GUILHERME BOULOS E VALDIR MARTINS *
Em setembro, as manchetes dos jornais de São José dos Campos estampavam a notícia de um acordo para regularizar o bairro do Pinheirinho. Após sete anos, as 1.600 famílias dessa comunidade teriam a sua situação de moradia resolvida.
Quatro meses depois, a Polícia Militar de São Paulo iniciou uma operação de guerra que terminou com o despejo da comunidade, dezenas de presos e feridos e cinco desaparecidos até o momento.
A ordem partiu da juíza de São José, Marcia Loureiro, que se revelou uma combatente incansável pelos interesses do proprietário. Se houvesse um prêmio Naji Nahas, certamente seria ela a ganhadora deste ano. Contou com a aprovação irrestrita do presidente do TJ, o desembargador Ivo Sartori.
Ambos pertencem a um tribunal assolado por denúncias de super-salários e sonegação fiscal por parte de vários de seus desembargadores. Que moral têm eles para definir o destino de famílias trabalhadoras?
Encontraram, porém, aliados de primeira hora no governador e no prefeito de São José, ambos do PSDB e com uma lista de financiadores de campanha recheada de empreiteiras e especuladores imobiliários.
O que uniu todos eles foi a prestação de um valioso serviço ao capital imobiliário. A ocupação representava uma verdadeira pedra no sapato dos “empreendedores” imobiliários de São José dos Campos.
Ela está localizada em uma região de expansão imobiliária, onde ainda restam muitas áreas vazias, sob um forte assédio de construtoras e incorporadoras. Por isso, o despejo do Pinheirinho era uma reivindicação antiga do capital imobiliário da região. Além de liberar a área da ocupação, ela também valorizaria os bairros vizinhos.
Alckmin, o prefeito Cury e os honoráveis magistrados do TJ não poderiam negar um pedido tão importante de amigos tão valiosos. A presidenta Dilma, que também teve a sua campanha eleitoral fartamente financiada por construtoras, poderia ter desapropriado o terreno, mas não fez isso. As cartas estavam marcadas.
Os editoriais de grandes jornais se apressaram em condenar os “invasores” e em atribuir o conflito a interesses de partidos radicais, que teriam contaminado os pobres moradores. É preciso recordar que a imensa maioria das periferias urbanas brasileiras, pela ausência de políticas públicas, resultou de processos de ocupação. Pretendem despejar dezenas de milhões de famílias que vivem em áreas ocupadas?
Além disso, não é demais lembrar que a ideia de “maus elementos radicais manipulando uma massa ingênua” foi o argumento preferido da ditadura militar para desqualificar os movimentos de resistência. Parte da tese conservadora de que o povo brasileiro é naturalmente pacato e resignado, só se movendo por influência externa.
A síntese dos disparates proferidos sobre a operação foi dada pela secretária de Justiça de Alckmin, Eloísa Arruda, para quem a legalidade está acima dos direitos humanos.
É triste constatar que o que ocorreu no Pinheirinho não foi um fato isolado. Trata-se de expressão de uma política conduzida pela especulação imobiliária e por seus amigos no Estado, que coloca a valorização das terras e os lucros com os empreendimentos acima da vida humana. Este processo, aliás, tem se tornado cada vez mais cruel, com as obras da Copa 2014. Infelizmente, outros Pinheirinhos virão.
* GUILHERME BOULOS, 29, é membro da coordenação nacional do MTST (Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem-Teto), militante da Frente de Resistência Urbana e da CSP Conlutas
* VALDIR MARTINS, o Marrom, 54, líder da comunidade do Pinheirinho (Movimento Urbano Sem-Teto), é militante da Frente de Resistência Urbana e da CSP Conlutas