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(Ilustração da capa: Madonna e Bambinno, de Giotto.)
Sexta-feira é dia de cultura no Cafezinho. Semana passada tive que mudar a agenda para apagar um incêndio do noticiário econômico. Aliás, o que eu fiz explica e é explicado em grande parte pelo espaço subalterno que a cultura ocupa no debate público. Mas não vamos lamentar o que é uma coisa natural. O ser humano precisa comer (economia) e ter um mínimo de organização social (política) antes de relaxar fazendo desenhinhos na parede da caverna (cultura). Além do mais, a cultura, à diferença do ambiente assertivo e repleto de certezas, crenças e ideologias dos outros dois universos, é um espaço misterioso, no qual entram em jogo fatores subjetivos e filosóficos que envolvem tanta polêmica, dúvidas e questionamentos, que o debate público quase sempre prefere deixar o tema de lado. Às vezes é até melhor assim. Antes ficar quieto do que falar besteira.
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Ou não, como diria o baiano. O debate público, assim como a natureza, odeia o vácuo, e o espaço é preenchido por alguém, em geral pela mídia corporativa, que publica diariamente todo-poderosos cadernos culturais que exercem ainda mais influência sobre este universo do que seus cadernos políticos e econômicos o fazem em seus respectivos ambientes.
A arte, que libertou-se da tutela dos governos, encontrou na mídia um novo senhor ainda mais severo. Você encontrará esse pensamento bastante difundido entre os autores clássicos contemporâneos que pensaram a questão: Walter Benjamin, Adorno, Ernest Fischer, etc.
Eu prefiro, no entanto, acreditar que houve uma evolução dialética natural. A mídia é um patrão opressor, mas é melhor depender dela do que do Estado, cujos tentáculos burocráticos são organicamente refratários à liberdade criativa. A existência de uma grande mídia concentrada é uma fatalidade contemporânea, imposta pela história e pelas circunstâncias.
A internet e as redes sociais formam a antítese dialética da mídia concentrada e surgem igualmente por uma necessidade histórica.
Não seria justo afirmar que a internet calou a boca dos chatos de Frankfurt. Ao contrário, a força atual da rede tem origem nas mesmas demandas, carências e opressões denunciadas por filósofos marxistas ou pós-marxistas do passado recente. Denúncias estas que formaram a corrente de energias subversivas que mudaram o mundo.
A história da cultura segue evoluindo no mesmo ritmo dialético que dita as mudanças políticas. Na superfície, as mudanças parecem irritantemente lentas, e a própria irritação configura um elemento fundamental na criação de tensões psíquicas coletivas que gerarão as mudanças.
Entretanto, cultura talvez seja um universo mais ligado ao conservadorismo do que à mudança. As mudanças culturais acontecem à revelia da vontade de seus agentes. Escritores, por exemplo, quase nunca apreciam novas tecnologias, e entre os que apreciam, arrisco-me dizer, a maioria são oportunistas.
Não me refiro aqui a um conservadorismo ideológico, sinônimo de reacionarismo, que na maioria das vezes assume um discurso meio caricato meio fascista, com seus representantes defendendo suas ideias com agressividade quase antisemita.
Falo daquele conservadorismo do tipo: ainda gosto de ler romances, em livros de papel; ainda gosto de pinturas renascentistas; ainda gosto de música clássica. É uma postura quase sempre nostálgica, voltada ao culto do passado, e talvez esta seja uma razão pela qual muitos eruditos acabam se tornando efetivamente conservadores políticos. Não foi à tôa que Merval Pereira se tornou imortal.
Daí se produz uma dicotomia profunda na política cultural. As polêmicas em torno do atual Ministério da Cultura possivelmente se originam desse fato: de um lado uma classe artística (ou consumidora de arte) tradicional, conservadora, que entende cultura da maneira clássica, ancorada em seu prestígio, consolidado na grande mídia; de outro, um grupo numeroso de teóricos e ativistas, acadêmicos ou não, ligados a conceitos revolucionários, contemporâneos, com suas ideias inovadoras e subversivas sobre direito autoral, criação coletiva, partilhamento de dados, etc, cuja força reside nas redes sociais.
O Ministério da Cultura de Gilberto Gil era mais ligado ao segundo grupo, embora o primeiro continuasse influente na política cultural. A gestão atual vincula-se claramente ao primeiro. E temos uma situação curiosa: Lula não tinha nenhuma presunção de entender de cultura clássica. Já escrevi alhures que Lula é o tipo de personagem que inspira livros, uma figura poderosamente criativa, dotado de um talento incrível como orador político. Neste sentido, Lula é bem mais artista do que Dilma. A nossa presidente é do tipo austero e sem graça que simplesmente lê livros, mas não os inspira, sequer os escreve. Ironicamente, é uma figura mais comum que Lula, apesar da identificação deste último com o homem do povo.
Lula representa o homem do povo excepcional. Dilma simboliza uma senhora comum de classe média, e não a nova classe média, mas aquela convencional, que viaja à Europa para conhecer seus museus.
Claro, ela não é só isso. Não fosse seu charme guerrilheiro, sua história de participação na luta armada, sua prisão e tortura quando jovem, talvez nunca tivesse obtido notoriedade política. Teria vivido uma existência pacata e tranquila. Talvez tivesse se tornando dirigente de alguma grande empresa privada, ou pública, mas nunca uma presidente.
Confesso que me identifico com Dilma nesse ponto. Também pertenço a esta classe média convencional, ambiciosa por alta cultura, que visita museus quando viaja à Europa. Mas sou um híbrido, porque minha formação também se deu nas lides deste admirável mundo novo internáutico.
Como ia dizendo, Lula, por não ter pretensões em termos de cultura, deixou o terreno livre para que os grupos ligados a esses novos conceitos ocupassem espaço no governo. Dilma, com seu cultivado verniz cultural, mesmo que também não se imiscua no tema, tende a favorecer o lado mais conservador, que representa o que ela mesmo entende como cultura.
Quanto às conclusões, não as tenho. [/s2If]