Depois do susto que o analista tomou ontem, ao verificar a queda na produção industrial em janeiro, o que lançaria por terra alguma das minhas teorias mais caras, hoje eu pude respirar aliviado após ler os jornais e examinar com mais calma os números do IBGE.
Entre os jornais, o que me trouxe alívio foi o Estadão, insuspeito de querer beneficiar o governo petista com um falso otimismo em relação à economia.
Tanto em seu editorial do caderno econômico, como na reportagem sobre a queda na produção industrial, o Estadão enfatiza que o declínio se deu, sobretudo, por razões extraordinárias e sazonais, com perspectivas, portanto, de ser revertido nos próximos meses.
As principais “razões extraordinárias” foram uma suspensão generalizada nas indústrias brasileiras de autopeças, por razões diversas: estoques excessivos, férias coletivas e, sobretudo, uma grande reforma nas fábricas de caminhões, em vista de uma nova legislação que obriga as empresas a adotarem modelos menos poluentes.
Para se ter uma ideia, a produção de caminhôes e ônibus (inclusive motores) sofreu uma queda de 66% em janeiro, na comparação com igual mês de 2011; mesmo com essa queda, no entanto, no acumulado de 12 meses, a alta deste setor é de 12,5%.
A grande indústria brasileira, como aliás em toda parte, é extremamente concentrada. Por isso, é sujeita a altos e baixos bruscos. Basta dois ou três grandes empresas interromperem suas atividades por algumas semanas, e cria-se um efeito cascata que gera paralisação em dezenas de subsetores econômicos. É o caso da indústria brasileira de transportes, a mais importante do país.
Em seu editorial, o Estadão observa que os setores de bens de capital que mais sofreram queda em janeiro, por razões que ele aponta como temporárias, registraram um bom desempenho nos últimos meses.
Na reportagem, esses fatores sazonais são explicados com mais detalhes:
“Houve paralisação quase completa das montadoras de caminhão. A justificativa foi se adaptarem a novos parâmetros de motorização, menos poluentes”, disse André Macedo, gerente da Coordenação de Indústria do IBGE, referindo-se à obrigatoriedade legal de uso de motores euro-5, movidos a diesel com menor parcela de enxofre.
O pesquisador lembrou que dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) apontaram queda de 75,8% na produção de caminhões em janeiro, em relação ao mesmo mês de 2011. A fabricação de automóveis também caiu, com a paralisação de algumas montadoras ou a diminuição do ritmo de produção, por causa do nível de estoque acima do ideal. O movimento afetou ainda a fabricação de peças, motores e chassis.
Outro vilão da indústria em janeiro foi o clima. As fortes chuvas que castigaram Minas Gerais prejudicaram a extração de minério de ferro na região. O infortúnio puxou uma redução de 8,4% na produção das indústrias extrativas, a segunda maior contribuição negativa para a taxa nacional de janeiro ante dezembro. Na comparação com janeiro de 2011, o recuo foi de 5,7%.
Economistas do governo e do mercado concordam que a indústria nacional deve experimentar crescimento moderado este ano. A matéria do Estadão fecha com a declaração do economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP.
O economista prevê que a recuperação da indústria deve se concentrar no segundo semestre, mas o PIB industrial em 2012 não passará de 2%.
Com base nessas informações, pode-se afirmar que o recuo da indústria em janeiro foi sazonal e deve ser revertido nos próximos meses, sobretudo a partir do segundo semestre. A tese de que o Brasil experimenta uma “desindustrialização”, portanto, precisa de mais argumentos para ser sustentada.
Reiteremos ainda que a perda da participação da indústria vis a vis setor de serviços é uma tendência inevitável de qualquer economia desenvolvida, conforme atestado pela literatura econômica. Se nos afligirmos cada vez que isso ocorre, viveremos infelizes pelo resto da vida.
A partir da década de 80, com a implementação de novas tecnologias robóticas, as indústrias reduziram drasticamente a mão-de-obra empregada, a ponto de se difundirem pelo mundo prognósticos sombrios sobre o futuro das taxas de emprego. Após alguns anos de ajuste, o desemprego voltou a cair, com a população economicamente ativa sendo absorvida pelo setor de serviços, que se diversificou e cresceu.
O declínio da participação da indústria na economia é proporcional à elevação da renda per capita. Uma análise sobre uma eventual desindustrialização no país, portanto, não deve se ater a esse dado, e sim procurar evidências de que a base industrial no país, como um todo, está encolhendo.
No Brasil, considerando a montanha de investimentos produtivos estrangeiros, e a consolidação de novas e gigantescas indústrias de base, como as refinarias da Petrobrás no Rio, Pernambuco e outros estados; e a implantação de novas unidades industriais de grandes multinacionais dos setores de energia, autopeças, siderurgia e até mesmo de tablets (vide o novo pólo da região de Jundiaí, SP), sugerem um aumento, não um recuo, do nível de industrialização do país.
Agora, uma coisa é o grande cenário e a expansão da base industrial. Outra são as dificuldades do dia-a-dia das empresas, em função da concorrência (desleal?) chinesa, o câmbio super-valorizado e a crise européia – que produz um recuo do poder de compra do europeu ao mesmo tempo em que barateia o manufaturado da região. Muitos analistas acusam ainda a indústria brasileira de não investir em aumento de produtividade, o que provavelmente é verdade.
De fato, por mais que o governo brasileiro adote medidas econômicas para impulsionar a indústria brasileira, nenhum auxílio oficial será suficiente se as empresas não se modernizarem. Uma coisa é sermos os maiores exportadores mundiais de café – isso é relativamente fácil, porque só no Brasil é possível produzir café na quantidade que o fazemos. Muito mais concorrido é o setor industrial, porque qualquer país do mundo pode produzir sapatos e guarda-chuvas. Basta construir uma fábrica, importar matéria-prima, contratar mão-de-obra e produzir.
Por fim, descobri um dado que me parece mais seguro para avaliarmos a evolução da indústria no curto prazo. É o índice de pessoal ocupado na indústria, ou seja, o nível de emprego no setor, segundo o IBGE. Pena que ainda temos dados somente até dezembro. É um número mais estável, porque as fábricas podem interromper suas atividades, mas os empregos permanecem. As demissões só ocorrem quando realmente há intenção de suspender ou reduzir, definitivamente, a produção.
Entretanto, temos de tomar cuidado com esse dado, porque transformações tecnológicas provocam mudança no nível de emprego; ou seja, uma fábrica pode reduzir pessoal e aumentar produção; esse tipo de mudança, porém, se dá mais no médio e longo prazo.
De qualquer forma, é um dado pouco observado na mídia, tanto a velha como as novas. Segundo o IBGE, as quedas no emprego industrial continuam concentradas nas problemáticas (em virtude da concorrência asiática) indústrias têxteis, de vestuário e calçadista. Há também uma queda forte nas indústrias de madeira e papel.
Nas indústrias mais importantes, porém, o cenário ainda é de aumento do pessoal. O pessoal ocupado na indústria de transporte cresceu 7% em 2011, e foi o principal aumento entre todos os setores. Ou seja, o segmento mais importante da indústria de transformação no país foi o que mais apresentou maior crescimento.
Confira a tabela abaixo.
Ilustração da capa: Doisneau, o famoso fotógrafo francês.