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O Brasil não voltou aos anos 50!

Hoje era dia de escrever sobre cultura no Cafezinho, mas sou obrigado a mudar mais uma vez a agenda para apagar um incêndio provocado pela Folha. O complexo de terceiro mundo baixou na Barão de Limeira nesta sexta-feira. Ao ler a matéria, o internauta que acompanha o Cafezinho deve estar se perguntando se eu não estou doido ou coisa parecida ao negar que haja desindustrialização no Brasil.

14 comentários
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Hoje era dia de escrever sobre cultura no Cafezinho, mas sou obrigado a mudar mais uma vez a agenda para apagar um incêndio provocado pela Folha. O complexo de terceiro mundo baixou na Barão de Limeira. Ao ler a matéria, o internauta que acompanha o Cafezinho deve estar se perguntando se eu não estou doido ou coisa parecida ao negar que haja desindustrialização no Brasil.

Em primeiro lugar, eu não nego nada, eu questiono. Há uma crise na indústria brasileira, por conta de câmbio desfavorável, concorrência asiática, falta de produtividade, problemas de infra-estrutura, juros altos. Mas há crise também na indústria de outros países, sobretudo nos desenvolvidos.

A realidade de muitos setores da indústria é de crise constante, por conta do dinamismo acelerado da economia mundial. O sujeito constrói uma fábrica de telefone, e no ano seguinte aqueles modelos são ultrapassados por um outro mais moderno produzido na Coréia do Sul. No Brasil, assistimos toda uma cadeia de indústrias têxteis e calçadista sendo desmantelada, há anos, pela concorrência asiática. Cada vez menos gente paga 300 ou 400 reais por um sapato, podendo pagar 40 ou 50 reais por um modelo importado da China. É complicado mesmo. Essas crises, cruéis mas inevitáveis, não correspondem a um processo de desindustrialização, porque não caracterizam, numa visão de conjunto, uma primarização da economia. Outras indústrias nascem. Outras indústrias não conhecem crise e continuam crescendo. As fábricas de sapato nos EUA e Europa já fecharam há muito tempo.

O jornal ilustra a matéria com esse lindo gráfico:

 

 

Muito interessante, mas o Brasil de 1956 era bem diferente do Brasil de hoje. O PIB brasileiro em 1956, total e per capita, era de um país pequeno e atrasado. Meia dúzia de indústrias no ABC paulista representavam, portanto, uma boa parcela do produto interno bruto.Na agropecuária, exportávamos café, mas nada de soja, milho, frango. A agropecuária brasileira moderna nasceu há 20 anos.

Mas não adianta falar, vamos aos dados.

Eu achei um blog de economia estadunidense que explica o seguinte: não é mais sequer correto chamar os países mais desenvolvidos de “países industrializados”. Há anos, as indústrias destes países vem migrando para nações mais pobres, onde o custo da mão-de-obra é menor. Usando números oficiais, a autora faz uma tabela com dados dos países que integram o chamado G20. Na tabela, vemos na última coluna da direita a participação percentual das manufaturas (ou indústria de transformação) no produto interno bruto dos países.

Repare que a indústria brasileira de transformação tem um peso de 15% no PIB nacional. Nos EUA, o país mais rico e com a economia mais diversificada no planeta, a participação do mesmo setor no PIB é de 13%! Na Alemanha  e Japão, países que não possem agropecuária nem indústria extrativa, o peso da indústria de transformação é maior, de 21%. Na Inglaterra, porém, a participação da indústria de transformação foi de 12% em 2008.

Há uns meses, eu escrevi um post aqui a partir de uma matéria publicada também na Folha, que trazia alguns dados que permitiam uma visão bastante positiva da indústria nacional. Naturalmente, a Folha ressaltou apenas os aspectos negativos, como a queda da participação da indústria brasileira entre os emergentes – por causa, claro, da China. Com base em números da Organização para Desenvolvimento Industrial (Unido), entidade coligada às Nações Unidas (ONU), os analistas entrevistados pelo jornal concluíram, contudo, que a indústria brasileira era uma das maiores do mundo! Não sou eu que estou dizendo. Repito um trecho da matéria da Folha:

O economista Júlio Gomes de Almeida, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), observa que esse patamar mantém a indústria brasileira entre as maiores do mundo. (…)

O economista da USP Carlos Eduardo Gonçalves, por sua vez, considera normal que a indústria cresça menos e perca espaço na economia. Ele observa que a industrialização do Brasil ocorreu com mais força nos anos 70 e que agora o país trilha o caminho dos países desenvolvidos, onde o setor de serviços ganha mais relevância.

 

A tabela acima mostra que o PIB industrial per capita no Brasil (Manufacturing Value Added – MVA per capita) em 2009 foi de US$ 594,08.  É um valor superior ao da Índia, Rússia e maioria dos países em desenvolvimento. A média do PIB per capita dos países em desenvolvimento em 2009 foi de US$ 282 (sem a China) e US$ 399 (com a China).

A tabela também traz a participação da indústria de transformação no PIB em 2009 (MVA as percentage of GDP).  Repare nas tabelas abaixo que esta participação vem caindo em todos os países, com exceção da China. Tirando a China, que é um caso à parte, a participação da indústria no PIB oscila entre 13% e 16% tanto na elite das nações emergentes como nos países desenvolvidos. Ou seja, houve uma tendência mundial de avanço do setor de serviços, acentuada com a chegada das novas tecnologias de informática, comunicação e internet.

O PIB industrial brasileiro per capita era superior ao da China até 2005. O caso da China é de uma excepcionalidade tão grande, todavia, que as estatísticas trazem colunas com e sem o país.

Alguém poderia indagar porque o PIB industrial per capita é tão alto nos EUA e corresponde a somente 13% a 15% do PIB? Ora, porque o PIB americano, que tem uma magnitude monstruosa, é baseado sobretudo no setor de… serviços. É a mesma coisa que acontece no Brasil. A economia brasileira vem crescendo a um ritmo constante há dez, doze anos, e se diversificando, com ênfase no setor de… serviços. Sendo que, no caso do Brasil, é preciso considerar o recente boom agropecuário, proporcionado pelas novas técnicas de irrigação, adubação e controle de pragas, que fizeram o PIB agropecuário brasileiro explodir. Este boom foi inflado ainda, nos últimos anos, pelo aumento no preço das commodities, outro fato que altera a participação dos setores econômicos, elevando a posição no ranking das atividades primárias e reduzindo a da indústria.

O aumento do PIB per capita possibilitou um grande aumento na importação e consumo de bens e serviços, o que também provoca mudança nos pesos relativos. A partir do momento em que as mulheres brasileiras podem ir com mais frequência ao salão de beleza, isso eleva o peso dos serviços no PIB e, consequentemente, faz cair o peso da indústria.

Enfim, o leitor pode ficar tranquilo: o Brasil não está voltando aos anos 50. A tese da Folha é absurda e ofensiva.

Quando se noticia que o investimento estrangeiro produtivo (não especulativo) no Brasil chegou a US$ 66 bilhões em 2011, não é porque o Brasil está vivendo um grande retrocesso. Os grandes capitalistas mundiais não são malucos de fazer investimentos de longo prazo num país que afunda. E os próprios investimentos estão vindo, em grande parte, para integrar projetos de ampliação ou criação de unidades industriais. Mesmo com todo esse dinheiro, não podemos esquecer que no Brasil, como todo país de economia diversificada, o setor de serviços é o que mais cresce. O Cafezinho é uma atividade, por exemplo, ligada ao setor de serviços. Não existia Cafezinho há pouco mais de um ano. Cada assinatura que obtenho representa uma pequena alta na participação do setor de serviços na economia brasileira, e uma pequena queda na participação da indústria. Para mim (e para o Brasil), está ótimo. Esse é o caminho seguido pelos países desenvolvidos. Esse é o caminho que o Brasil deve trilhar. Não entre na onda da Fiesp, que tem interesse em pintar uma crise industrial para arrancar redução de impostos e empréstimos a custo baixo do governo.

 

 

 

 

 

 

Ilustração da capa: Eugene Delacroix.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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Comentários

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spin

17/03/2012 - 19h14

Miguel, vc que acompanha o Globo,,…o comentarista jose adailton comentou num post no Nassif que a nota do Brasil sobre combate à corrupção teria piorado, merecendo nota 3,8, dada por pessoas que responderam sobre a percepção da corrupção no Brasil. Como isso é possível se há 4 meses a mesma pesquisa, publicada na BBC, indicou o contrário, ou seja, melhora nesta percepção, quando o Brasil levou nota 7,8.
Muito estranho, não é mesmo? http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/senador-

    Miguel do Rosário

    18/03/2012 - 01h50

    Esse lance de percepção de corrupção é uma pesquisa totalmente anti-científica. Esse índice deve ter sido muito bom na ditadura, onde a imprensa não noticiava corrupção. E bom também durante governos com mídia amiga, que também pegavam leve nos escândalos, nos editoriais e nos julgamentos morais.

Mucuim

09/03/2012 - 18h21

Folha, apenas uma manchete. A manchete da edição de sexta-feira (9/3) da Folha de S. Paulo remete o Brasil de volta aos meados do século passado, ao anunciar que “fatia da indústria no PIB retorna ao nível dos anos 50”. A explicação, logo abaixo, informa que a participação do setor industrial no Produto Interno Bruto caiu para 14,6%, “a menor desde 1956, primeiro ano do governo Juscelino Kubitschek”.
A notícia, veiculada antes na edição online do jornal paulista, ganhou imediata repercussão em outros endereços eletrônicos, como o da revista Veja, e produziu uma série de comentários de internautas contra o governo federal. … Leia mais: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/vie

MARCELO ABREU

09/03/2012 - 16h11

Pois é, Miguel, para termos uma ideia: em 1956, o café representava sozinho quase 80% das exportações brasileiras. Hoje, o Brasil exporta ainda mais café do que naquela época, mas este representa pouco mais de 1% das exportações brasileiras. A diversificação econômica do Brasil nos últimos anos tem sido extraordinária.

MARCELO ABREU

09/03/2012 - 15h41

Miguel, você deu uma aula sobre como se pode manipular dados mesmo falando a verdade. Abraço e obrigado!

    Miguel do Rosário

    09/03/2012 - 15h42

    Abraço, Marcelo.

Vivian Leigh

09/03/2012 - 15h39

O Brasil vive uma era de grandes investimentos industriais. A construção das maiores refinarias de petróleo da América Latina, que estão sendo feitas no Rio e Pernambuco, são investimentos industriais. O grande cinturão industrial próximo ao porto de Sepetiba, Rio, também refletem isso. Mas os grandes projetos industriais demoram para ficarem pronto, em média uns 10 anos, justamente por sua magnitude. O Brasil ficou sem grandes projetos industriais durante a década de 90, pq o governo FHC não oferecia perspectivas. Daqui a alguns anos, quando esses projetos iniciados há alguns anos, sob o governo Lula, ficarem prontos e começarem a dar frutos, aí veremos como teremos ampliado a nossa base industrial.

    Olívio D.

    09/03/2012 - 15h39

    Oxalá você tenha razão, Vivian. Que o vento não te leve desta vez! Rs.

O desempregado

09/03/2012 - 15h35

Ah, fala sério! Você continua tampando o sol com a peneira! Até quando! Vai esperar voltarmos a ser uam grande fazenda de café?

João Barbosa S.

09/03/2012 - 15h34

Impressionante a campanha sistemática da imprensa para pintar um quadro negativo e sombrio da economia brasileira!

Rosa Cavalcanti

09/03/2012 - 15h33

Que pena que não escreveu sobre cultura hoje, estava contando com isso :( mas gostei de ler esse post, você escreve com simplicidade sobre um assunto espinhoso. Beijos!

Renata Aragão

09/03/2012 - 15h32

A matéria da Folha já explodiu na blogosfera reacionária, com chamadas tipo: governo petista arrasta o país de volta aos anos 50. A intenção era essa, claro.

Antonio R.

09/03/2012 - 15h31

Miguel, tenho acompanhado seus textos sobre economia, e vejo que o seu diferencial é sempre oferecer um variado quadro estatístico, e que você nunca apenas dá sua opinião, mas referenda seus argumentos em números provenientes de fontes confiáveis.

Viviane Aranters

09/03/2012 - 15h29

Ainda bem que temos o seu blog, Miguel. Se dependêssemos da Folha para entendermos essa questão, teríamos nos suicidado há tempos! Beijos e parabéns pelo trabalho!


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