Substanciando o debate econômico 2

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(Ilustração da capa: Basquiat)

Lembro-vos mais uma vez que quarta-feira é o dia econômico do Cafezinho, que hoje está muito bom, trazendo análises e estatísticas que te permitirão, sem falsa modéstia, arrancá-lo da postura deprimente e confusa que o lobby da Fiesp e da CNI, em parceria com a grande mídia, tem lançado boa parte da opinião pública.

Começam a despontar opiniões mais sensatas e mais embasadas sobre o tema da “desindustrialização”. Hoje tem um artigo de opinião no Estado que adverte o governo para a necessidade de uma política industrial que estimule os segmentos mais produtivos e promissores, ao invés de se tornar uma bengala provisória para setores em decadência. Achei muito interessante porque a coluna traz informações que falam em perda de produtividade em vários segmentos. O agronegócio, por outro lado, comumente desprezado por alguns como setor atrasado, na verdade tem sido campeão em aumento de produtividade, o qual só se pode obter através do incremento em pesquisa, tecnologia e inovação. Há, portanto, uma certa inversão de valores quando se analisa o peso do agronegócio na economia brasileira, para a qual o complexo de vira-latas contribui bastante. Mas os dados que apresento a seguir mostram que o setor industrial brasileiro continuou apresentando, até fevereiro deste ano, uma performance bastante positiva em nossa balança comercial.

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O Celso Ming, no Estadão,  lembrou em sua coluna de ontem que as indústrias brasileiras adquirem muitos insumos lá fora, o que é uma tendência global, e que, portanto, há um lado útil do câmbio forte para nossas fábricas. Ele permite que elas consigam insumos mais baratos, tanto os industriais como matérias-primas. Esse é mais um argumento que vai fundir a cuca dos profetas do apocalipse.

Ele publica inclusive uma tabelinha parecida ao que já tínhamos publicado por aqui na semana passada.

Observe que a importação de bens de capital atingiu 48 bilhões de dólares em 2011, um recorde histórico. Bens de capital são máquinas usadas pelas indústrias, e se estas estão comprando mais máquinas é porque planejam produzir mais. Esse dado contradiz a tese da desindustrialização.

A utilidade do câmbio forte para indústria pode ser constatada no fato de que as nações mais industrializadas do mundo sempre exibiram as moedas mais fortes. A moeda desvalorizada beneficia, na verdade, a exportação de commodities, ou de insumos industriais de baixo teor tecnológico, como ainda é o caso da China.

Ontem circulou um novo dado que motivou outra série de mistificações simplistas na mídia. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou um relatório estatístico onde mostra que aumentou, como percentual do todo, o consumo de bens industriais no Brasil. O lobby da CNI e Fiesp na mídia brandiu o número com ar triunfal. Ninguém parece ter dado muita bola para outro dado importante: que a exportação industrial também melhorou sensivelmente, e nos setores mais estratégicos.

Repare no gráfico abaixo. O coeficiente de exportação é o percentual da receita de exportação na produção total da indústria. 2011 experimentou o segundo aumento consecutivo do índice, atingindo 19,8%.

 

Se as indústrias estão importando e também exportando mais, o que isso significa? Que estão se integrando mais intensamente nas cadeias internacionais, o que é uma das principais características dos setores industriais em países avançados. Observe que o coeficiente de exportação do setor de máquinas e equipamentos registrou alta de 16% para 19,9% entre 2010 e 2011. O de metalurgia, de 23% a 30%. Ambos são setores estratétigos. A indústria metalúrgica forma um dos setores chamados “pesados” ou “de base”, e sua expansão e sofisticação fortalece os fundamentos industriais de um país. O setor de máquinas e equipamentos é a indústria de base em si, e um país que aumenta sua penetração internacional neste segmento, exportando e importando mais, demonstra dinanismo industrial, não o contrário. Por fim, o forte aumento do coeficiente de exportação da indústria têxtil revela que o setor, que é um dos que mais sofrem com a invasão de produtos asiáticos, está conseguindo, em alguma escala, usar a força dos adversários em seu próprio benefício. O coeficiente de exportação dos têxteis registrou um forte salto em 2011, passando de 9,9% para 13,6%!

A tabela abaixo, com resultados por setor, mostra como a maioria dos setores industriais ampliou sua presença internacional, importando e exportando mais. É possível ainda fazer uma boa análise das principais características da indústria brasileira a partir desses dados. Por exemplo, é possível identificar quais os setores mais “independentes”, ancorados no consumo interno, como é o caso dos eletrodomésticos, e quais possuem mais presença externa. O setor de eletrodomésticos cresceu muito nos últimos anos, mas suas exportações caíram, porque ele mal dá conta do consumo interno. Todo ano faltam produtos nas prateleiras, porque os brasileiros vem aumentando a um ritmo muito forte suas compras de produtos como ar condicionado, geladeira, fogões, etc.

 

O que vemos até aqui, portanto, é que o governo está muito preocupado com a manutenção da base industrial brasileira. Entretanto, no afã de ser “desenvolvimentista” pode estar cedendo em demasia a um determinado lobby que apresenta um quadro de deterioração que não corresponde exatamente à realidade. Há setores em crise, mas sempre haverá setores em crise na indústria, desde que o setor industrial é, por excelência, o que mais vive a dura vida do capitalismo concorrencial. Mas é preciso separar o joio do trigo. O Brasil tem de investir em inovação, tecnologia, formação de mão-de-obra, racionalização e simplificação tributária (não necessariamente redução dos impostos) e investimento maciço em infra-estrutura. Essa é a verdadeira deficiência brasileira. Aumentar o protecionismo, como o governo fez com os carros mexicanos, vai na contra-mão do interesse brasileiro de que los hermanos aumentem a compra de nossos manufaturados, como aliás já fazem. A maior parte dos manufaturados brasileiros vai para a América Latina, então porque cargas d´água vamos impor barreiras protecionistas aos carros mexicanos? Isso atrapalhará o marketing para que eles comprem nossos ônibus, bulldozers, tratores, reboques e caminhões, setores nos quais o Brasil é imbatível.

*

E para vocês verem como vale a pena ser assinante do Cafezinho, eu trouxe três tabelas com números da exportação brasileira nos últimos 12 meses (até fevereiro). Você pode ampliá-las clicando nelas.

Eu comento ao pé de cada uma.

Na tabela acima, temos uma relação de todos os produtos exportados, agrupados em capítulos. Os dois principais capítulos que reúnem os produtos industriais brasileiros são os cinco e o seis. O número 5 refere-se a todo tipo de máquina com motor. O número 6 corresponde a todo tipo de equipamento de transporte (veículos, tratores, caminhões, autopeças, etc). Repare que as exportações brasileiras de máquinas cresceu 21% nos últimos 12 meses e 222% na comparação com 2002/03. Já a exportação de autopeças cresceu 14% em 12 meses e 198% desde 2002. Nas tabelas seguintes, analisaremos em detalhes esses dois grupos.

Repare que os itens que encabeçam este grupo registraram forte alta nos últimos 12 meses. Aliás, dos 20 principais itens deste grupo exportados nos últimos 12 meses, somente os itens “torneiras” e “ceifeiras-debulhadoras” registraram quedas, e somente um ficou estagnado com declínio de 0,6%: o item 17. A exportação de “outros bulldozers”, que é uma espécie de trator usado na construção civil, por exemplo, saltou 65% nos últimos 12 meses e 517% desde 2002. Com isso, vê-se bem que alguns setores da indústria vão muito bem, obrigado.


(Um bulldozer)

Na tabela acima, também se pode notar que dentre os 20 principais itens do grupo de equipamentos de transporte, somente cinco registraram queda na exportação nos últimos 12 meses. Entre os oito principais, todos aumentaram suas vendas, com destaque para o item 2 (automóveis com motor de 1000 a 1500) e 3 (tratores rodoviários para semi-reboque), cujas exportações cresceram 29% e 60% nos últimos 12 meses, respectivamente.
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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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