Ao classificar a reintegração de posse de Pinheirinho como uma barbárie, Dilma marcou uma posição muito clara e incendiou o debate. No Estadão e na Folha de hoje, temos artigos furiosos do jornalista José Neumanne e do senador tucano Aloysio Ferreira Nunes, ambos defendendo a ocupação e acusando o PT de disseminar “mentiras” sobre o caso.
A tentativa de atribuir todas as críticas ao episódio Pinheirinho ao PT é um grande erro do PSDB. Janio de Freitas e Ophir Cavalcante (presidente da OAB), são petistas ou pessoas ingênuas e vulneráveis à propaganda petista? Não. O presidente da OAB é um conservador. Jânio de Freitas, um colunista da velha guarda cujas décadas de história lhe garantem uma rara posição de independência na grande imprensa. E todos denunciaram duramente a violência institucional em Pinheirinho, e a anteposição do direito à propriedade ao interesse social e ao respeito à dignidade humana.
O sofrimento das famílias do Pinheirinho não é uma mentira. Não é invenção do PT, e as denúncias não são delírios. Há depoimentos registrados, e o testemunho das pessoas deve ser respeitado. Quando um ex-presidiário pilantra vende uma história surrealista de que pretendia pegar 8 bilhões de reais junto ao BNDES, ganha mais de 6 minutos no Jornal Nacional, só porque a denúncia poderia prejudicar Dilma. Quando temos seis mil pessoas denunciando um crime, com existência de vídeos, fotos e depoimentos gravados, o JN prefere se calar, porque não quer prejudicar o governador Geraldo Alckmin.
Esse esforço para desqualificar o debate, caracterizando-o apenas como uma guerrinha entre verdade e mentira, demonstra a falta de argumentos para justificar uma grave violação dos direitos humanos e o tratamento degradante contra cidadãos brasileiros.
O artigo de Neumanne traz inúmeras falácias sobre império da “lei e da propriedade privada”. Não venham com essa história. Não usem a Constituição para justificar uma barbárie. Um dos Princípios Fundamentais de nossa Carta Magna é de que a República tem como fundamento “o respeito à dignidade humana”. Logo a seguir, no capítulo que trata dos Direitos Fundamentais, a Constituição afirma que:
III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XXIII – a propriedade atenderá a sua função social;
Nem o PSDB nem a imprensa estão levando à sério a repercussão do caso Pinheirinho, e com isso cometem um terrível equívoco. O Brasil não suporta mais esse tipo de violência e quando a perplexidade, a tristeza e a indignação emocionada se amainarem, serão substituídas por um sentimento de revolta frio, objetivo e racional. A luta política num sentido amplo, digno e democrático, converterá o sofrimento dos moradores de Pinheirinho em força e determinação. Movimentos sociais funcionam em linha com uma lógica cruel, mas necessária. Quando as coisas estão bem, perdem força – daí a acusação de que são cooptados pelo governo. No entanto, o objetivo do movimento social não é durar para sempre e sim resolver os problemas que lhes deram origem. Eles recebem um profundo estímulo, por outro lado, na proporção em que aumenta o desespero.
A oposição conservadora deu à militância uma raison d’etre. Mostrou a todos que o caminho ainda é longo e a luta, dura.
Pedro Rios, um jovem militante político, acorrentou-se em frente à sede da Rede Globo, no Rio, e decretou greve de fome por tempo ilimitado, até que a emissora dê ao tema a importância que o tema merece. Confira os vídeos do jovem feitos no local, onde expõe seus argumentos.
A blogosfera segue o caminho inverso e está acompanhando de maneira cada vez mais próxima as consequências trágicas da desocupação forçada e destruição das casas de Pinheirinho.
Ao contrário dos defensores da reintegração, que tentam transformar o caso em mero proselitismo eleitoral, blogueiros, militantes e ongs de direitos humanos vem botando a mão na massa e fazendo alguma coisa de concreto, recolhendo depoimentos dos moradores. Muitos vídeos estão sendo produzidos, como se pode ver nesse post do blog Hum Historiador.
A ONG Justiça Global, junto com outras organizações, produziu um relatório preliminar, que será enviado à ONU e à OEA, onde constam várias denúncias de abuso de direitos humanos em Pinheirinho.
Está sendo realmente muito irônico ver a imprensalona brasileira cobrar duramente a presidente Dilma que se manifeste sobre a situação de direitos humanos em Cuba. Folha, Estadão e Globo publicam hoje várias entrevistas com dissidentes cubanos, que falam dos problemas vividos em seu país. Ou seja, os dissidentes cubanos têm muito mais voz na imprensa brasileira do que cidadãos brasileiros. Os mesmos jornais não deram destaque a nenhum depoimento das vítimas de Pinheirinho, ou quando o fizeram, não lhe emprestaram apoio editorial. Nem fizeram nenhuma cobrança ao governador Geraldo Alckmin.
Direitos humanos, pelo jeito, só valem para Cuba, não para Pinheirinho.
Atualização: Não seria justo, no entanto, dizer que a mídia não está dando nada. O que ela faz, como sempre, é dar um tratamento editorial inadequado, sobretudo por se negar a ir ao local e registrar depoimentos das vítimas. Mas a grande repercussão nas redes sociais e blogosfera tem criado “vazamentos” do episódio na grande imprensa, como se pode ver por esta nota publicada hoje no Panorama Político, coluna do Ilimar Franco n’O Globo. Ao que parece, no entanto, ela só foi publicada porque envolve responsabilização também do governo federal, revelando a obsessão da mídia pelas questões partidárias.
Na Folha, Kennedy Alencar publicou também um texto forte sobre o tema, acusando o PSDB de enveredar por um conservadorismo agressivo, truculento.