São Paulo, paulistanos e a eleição

São Paulo, o evangelista, tem tudo a ver com São Paulo, a cidade. Paulo, o cosmopolita, exortava os cristãos a serem tolerantes com outras religiões e costumes. “Cada um proceda segundo a sua convicção”, dizia, e assim conseguiu exportar o cristianismo para fora da Palestina, plantando sementes nas principais cidades do mundo antigo, como Roma e Corinto. Mas Paulo era conservador. Logo no início de sua carta aos Romanos, o evangelista condena severamente o homossexualismo: “(…) os homens, deixando o uso natural da mulher, arderam em desejos uns para com os outros, cometendo homens com homens a torpeza, e recebendo em seus corpos a paga devida ao seu desvario”.

Apesar da condenação, Paulo adverte aos homens para que não julguem o pecado alheio. O trecho é um dos mais lindos do Novo Testamento, e eu já repeti várias vezes em meus blogs:

Assim, és inexcusável, ó homem, quem quer que sejas, que te arvoras em juiz. Naquilo que julgas a outrem, a ti mesmo te condenas, pois tu, que julgas, fazes as mesmas coisas que eles.

O conselho para que os cristãos pagassem seus impostos e tributos em dia, e respeitassem as autoridades constituídas, certamente contribuiu para que o cristianismo ganhasse adeptos entre a elite romana, tanto que, alguns séculos depois, o imperador Constantino autorizaria o culto, dando aval para que a religião se tornasse em pouco tempo dominante em todo ocidente.

Cada qual seja submisso às autoridades constituídas. Porque não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram instituídas por Deus. (…) É também por esta razão que pagais os impostos, pois os magistrados são ministros de Deus, quando exercem pontualmente este ofício.

Essa visão anti-revolucionária de Paulo igualmente me remete ao caráter paulistano. Também característico de seu espírito conservador, Paulo condena a luta de classes:

Quem come de tudo não despreze aquele que não come. Quem não come, não julgue aquele que come, porque Deus o acolhe do mesmo jeito. Amai-vos mutuamente com afeição terna e fraternal. Não vos deixeis levar pelo gosto das grandezas; afeiçoai-vos com as coisas modestas.

Cosmopolita, legalista, conservador, tolerante. O evangelista e os eleitores tucanos partilham de muitos ideais. Não é à toa que seu governador, Geraldo Alckmin, tem ligações com a Opus Dei.

Tirante suas bravatas homofóbicas, os ensinamentos de Paulo são válidos até hoje: inauguram uma sensatez e uma cordialidade muito raras na antiguidade. E mesmo em relação às suas críticas ao homossexualismo, pesa em favor de Paulo sua condenação ainda mais dura àqueles que se arvoram em juízes dos pecados de outrem, ou àqueles que pretendem fazer justiça com as próprias mãos, ou praticar violências.

Não pagueis a ninguém o mal com o mal. Aplicai-vos a fazer o bem diante de todos os homens. Se for possível, quanto depender de vós, vivei em paz com todos os homens. Não vos vingueis uns aos outros, caríssimos, mas deixai agir a ira de Deus.

Após esta longa introdução evangélica, talvez inspirada pelo ingresso de Marcelo Crivella, alto representante da Igreja Universal do Reino de Deus, no Ministério, comentemos o noticiário político desta segunda-feira, que gira em torno de… São Paulo.

O Datafolha trouxe nova pesquisa com boas novas para o PSDB. Diferentemente de Bessinha e Paulo Henrique Amorim, que não acreditam em pesquisa, o Cafezinho não perdeu a fé nas estatísticas. Quer dizer, elas podem até ser manipuladas, mas sempre é melhor do que o olhômetro, e por mais distorcidas que sejam, um analista experiente pode sempre extrair delas informações interessantes. Ademais, se eu começar a desconfiar muito do Datafolha, acabarei me igualando a uns conhecidos meus (que não são poucos) que lançam suspeitas sobre os números do IBGE, só porque são “do governo”.

O desenho que o Datafolha faz da paisagem eleitoral de São Paulo pode até exagerar uma montanha aqui, diminuir um monte acolá, mostrar um lago menor do que a realidade, mas ainda saberemos que lá tem uma montanha, acolá um monte e aqui um lago. E os estrategistas das campanhas, aqueles caras sérios, regiamente pagos pelos partidos, sempre levam à sério as pesquisas eleitorais, que no Brasil, aliás, tem sido bastante razoáveis nos anos recentes.

Dito isso, vamos olhar alguns gráficos do Datafolha:

 

 

Os  gráficos acima, conjugados com outros números mencionados nesta matéria da Folha, informam o seguinte:

  • Serra inicia o páreo disparado na frente, com 30% das intenções de voto.
  • O segundo lugar, Celso Russomano, representa um voto conservador-religioso que não migrará facilmente para o liberal Fernando Haddad, ainda mais depois que a campanha de Serra começar a disparar emails de massa (truque que ele aprendeu com o indiano) dizendo que o petista é matador de criancinha.
  • A mídia estava certa: Dilma nomeou Crivella numa jogada deliberada para levar o voto evangélico do paulistano para Fernando Haddad; ou ao menos para blindá-lo de ataques que o joguem contra o segmento. A tática já começa a fazer efeito, com o novo ministro da Pesca afirmando hoje que Haddad não teve “culpa” na distribuição do kit-gay.
  • Haddad permanece um ilustre desconhecido do paulistano, que não sabe quem ele é, não sabe que Lula e Dilma o apoiam.
  • A rejeição de Serra caiu para 30%, um nível aceitável, e que provavelmente não deverá sofrer grandes variações, visto que Serra é um candidato plenamente conhecido do paulistano.
O Estadão trouxe um gráfico mostrando a votação de Serra nos diferentes bairros de São Paulo, nas eleições municipais de 2008 e nas presidenciais de 2010, salientando a estabilidade dos índices.

De fato, a cidade de São Paulo tem um eleitorado tucano do tipo duro, convicto, extremamente concentrado em alguns bairros nobres centrais.

Entretanto, todos esses são dados bastante conhecidos e divulgados. A pesquisa Datafolha traz muito mais. Por exemplo, nela pode-se ver que o PSDB é fraco especialmente junto aos evangélicos pentecostais, que formam 22% do eleitorado paulistano (contra 49% de católicos). Entre os pentecostais, apenas 5% declararam preferência pelo PSDB, contra 36% que disseram preferir o PT. Entre os católicos, 31% preferem o PT, contra 11% para os tucanos.

É um ponto fraco tucano, explicável pelo corte de classe. Os simpatizantes tucanos estão, em sua maioria, na classe média tradicional, predominantemente católica.

Outro dado interessante na pesquisa Datafolha, é que somente 4% das famílias paulistanas ganham mais de 6 mil reais por mês. Se esquecermos um pouco as divisões arbitrárias da sociologia acadêmica, não seria absurdo afirmar que uma família cuja renda seja inferior a 6 mil reais, na caríssima São Paulo, tem uma vida bastante apertada. A famosa elite paulistana, portanto, permanece ocupando um pedacinho bem diminuto no topo da pirâmide social.  39% das famílias paulistanas ganham até R$ 1.244, e aí não receiemos em chamá-los de pobres. 57% auferem menos que R$ 1.866.

Ou seja, por mais rica que seja a cidade de São Paulo, a eleição será ganha por quem conquistar a preferência dos mais pobres. Neste quesito, o fato de Lula ser o padrinho de Haddad, lhe confere uma boa vantagem.

Concordo que Lula não deveria participar desta campanha. Deveria descansar e cuidar de sua saúde. O PT terá uma infinitude de arquivos e recursos tecnológicos para informar o eleitor que Haddad é o homem de Lula.

O enorme índice de desconhecimento de Haddad junto ao eleitor paulistano é um trunfo relativo. O aspecto negativo é que, nesta fase de campanha, PSDB e PT medem forças através de uma luta surda mas violenta na busca de aliados em outros partidos e financiadores. A vantagem de Serra lhe coloca em situação mais confortável para pleitar aliados e verbas. O lado positivo é que o seu baixo conhecimento sugere um potencial enorme de crescimento à medida em que for se tornando conhecido do eleitor. Foi assim com Dilma, não tem porque não ser assim com Haddad.

Entretanto, o Datafolha detectou também que a influência de Lula sobre o eleitor paulistano caiu: somente (somente?) 44% dos eleitores votariam no candidato indicado por Lula, contra 47% na pesquisa de janeiro. Dilma e Alckmin tem influência sobre 31% do eleitorado, cada um.

É algo divertido saber que 47% dos eleitores dizem que o apoio de Kassab a um candidato os fariam votar em outro; somente 14% votariam naquele indicado por Kassab. O que prova, novamente, que o prefeito tira mais votos do que agrega.

Vejamos, porém, o detalhamento por escolaridade e faixa de renda na última pesquisa Datafolha. Ele mostra que a força de Serra está concentrada no voto de quem ganha mais de 10 salários. Entre os que estudaram somente até o fundamental, o tucano empata tecnicamente com Celso Russomano, em 26% contra 23%.

 

Em relação às articulações políticas, a mídia informa que PT e PSDB estão em campo travando uma dura batalha para ver quem leva o PSB para cama. O presidente Eduardo Campos (PSB) tem sinalizado que dá preferência à Haddad, podendo até mesmo intervir no diretório estadual. Mas as lideranças locais do PSB são aliadas dos tucanos, que vem fazendo uma série de generosas ofertas políticas para atraí-los para a sua chapa. O PDT também é cobiçado pelos dois adversários, o que tem deixado Paulinho, deputado federal pelo PDT e presidente da Força Sindical, feliz como pinto no lixo, visto que o fato aumenta subitamente o poder de barganha do partido. Se bem que a situação anda meio estranha no PDT, sobretudo depois que o Carlos Lupi se reelegeu presidente num processo que mais pareceu rolo compressor. Paulinho andou dizendo, inclusive, que pretende criar um novo partido; está esperando somente a decisão do STF sobre o tempo de TV e verba partidária do PSD. Se o PSD ganhar, abre um precendente, e Paulinho pleiterará a criação de uma nova legenda, onde representará os interesses da Força. Paulinho diz que o novo partido pode vir a ter 50 deputados, o que o tornaria um dos maiores partidos do Congresso Nacional.

Ilustração da capa: A Marselhesa, de Flavio Shiró.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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