Dilma, os ativistas e as conspirações

(Ilustração de capa: Picasso.)

Se a presidente vem fazendo um bom governo, é outra história, mas é inegável que, em termos de imagem, ela está fazendo um excelente trabalho. Que o digam as pesquisas de opinião, que lhe dão posicionamento recorde para um presidente em primeiro ano de mandato, e o tratamento que a mídia vem lhe conferindo. A entrevista à revista Veja confirma e sela o sucesso da política de comunicação da presidente. Sem confrontar, sem agressividade, a presidente tapou a boca ou desmoralizou seus mais ácidos críticos. Mantendo-se nesse diapasão até o fim do mandato, será difícil não ser reeleita.

Mais difícil, contudo, é achar cerveja grátis. O sucesso de Dilma na mídia custou-lhe um preço: a antipatia dos esquerdistas da web.

Política é feita de símbolos, máxima que vale mais ainda para o universo onde transita a militância política. Em entrevista a Mino Carta, o ex-presidente afirmou, certa feita: “você sabe que nunca fui de esquerda”. Lula fazia esse tipo de afirmação frequentemente, e no início de seu governo, viu-se bem que a cúpula do PT abandonara as vestes socialistas. A percepção de tal fato provocou uma enorme onda de “lamentações”. A internet não era tão forte como hoje, mas era fácil constatar que o número de “desencantados” e “decepcionados” era grande. Muitos diziam que o melhor para o PT era não ter vencido as eleições de 2002, porque aí não mudaria tanto.

Após alguns anos, uma série de transformações sociais começam a vir à tôna. O governo vinha ampliando, paulatina mas decididamente, os recursos dedicados aos programas de transferência de renda e isto, dentre outras medidas, começava a surtir um efeito surpreendente na economia. Mais adiante, o mundo assistiu, estupefato, a uma transformação profunda no perfil sócio-econômico da sociedade brasileira, num intervalo de tempo jamais antes observado. A militância deu o braço a torcer, e ajustou-se aos novos símbolos incorporados pelo lulismo.

Ao governo Lula não faltavam contradições. A cabeça do militante, confusa diante de um Lula que defendia Sarney, de um lado, e um governo que transformava o Brasil, de outro, encontrou na mídia brasileira, tradicionalmente conservadora e furiosamente anti-lulista, um inimigo que lhe permitia substituir a velha dicotomia direita X esquerda, combalida pelas alianças do lulismo com setores retrógrados da elite, pela dicotomia governo X mídia, ou mídia X blogosfera.

Eu também abracei a nova dicotomia, porque de fato a mídia radicalizou seu conservadorismo, passando a agir cada vez mais como um partido de oposição. Mas essa não é uma guerra de extermínio. É de convencimento. Numa democracia, o poder político se exerce não pela força, mas pela influência. A mídia tem poder porque exerce influência. Desejar que políticos não dêem entrevistas a determinados órgãos porque estes são de oposição ou conservadores, como querem setores radicalizados da militância, não tem sentido. Políticos precisam ampliar suas esferas de influência para ganharem força, e precisam ganhar força pra sobreviverem politicamente. A única maneira de ampliar sua esfera de influência é atingindo um público que não constitui seu eleitorado cativo, mas que pode vir a ser.

Os ataques à Dilma por ter cedido entrevista à Veja, portanto, são absurdos. Queira ou não, a Veja é a revista de maior circulação nacional, com poder monstruoso, como se viu em 2011, para derrubar ministros e impor crises que às vezes se arrastam por semanas em milhares de rádios, canais de tv, periódicos e redes sociais. A mídia corporativa nunca será vencida com este simplismo ingênuo, porque a lógica da informação globalizada tende à concentração dos meios tradicionais, os quais, por sua vez, ligam-se organicamente aos interesses dos grandes capitalistas que patrocinam estes meios através da publicidade. A mídia corporativa integra o centro orgânico de todo o sistema capitalista moderno, portanto só seria vencida se este fosse substituído por um sistema soviético de alcance internacional.

Claro que o governo vive contradições, e que a solução dessas implica uma luta constante, um jogo de pressões ao qual os movimentos sociais estão acostumados, e que talvez tenha perdido força durante os últimos anos da era Lula, abafados pela dicotomia um tanto maniqueísta entre governo X mídia. Diante de um governo sob ataque constante, e mesmo sob risco de ser derrubado, como aconteceu durante a longa crise política que caracterizou o escândalo do mensalão, sentiu-se a necessidade de união acima de todas as diferenças.

À parte, portanto, as críticas justas, que nascem dessa necessidade, já mencionada, de participar do jogo político de pressão que faz com que um governo seja sempre uma instância em luta consigo mesma, à parte isso, a hostilidade de setores do lulopetismo à presidente Dilma me parece também nascer de um estranhamento de ordem simbólica. Lula já havia causado bastante confusão, e a formação de uma militância lulopetista exigiu ajustes mentais complicados. Muitos abandonaram o barco. Surgiram novos. Com Dilma está acontecendo a mesma coisa. Os lulopetistas enfrentam dificuldades naturais para ajustar seus simbolismos ao perfil do novo mandatário.

Uma prova dessa dificuldade é a constante defesa da “continuidade”, uma asserção curiosamente reacionária para gente que, em tese, deveria defender mudança e transformação. Ora, o discurso eleitoral de Dilma abusou do termo “continuidade” porque ela era a candidata da situação. No entanto, analisemos rapidamente a regra constitucional que proíbe ao político que se reeleja mais de uma vez. O seu espírito é justamente proporcionar a alternância política, mesmo que dentro de um mesmo partido. E porque alternância? Porque alternância significa oxigenar, mudar. Lula era muito querido, mas estamos vendo que, para milhões de pessoas, Dilma é ainda mais querida, por razões diversas. É preciso deixar que o governo Dilma seja diferente do anterior.

Como explicar esta situação: de um lado, uma hostilidade crescente em setores da militância contra a presidente, que adquire às vezes inclusive um tom meio histérico, ou mesmo conspiratório; de outro, uma popularidade recorde para um primeiro ano de mandato, e crescendo? Em entrevista para a Carta Capital desta semana, o professor Wanderley Guilherme dos Santos dá algumas respostas. Ele fala que a culpa é de Lula. “Lula é o responsável por esta bendita e criativa bagunça”, diz Santos. Sua tese é a seguinte: o governo criou políticas de bem estar social, mas o Estado ainda não está devidamente aparelhado. “Não tenho queixa da universidade [pública] que frequentei, mas no meu curso só haviam vagas para 15 pessoas”, observa.

O Estado antes só cortejava 2 milhões de brasileiros, diz o professor. Hoje incorporou quase a totalidade da população. Essa mudança esbarra, porém, num Estado ainda despreparado.

Por isso (essa é uma reflexão minha), a prioridade de Dilma Rousseff tem sido a de investir na qualificação dos serviços, através do combate à corrupção, ao desperdício, e instituindo, desde o alto, uma cultura do mérito. Quando a criticam por ser uma presidente “técnica”, na verdade, estão elogiando-a, porque ela representa justamente o que falta ao Estado brasileiro: mais qualificação.

O maior déficit da crítica política, a meu ver, permanece a falta de substância. Eu fui atrás de alguns dados do Bolsa Família, por exemplo, principal programa social do governo Lula, para verificar se a atual administração realmente está promovendo um retrocesso político, como acusam alguns militantes. Pois bem, o governo Dilma encetou um forte aumento dos gastos com o Bolsa Família, além de elevar o valor pago a cada família e permitir a incorporação de mais filhos . Abaixo os dados:

 

 

Observe que os repasses nos dois primeiros meses deste ano, segundo a ONG Contas Abertas, cresceram 30% em relação à 2011. Repare ainda que o valor previsto para este ano, de 19 bilhões de reais, que já representa 11% de aumento sobre o valor gasto em 2011, deve crescer ainda mais. O site Contas Abertas enfatiza que a verba aprovada para o Bolsa Família em 2012 é 40% superior à dotação inicial do programa em 2011, que foi de 14 bilhões de reais (depois cresceu para 17 bi).

Do lado dos programas de transferência de renda, portanto, o governo Dilma representa um aprofundamento das políticas sociais de Lula.

A mortalidade materna, um tema também muito candente nos últimos tempos, em função de polêmicas envolvendo políticas públicas do Ministério da Saúde voltadas para a mulher, registrou uma queda de 19% em 2011, segundo números oficiais, que ainda precisam ser confirmados.

Aí chegamos a um tema realmente incendiário nas redes sociais, que é o desempenho do Ministério da Cultura. Neste ponto, quero parabenizar calorosamente os ativistas que vem fazendo críticas à pasta. Já compreendi que o jogo de pressão precisa de crítica para existir, e a Cultura, mais que qualquer outro Ministério, deveria ser mais aberto ao debate nacional. Ana de Hollanda é fechada. Vê-se que se trata de uma pessoa que não tem cancha política, não tem prazer em falar, em debater, e acho que essas crises envolvendo a pasta originam-se em grande parte desse déficit estritamente pessoal.

No entanto, permitam-me também fazer algumas ressalvas à maneira como as críticas têm sido feitas. Como o papo é de cultura, permitam-me citar Horácio:

Insani sapiens nomen ferat, aequis iniqui,
Ultra quam satis est virtutem si petat ipsam.

Os versos são citados por Montaigne, num ensaio entitulado Da Moderação, e traduz-se assim:

O sábio se torna insensato e o justo, injusto, se eles ultrapassam os limites da virtude.  

O sentido da frase, na interpretação deste grande pensador francês, é que muitas vezes a gente defende determinadas causas com tanta paixão, que perdemos a medida, mesmo que elas sejam justas; com isso desvirtuamos a própria justiça de nossa causa.

Acho que isso aconteceu bastante nessas polêmicas envolvendo a ministra. A coisa acabou assumindo a aparência de uma cruzada pessoal contra a Ana de Hollanda. Um dos blogs que mais se envolveu na luta escreveu longo texto onde reproduz um comentário informal da ministra feito anos atrás, só para apontar que ela não usou uma crase aqui, outra acolá. Fizeram um escarcéu apocalíptico porque um funcionário do ministério responsável pelo Twitter escreveu uma bobagem inocente: um cidadão chegou a pedir a intervenção do Conselho de Ética da Presidência da República. O Ancelmo Goes, que gosta da Ministra, publicou uma notinha no domingo, dizendo que um dos blogs recebera autorização do Minc para captar algo em torno de 900 mil reais, e tentou-se transformar a notinha numa prova de “perseguição do Minc”. Ora, eu queria ser perseguido assim! Esses dados da Lei Roaunet são abertos. Todo mundo pode ver o valor de qualquer um. No ano passado, um jornal divulgou que um blog da Maria Bethânia tivera verba similar aprovada: houve uma imensa corrente de hostilidade contra o Minc por causa disso. Eu defendi a Maria Bethânia, e achei estranho, na época, que ativistas da cultura digital atacassem a decisão do Minc (sei que é um colegiado que aprova, não a ministra, mas ela pode vetar ou não) de apoiar um empreendimento na internet. E agora os mesmos ativistas fazem uma acusação (não provada) que o Minc está perseguindo um blog crítico porque um jornal deu transparência àquilo que é mesmo para ser transparente? A interpretação do Goes, concordo, é equivocada. O fato de um blog ser beneficiado pela Lei Rouanet não o impede de ser crítico, mas é uma interpretação do Goes, não do Minc. Não oficialmente, ao menos.  Só não podemos inverter a lógica. O Minc está beneficiando (merecidamente, imagino) o blog em questão, não “perseguindo-o”.

O cineasta Cacá Diegues publicou, também neste final de semana, um artigo em defesa da ministra, intitulado A Cultura é a Alma do Povo. O texto traz dados que eu também vira no depoimento de Ana de Hollanda no Senado. O programa Cultura Viva, que provê recursos para os Pontos de Cultura, ao contrário do que vinha sendo ventilado de forma meio leviana, ainda é prioridade do Ministério.

Foi triste ver professores universitários quase histéricos no twitter, tentando desqualificar o artigo de Cacá distribuindo link para uma notícia sobre a presença dele num evento em apoio à José Serra, no Rio de Janeiro. Ora, partidarismo barato! O artigo de Cacá Diegues não critica Cuba nem desmerece Lula. Ele traz argumentos. O fato dele ter votado em Serra é uma questão pessoal, e não é democrático, nem sensato, que se pretenda desqualificá-lo só por causa disso: ele é um cineasta respeitado, além de ser um excelente cronista. Vamos rebater o texto de Cacá com argumentos, não com partidarismo bobo. Não é necessário carteirinha de eleitor da Dilma para ter sua opinião respeitada.

Eis um trecho do seu artigo:

Os Pontos de Cultura encontravam-se sem pagamento desde o mês de março de 2010. Na atual gestão, o MinC já pagou cerca de R$100 milhões. O crescimento do orçamento do Programa Cultura Viva tem permitido a criação de novos Pontos de Cultura, o revolucionário projeto inaugurado por Gilberto Gil. Em 2010 o investimento nos Pontos de Cultura era de R$50 milhões. Em 2011, o primeiro ano da gestão atual, foram empenhados R$62 milhões e em 2012 esse valor saltou para R$114 milhões.

Eu também vi a ministra dizendo isso. Não sei se ela está mentindo, mas o fato é que a informação dada por ela é que os recursos destinados aos pontos de cultura foram expandidos. A ministra disse ainda, que até 2014, o número de pontos de cultura deverá ser ampliado dos atuais quase 3 mil para 4 mil pontos. E discorreu longamente, em detalhes, apresentando gráficos, sobre a política do ministério para esse programa, falando por exemplo sobre os convênios que estão sendo firmados com o Ministério da Educação. Acho uma boa ideia. Imagino que deve ter muitos pontos de cultura extremamente importantes em algumas periferias, mas sei que um bocado de outros não são bons. Mesclar com educação vai permitir que a sociedade observe de mais perto esses pontos. É muito dinheiro envolvido, mais de 200 milhões de reais, não podemos ser ingênuos em achar que todo ponto de cultura usa bem a verba.

A ministra explicou ainda sobre os atrasos nos repasses. A culpa é da Dilma, que em virtude dos inúmeros escândalos de corrupção envolvendo repasses de recursos públicos para entidades privadas, sobretudo ongs, baixou uma série de novas regras que burocratizam ainda mais o que já devia ser insuportavelmente burocrático. Além disso, o ministério não pode mais fazer repasse direto, tem que ser via prefeituras e governos estaduais, os quais vivem com problemas de inadimplência que fazem com que os repasses sejam bloqueados. Enfim, é o problema apontado por Wanderley Guilherme dos Santos, o Ministério tem uma política de expansão dos pontos de cultura, mas os recursos demoram a atingir seu objetivo porque encontram inúmeros obstáculos burocráticos, oriundos de um Estado ainda despreparado.

Perto do final do seu depoimento, a ministra abordou a questão da pirataria, citando o caso de um produtor de cinema que sofreu um enorme prejuízo financeiro. Daí pronunciou a frase infeliz, mas que tinha sentido dentro daquele contexto: de que a internet iria matar a produção cultural. O sentido era que a pirataria representava um prejuízo à indústria do cinema. Isto é um fato. Os ativistas da cultura digital não podem desprezar a realidade da indústria do cinema. Diretores, produtores, distribuidores arriscam seus últimos centavos para lançar um filme, e precisam de garantia de que o mesmo não será prejudicado pela pirataria. Filmes custam caro, há muitos empregos envolvidos, e me parece evidente que o cinema brasileiro terá que se desvencilhar, dia ou outro, da dependência exclusiva do financiamento estatal. Os ativistas cultuam Matrix, por exemplo, então devem entender que este é um filme que só foi possível porque seus produtores investiram com independência e tiveram retorno financeiro.

A acusação de que a Ministra “odeia a internet” é um slogan fácil, feito para demonizá-la. Ela nunca se manifestou claramente neste sentido. Imagino que ela talvez não seja uma fã incondicional da rede, mas também nunca falou que “odeia’. Falta-lhe, de qualquer forma, maior sensibilidade para se posicionar, em público, de maneira mais transparente sobre o que pensa sobre a internet. Bem, talvez não pense nada. Talvez não entenda nada de internet, o que seria um déficit que ela deveria se esforçar para sanar urgentemente.

Quanto às suas relações com o Ecad, aí acho que ela merece todas as críticas, mas novamente vemos o radicalismo prejudicando a justiça das manifestações. Em sua entrevista recente à Folha, o ex-ministro Juca Ferreira reforça o que ele e Gil jamais negaram: a defesa do direito autoral:

E direito autoral é a forma de reconhecimento do trabalho criativo e o retorno do artista. Isso é inquestionável, e nós não seríamos doidos, nem malucos, nem Gil esquizofrênico de negar esse direito básico.

E durante sua gestão,  Gil ou Juca jamais tocaram no Ecad, nem na lei dos direitos autorais, apenas formularam um projeto de lei, que foi enviado enfim pela pasta de Ana. Juca denuncia que ela foi alterada, mas não foi isso que eu li quando ela foi enviada. Eu li que a Lei dos Direitos Autorais enviada por Ana à Casa Civil repetia, praticamente na íntegra, o projeto da gestão anterior, apenas com alguns  ajustes. Incluiu-se até um dispositivo que obriga o Ecad a dar transparência a seus contratos, sob supervisão do Ministério da Cultura.

Segue abaixo algumas das reações publicadas na imprensa ao projeto de revisão da lei de direitos autorais enviada pela atual gestão à Casa Civil:

“Se o projeto de lei que o Ministério da Cultura (MinC) enviou à Casa Civil fosse uma obra autoral, seria um plágio, tamanha é sua semelhança com a versão do ex-ministro Juca Ferreira.” Esta é a conclusão do professor e pesquisador em direito autoral da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Allan Rocha.

— Mas essa semelhança é uma ótima notícia — ele pondera. — Grande parte dos avanços obtidos na gestão passada, inicialmente criticados por Ana de Hollanda, continua. Se esse projeto passar assim, os autores terão conquistado maior proteção em suas relações contratuais e ampliado seus direitos. Para empresas e investidores, haverá mais segurança jurídica em suas atividades. Já a sociedade terá sido ouvida em sua demanda por acesso justo e legal aos bens culturais.

Bruno Lewicki, vice-presidente da Comissão de Direito Autoral da OAB-RJ, concorda que a versão de Ana é “idêntica” à de Juca, e que, por isso, poderá pôr o Brasil “no mapa-múndi do direito autoral contemporâneo”:

— Pontos que já foram polêmicos viraram consenso, como a ampliação dos usos livres.

Mas ele acha que “se perdeu a oportunidade” de criar uma fiscalização rigorosa do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e das associações de gestão coletiva.
— O MinC amenizou — diz.

Sydney Sanches, presidente da Comissão de Direito Autoral e Propriedade Industrial do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), discorda:

— O sentimento que fica (após a leitura de trechos da lei) é que há um desejo do poder público de intervir ou controlar o direito dos criadores, e isso causa extrema insatisfação. A gestão coletiva foi criada pelos e para os criadores, e eles são e devem continuar sendo os gestores. Não me parece lógico um projeto que possua lacunas e que admita a interferência indiscriminada do Estado. O projeto é paternalista e demagógico.

Alexandre Negreiros, especialista em direito autoral que assessora o senador Randolfe Rodrigues na CPI do Ecad, elogia a ideia de o MinC poder autorizar associações a atuar na gestão coletiva do direito autoral e exigir que elas apresentem documentos anualmente para continuar ativas. Mas queria mais:

— O novo projeto estabelece uma supervisão estatal dependente do judiciário. Apenas simula a regulação — dispara.
Pablo Ortellado, do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP), alerta para um risco:

— Ao prever um registro único de obras administrado pelo MinC, o projeto contraria a Convenção de Berna, que livra o direito autoral de entraves burocráticos, e emperra licenciamentos livres na internet, como o Creative Commons.
Ortellado aprovou, por outro lado, a permanência do artigo que estava na lei de Juca e que previa reprodução, tradução e distribuição livres de trechos de obras no ambiente acadêmico. A medida lhe parece “crucial”.

Daniel Campello, advogado de direitos autorais e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que o projeto de Ana sustenta os avanços negociados com Juca em relação a contratos:

— O texto define o que é a cessão de direitos, uma lacuna na lei atual, delimita a figura da licença e dá ao autor maior ingerência na administração de suas obras. É o bem-estar do autor em primeiro lugar, exatamente como acertado com Juca Ferreira.

A crítica mais séria aí, portanto, é que o Minc da Ana teria “amenizado” com o Ecad, em relação ao projeto anteriormente elaborado por Juca, mas todos elogiam o fato do projeto criar um dispositivo que obriga a entidade a preparar um relatório anual a ser supervisionado pelo Ministério, o que já é um avanço relevante em relação ao que temos hoje, em que o Ecad não tem transparência.

Se o projeto de lei for aprovado teremos dado muitos passos à frente, posicionando-nos vantajosamente em termos internacionais,  sem contar que ele sempre pode ser aperfeiçoado (ou mutilado) pelo Congresso Nacional.

Recentemente, vimos mais um sinal do Ministério da Cultura em prol da cultura livre: o envio de um projeto de lei liberando xerox de livro inteiro. Ora, é mais um projeto que foi discutido no âmbito da antiga gestão, mas só foi efetivamente enviado nesta, e logo em seu início.

Gostaria de fazer uma crítica à deselegância do Juca Ferreira em sua entrevista à Folha. Ele diz que não acompanha o dia a dia do Ministério, que está muito longe, que não é a melhor pessoa para criticar, e aí diz que “é um desastre”? Sobre os pontos de cultura, veja só a “objetividade” do ministro:

Não sou a melhor pessoa para avaliar. Estou longe. O Atlântico é mais do que uma poça d’água. Mas sei que se perdeu muita coisa. Vejo um nível [alto] de reclamação dos Pontos de Cultura. Parece que está bambo das pernas. Não por divergência, me parece que por dificuldade de implementar.

Parece que está bambo das pernas? Parece? Suas críticas são levianas. Ele não apresenta nenhum dado. Confessa mesmo que apenas “ouve um nível alto de reclamação”, e mesmo assim é intrépido o bastante para qualificar de “desastrosa” a gestão de sua substituta! Se fosse realmente elegante, ele teria estudado melhor o assunto e apresentado proposições para ajudar o ministério a dar solução aos problemas. A entrevista inteira exala rancor. Juca foi um excelente ministro, mas apegou-se ao cargo, o que lhe fez encerrar mal sua gestão, fazendo campanha para continuar. E agora é um péssimo e deselegante ex-ministro, ao jogar lenha na fogueira.

Tudo isso ajuda a criar uma atmosfera extremamente desagradável de conspiração. Lembro que um prestigiado marxista canadense publicou um artigo, no início do governo anterior, acusando Lula de ser um espião da CIA. Daqui a pouco estão fazendo a mesma coisa com Dilma. Já estão perto disso, como se pode ver pelo tom de paranóia porque o GSI (Gabinete de Segurança Institucional), um dos órgãos de inteligência do governo federal, recebeu visita de uma analista da Stratfor. O relatório da moça vazou pelo wikileaks, mas o conteúdo revela que a manceba não recebeu informação estratégica nenhuma, tirante as bravatas que o general contou à moça sobre o Brasil prender terroristas e divulgar que são presos por outros crimes. Como sabemos se é verdade? Pode ser bravata do general, e pode ser exagero da moça para esquentar seu relatório, conforme o próprio wikileaks mostrou ser prática corrente na empresa. A comunidade de inteligência troca informações, nem sempre verdadeiras, e seus membros se visitam, para trocar ideias. A Stratfor era considerada (até o Wikileaks puxar-lhe o tapete)  uma das principais agências de análise geopolítica do mundo, com grandes clientes privados e estatais. É normal, portanto, que seus analistas fossem recebidos por empresários e autoridades.  O Palácio do Planalto recebe, diariamente, empresários, sindicalistas, políticos, turistas, gente de toda sorte. Analistas indianas de beleza deslumbrante não são discriminadas.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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