cachoeira, isso sim, porque enganou o povo que votou nele! E enganou a República! Seu crime não era ser amigo de Carlinhos, e sim ser cúmplice de inúmeros crimes, de interferência na Justiça, tráfico de influência, corrupção, etc, etc.
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Enquanto isso, Dilma rebate a imprensa como somente uma mulher saberia fazer. Com gentileza, suavidade, porque não convêm ser agressivo. Ontem, no Jornal Nacional, a presidente falou sobre redução da carga tributária, melodia para os ouvidos de uma classe média que hoje é maioria da população brasileira, e aplicou um suave tapinha de veludo nos repórteres, ao responder sobre a crise na relação entre Executivo e Congresso. A crise é tão grande que o Congresso aprovou nos últimos dias a Lei da Copa e as novas regras de aposentadoria do funcionalismo público, disciplinadamente. Base governista e oposição, todo mundo votando bonitinho em prol do país. Ou seja, a crise não era tão crise assim.
Dilma talvez não seja uma boa tuiteira, como alguns sonhavam que ela fosse, mas talvez venha ser conhecida, no futuro, como uma boa presidente.
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Rola uma tese meio absurda na internet segundo a qual Cachoeira teria planejado o mensalão. Ele pode ter articulado, aí sim, as armadilhas que produziram os primeiros escândalos. Mas o mensalão foi um escândalo de caixa 2 somado à criação de atmosfera midiática, onde se botou no mesmo saco todos os crimes ou deslizes cometidos por petistas desde sua fundação. Não se limitou ao caixa 2 da campanha de 2002. Os dólares na cueca daquele assessor de deputado, por exemplo, era um caso à parte, mas entrou no bolo do mensalão. O Land Rover doado por uma empresa ao Silvio Pereira, idem. O momento era propício, porque havia um grande tensionamento político à esquerda (muito mais que hoje), por causa do sentimento de que o PT teria “traído” seus princípios e ideais. Somente nos anos seguintes, quando as realizações sociais vieram à tôna e os militantes pararam de se informar apenas através da imprensa, é que se viu que, ao contrário de trair seus princípios, o governo Lula havia deflagrado um processo de surpreendentes transformações sociais.
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Lula não aguentou esperar e já começa a voltar efetivamente a vida política pública (a vida política não pública, com reuniões privadas, nunca foi interrompida), dando entrevista à Folha. É uma boa entrevista, sobretudo do lado humano. Do lado político, cabe notar apenas a sua disposição de ajudar Dilma Rousseff e de lutar por sua reeleição, caso Dilma queira segurar o rojão por mais tempo.