Substanciando o debate econômico

Tenho observado que os debates políticos carecem, frequentemente, de substância. Fala-se em retrocesso ou avanço com base em impressões totalmente subjetivas, muitas vezes na contra-mão dos dados. Quando o assunto é economia, a falta de conteúdo me parece particularmente triste.

A mídia impressa traz hoje poucas novidades em matéria política: algumas conjecturas um tanto suspeitas sobre como se comportarão os partidos da base aliada em São Paulo; e uma nota do Panorama do Globo segundo a qual o deputado Brizola Neto (PDT-RJ) será o novo ministro do Trabalho.

Na Folha, temos um artigo de Aécio Neves criticando a política econômica do governo. No Estadão, o manchetão é uma “denúncia” na mesma linha:

Nada como um dia atrás do outro. Há poucas décadas, cerca de 70% da exportação brasileira dependia de UM só produto, o café. Hoje, o Estadão tenta escandalizar a sociedade porque 47% da nossa exportação depende de seis produtos. Nem vamos nos lembrar que, na Venezuela, 80% da exportação advém de um só produto, o petróleo; situação similar vivida pela Bolívia, para o gás.

Seja como for, a matéria do Estadão remete, mais uma vez, ao debate sobre a industrialização brasileira. Eu acho maravilhoso que a imprensa e a sociedade estejam se interessando pelo tema. Mas é preciso que as pessoas tenham acesso às estatísticas, e as analisem com isenção e objetividade.

Hoje eu preparei mais tabelas para subsidiar o debate sobre a industrialização. O que eu tenho notado é que a mídia tem batido exclusivamente na tecla dos percentuais de participação da indústria, tanto na exportação como no PIB, mas quase nunca informa ao público os números reais. Isso me aborrece, porque gera muita confusão. Eu entendo que a indústria brasileira passa por dificuldades, mas acho também que só podemos fazer um debate honesto se pusermos as cartas na mesa.

Observe, na tabela abaixo, por exemplo, que a importação de bens de capital cresceu de 10 para 48 bilhões de dólares de 2003 a 2011. Bens de capital são máquinas para indústria. Este é um dado, portanto, que nos obriga, no mínimo, a repensar a tese da desindustrialização. Se as indústrias estão renovando seu maquinário, não é porque estão se desindustrializando, e sim o contrário. Analisando o número mais de perto, vemos que o o principal item é “maquinaria industrial”, cuja importação passou de 3 para 16 bilhões, um crescimento de 378% em oito anos.

Olhando o outro lado da moeda, a exportação, temos uma situação que nos impõe o mesmo questionamento. A exportação brasileira de bens de capital cresceu de 9,1 bilhões para 23,37 bilhões de dólares em 2011, um aumento de 250%.

 

 

 

A tabela abaixo, que eu já havia publicado por aqui, divide as exportações brasileiras por fator agregado. Observe que as exportações brasileiras de manufaturados crescem de 79 para 92 bilhões de dólares entre 2010 e 2011.  Também não é um dado, portanto, que fortaleça muito a choradeira da Fiesp.

Claro, se formos nos apegar em percentuais de participação, veremos declínio no peso relativo da indústria na exportação. Mas se as exportações de manufaturados registraram um forte crescimento em 2011, eu não entendo qual o problema.

De qualquer forma, vê-se que os manufaturados representavam apenas 6% da exportação brasileira em 1964; nos anos anteriores, esse percentual era ainda menor.  Esse percentual hoje é de 38%. A manchete da Folha de uns dias atrás, insinuando que a indústria brasileira voltou ao anos 50, é totalmente absurda.

 

Temos que cuidar para que alguns industriais, muito bem organizados em sindicatos patronais, e com apoio inclusive de centrais de trabalhadores, não repitam o que os exportadores de café fizeram com o Brasil durante muito tempo: pressionaram desvalorizações cambiais para suprir um problema estrutural, prejudicando severamente a renda do trabalhador urbano.

Eu acho que o governo deve conduzir uma política industrial responsável, incentivando os setores que merecem ser incentivados, e a questão cambial deve ser tratada com a relevância que merece. Não nos esqueçamos, todavia, que a valorização da moeda nacional (que tanto desagrada aos industriais exportadores) corresponde a uma elevação real da renda média per capita. Se o governo e a sociedade entenderem que é preciso desvalorizar o Real para tornar nossos produtos mais competitivos, tudo bem, mas sejamos francos e transparentes: desvalorizar o Real corresponde a depreciar nosso poder de compra.

Outra tabela que nos ajuda a entender melhor o quadro segue abaixo. Pena que os dados mais recentes são de 2010. Mesmo assim, já nos permite ter uma ideia de como a banda toca.

Por tudo que tenho visto nas estatísticas, entendi o seguinte: as exportações brasileiras de produtos industrializados, inclusive aí os de alta tecnologia, vinham crescendo  a um ritmo bastante acelerado até 2008, quando a crise financeira mundial virou o barco de muitos países. Em 2009, há uma forte queda nas exportações brasileiras de industrializados, mas que é retomada em 2010. Em 2011, a crise novamente traz dificuldades, embora não com a mesma força de 2009.

Pela tabela acima, observe que as exportações brasileiras de produtos industriais passa de 39 bilhões em 1996 para 128 bilhões de dólares em 2010. Considerando somente os produtos de alta tecnologia, as exportações saltaram de 2 bilhões em 1996  para 9,3 bilhões em 2010 (em 2008, chegaram a 11 bi).

Em todos os cenários, como se vê, topamos com um aumento gradual e firme da produção industrial e da exportação de produtos industrializados. O declínio se dá apenas relativamente (em percentual) à exportação de produtos básicos, porque estes experimentaram, de fato, nos últimos anos, uma evolução explosiva.

Então o que você sugere, Miguel, você perguntará. Você é a favor de controlar o câmbio?

Não. Eu sou a favor do câmbio livre. Não acho que o Banco Central tenha condições de impor um câmbio fixo sem incorrer no risco de fazer uma lambança jurássica e quebrar o país. O que certamente é uma boa ideia é aperfeiçoar os sistemas de controle de entrada de capitais. No médio prazo, porém, o câmbio livre sempre se ajusta. As distorções não duram muito tempo. Mesmo a China já está valorizando seu câmbio, e discutindo uma nova política interna, mais voltada para o consumo e menos dependente de exportação.

O câmbio forte reduz a competitividade do produto industrial de baixa tecnologia, mas eleva a capacidade das empresas para renovar o seu maquinário, que é justamente o que tem acontecido.

E quanto à desindustrialização, como detê-la?

Eu acho que o esforço principal deve partir dos próprios empresários. Acreditando talvez na mídia negativista, muitos industriais não investiram suficientemente na ampliação de suas unidades, o que permitiria vender maior quantidade por preço menor. As taxas de retorno praticada no Brasil são sabidamente superiores as que existem em outros países. A redução da desigualdade social somada ao crescimento econômico incorporou ao mercado dezenas de milhões de novos consumidores. Se os industriais não souberem se aproveitar disso, são incompetentes.

Precisamos entender, além disso, que a importância estratégica da indústria não reside em suas vertentes mais superficiais. Uma fábrica de copinhos de plásticos pode ser relevante para a geração de empregos numa determinada localidade, mas não tem importância estratégica para o país. Não podemos ter uma visão fetichista da indústria.

As indústrias estratégicas são as que constituem a base da economia: refinarias, siderurgias e indústrias pesadas voltadas para a construção civil. Esses setores estão muito bem, e vem crescendo inclusive a um ritmo bastante superior à média nacional. Temos grandes refinarias  sendo construídas pela Petrobrás e a Vale, finalmente, resolveu investir na construção de novas siderúrgicas, além da chegada, ao Brasil, de suas concorrentes  de Índia e China. Na construção civil, a situação também é de crescimento.

Dentre as indústrias ligadas aos setores de alta tecnologia, suponho que estejamos ainda engatinhando. Sei que há um pólo crescente em Jundiaí, mas gostaria de ter mais dados antes de me pronunciar.

Repare na tabelinha abaixo, do IBGE, referente à produção industrial de bens de capital em janeiro. Lembrando: bens de capital são as máquinas usadas nas fábricas.

No mês, houve queda em alguns setores, puxados pela parada temporária da produção de caminhões, mas outros registram alta acima do crescimento médio do PIB.  No acumulado de 12 meses, dos 9 setores relacionados, 3 caíram, e seis apresentaram crescimento. A produção de bens de capital para fins industriais cresceu 5,24% em janeiro, e 3,89% no acumulado de 12 meses. Esses números também ajudam a questionar a “desindustrialização”.

 

 

 

 

Ilustração: Andy Warhol.

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Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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