Os desafios da presidente: Enfrentar é preciso

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(Ilustração: George Baselitz)

Dilma é uma boa presidente? A julgar pelos jornais, a presidente tem, sistematicamente, metido os pés pelas mãos.

Cristian Klein, colunista do Valor, sintetizou as críticas à falta de traquejo político da presidente, em artigo intitulado “Presidencialismo de Colisão”. O mote, naturalmente, foi a troca das lideranças do governo nas duas casas legislativas, e a insatisfação crescente (segundo a mídia) de alguns partidos da base aliada com a maneira pela qual o Planalto tem conduzido a relação com os parlamentares.

A maioria dos analistas tem comparado a inabilidade dilmista à astúcia de Lula. Eu quase me deixei levar pelo raciocínio de Klein, que é bem articulado, apesar de algumas inconsistências evidentes. Ele cita uma cena do filme Dama de Ferro, onde a Margareth Tatcher humilha um de seus principais secretários numa reunião ministerial. O gesto corresponde a um erro político fatal, porque o secretário se demite e se torna um dos líderes de um movimento no interior do partido conservador que derrubará Tatcher.

De fato, um presidente deve tomar cuidado para não agir de maneira a produzir ressentimentos entre seus próprios aliados. Mas a situação de Tatcher já estava frágil por causa de sua altíssima rejeição junto à sociedade. O filme mostra um pouco disso também: a era Tatcher foi marcada por violentos protestos de rua contra o neoliberalismo cruel que ela impôs à Inglaterra, que gerou desemprego, recessão e caos social. Mas o filme conta a história apenas na versão de Tatcher, tratada como uma espécie de heroína.

No governo Dilma Rousseff, a situação é a oposta. Ao final de seu primeiro ano de governo, Dilma goza de alta popularidade e o desemprego no país atingiu o mais baixo nível da história: 5,8% segundo o IBGE, os salários cresceram acima da inflação para a maioria dos trabalhadores, e os programas sociais foram ampliados.

Ou seja, Dilma pode até ser uma dama de ferro no trato com seus subordinados e com membros do Parlamento; para o povo brasileiro, a sua imagem está mais para uma mãezona severa mas extremamente dedicada e amorosa.

Então eu pensei se seria correta a comparação entre a inabilidade política de Dilma e o incomparável jogo de cintura do ex-presidente. De fato, Lula é único. Mas o primeiro governo Lula por acaso foi um mar de rosas em termos de estabilidade política e relação entre Executivo e Legislativo? Não, não foi. Em seus primeiros anos de governo, Lula colecionou derrotas no Congresso, viveu uma das maiores crises políticas da história republicana, foi “traído” diversas vezes (inclusive por muita gente do PT), e teve sua popularidade fortemente corroída, sobretudo entre a sempre barulhenta e influente classe média.

A memória é fraca e tendemos a lembrar somente do último ano de Lula, durante o qual ele surfou numa popularidade olímpica e foi beneficiário de um momento de grande crescimento econômico no país.

Entretanto, dou um pouco de razão à Klein e aos analistas que falam da inexperiência de Dilma no trato com as raposas do Parlamento. Ninguém nega-lhe, porém, boas intenções e desejo de estabelecer parâmetros mais republicanos nesta relação. Uma das principais razões do atrito entre partidos e a presidente é o desejo (também algo autoritário) de algumas lideranças partidárias de impor os nomes de sua preferência no ministério. Estão certos, do ponto-de-vista de seus próprios interesses políticos. Mas a presidente também está certa em não aceitar qualquer nome, mesmo que o preço seja alguma tensão política.

Por exemplo, o Panorama Político do Globo abre hoje com a seguinte nota:

 

 

Se o episódio ocorreu assim, houve talvez deselegância por parte da ministra Ideli Salvati, mas dá para entender perfeitamente o temor de Dilma Rousseff em entregar o file-mignon do governo federal, a pasta que mais movimenta recursos no país, a César Borges, ex-senador pelo DEM, ex-homem forte de ACM! A reação de Blairo Maggi, de levar sua bancada para a oposição, foi ridícula: uma pirraça típica de uma elite acostumada a ver suas vontades imediatamente satisfeitas.

Não é só a presidente, portanto, que “não gosta de ser contrariada”.

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Em relação ao PMDB, os analistas reagiram com perplexidade à destituição de Romero Jucá da liderança do Senado. Todos aqueles que criticavam acerbamente o espaço concedido à trinca Sarney, Renan e Jucá, e o fisiologismo que eles representam, agora se voltam contra a decisão da presidente de tentar mudar a relação de forças no Senado.

Dilma se arriscou, é verdade, e pode ter cometido um grave erro político.  Mas Lula também cometeu erros terríveis no primeiro mandato, assim como todos os presidentes anteriores.  Pode ter sido um erro impor limites ao fisiologismo de Sarney e Renan Calheiros, mas ninguém negará as boas intenções, e terá sido um erro bem menor do que a tentativa do PT de angariar apoio dos partidos aliados através da partilha generosa de um caixa 2 milionário, naquilo que ficou conhecido mundialmente como “mensalão”.

Mesmo que tenha errado, Dilma mostrou-se assertiva e enérgica. Somente o futuro dirá se ela errou ou não.

A presidente entendeu não precisa tanto do Congresso como o Congresso precisa dela. Mesmo em relação ao Código Florestal, o Planalto entendeu que pode resolver algumas pendências mais urgentes, como a permissão do plantio em encostas (fato que desespera milhares de pequenos cafeicultores, hoje postos na ilegalidade) através de uma lei ordinária.

Temos a Lei da Copa, que o Parlamento não terá coragem de sabotar indefinidamente e, mesmo assim, o seu atraso não impede que os preparativos continuem avançando.

De qualquer forma, a tal “rebelião” do Congresso tem acontecido muito mais na mídia do que na vida real. Hoje a Folha publicou um gráfico ilustrando a “fidelidade” dos partidos às propostas do Executivo:

 

 

Esses dados mostram não apenas uma base extraordinariamente unida, mas sobretudo o sucesso do Executivo em construir consensos inclusive entre parlamentares que não integram o governo nem são – oficialmente – aliados.

Algumas análises dão conta ainda que as movimentações do Planalto têm como pano de fundo a tentativa de mudar a relação de forças no interior da base aliada, e impedir, entre outras coisas, a eleição do Henrique Alves à presidência do Congresso. Ora, se for isso, Dilma terá o apoio de muitos parlamentares, hoje silenciados por suas lideranças e, sobretudo, de vastos setores sociais. Alves representa o setor mais odiosamente fisiológico do PMDB; é bem sintomático que tenha sido justamente essa ala a que reagiu com mais agressividade à troca de lideranças.[/s2If]

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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