A queda do diretor do DNOcs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas), Elias Fernandes, nos dá mostras de como funciona a estratégia de Dilma para lidar com as crises políticas geradas por denúncias na imprensa, as quais, por sua vez, são deflagradas por relatórios negativos da Controladoria Geral da União.
Na verdade, temos uma realidade nova no Brasil, a transparência dos gastos públicos e dos relatórios. Quando se implantaram os sistemas de transparência, ninguém alertou para suas consequências: um enorme e estridente golpe no fisiologismo e na corrupção.
Como os sistemas foram implantados em meados do governo Lula, estão amadurecendo só agora, na gestão Dilma. É uma realidade diferente, e da qual a mídia se aproveita para produzir denúncias verdadeiras, ilações exageradas e, sobretudo, crise política.
A presidente tem de saber lidar com a nova realidade, usando a mídia a seu favor. Mesmo sendo uma mídia basicamente de oposição.
Tudo que ela tem a fazer é separar o joio do trigo, ou seja, a denúncia verdadeira da falsa, estabelecendo parâmetros racionais e dando condições para que os acusados se defendam. Uma coisa, porém, é uma denúncia absolutamente vazia, sem nenhuma base concreta, formada apenas por ilações absurdas ou exageradas; outra coisa são denúncias baseadas em relatórios da Controladoria Geral da União, como é o caso do escândalo envolvendo o Dnocs.
Neste caso, o correto é afastar o agente envolvido não apenas para que ele não atrapalhe as investigações, como para dar uma resposta política positiva à sociedade. Os parâmetros, portanto, começam a ser delineados.
Não é o caso de transformar a CGU num órgão mais poderoso que a presidência da república. Há denúncias e denúncias da CGU. É preciso criar limites para que o CGU se limite à denúncias de desvios de verba, sem se imiscuir em decisões políticas de caráter estratégico ou administrativo, como foi o caso das obras em Cuiabá, quando a CGU insinuou ser melhor construir uma linha de ônibus do que um trem de superfície. Isso foi erro da CGU. Trem de superfície pode ser mais caro, mas implica num custo-benefício muito superior ao de ônibus convencionais. A CGU não entende nada de transporte público, então deve se limitar a analisar as contas das instituições públicas e verificar se está tudo direito.
O Globo fala em crise entre o Planalto e o PMDB. Não sei até onde a mídia exagera essa crise, que ela aliás tenta provocar há anos, com vistas a enfraquecer a base aliada e levar seus dissidentes para a oposição, e até onde a crise é verdadeira. Teremos que fazer uma análise muito criteriosa. De qualquer forma, desde que não implique num rompimento com toda a estrutura do PMDB, é bem saudável que Dilma consiga se impor com independência perante os segmentos mais fisiologistas do partido de Sarney e Renan Calheiros. Claro que há um risco, mas quero crer que seja um risco calculado por Dilma. Apoio popular ela tem.
O Globo tentou exagerar a reação de alas do PT à nomeação do novo ministro de Ciência e Tecnologia, Marco Antonio Raupp, um grande nome para a pasta. Não sei bem como foi essa reação, e até que ponto ela foi verdadeira. Sei apenas que Raupp foi indicado por Mercadante, senador petista, então creio que a insatisfação tenha sido apenas localizada, segmentada, e não do partido como um todo.
Por fim, temos outro assunto candente: a concessão de visto para a blogueira Yoani Sanchez. Os jornais dizem que o Itamaraty negociou com o governo cubano para que este autorize a sua vinda ao Brasil. Torço para que isto aconteça, para o bem de Cuba. Proibir a vinda de Yoani causaria danos à imagem do regime cubano, dificultando os esforços, que todos fazemos, para que os EUA levantem o embargo contra a ilha.
E torço para que nenhum esquerdista amalucado tente insultar ou agredi-la durante sua estadia aqui. Acho que o Brasil fez muito bem em conceder visto à blogueira, que alguns podem considerar uma odiosa traidora dos ideais socialistas ou de sua pátria, uma vendida aos serviços de inteligência americanos. Entretanto, como não há nenhuma acusação formal contra ela do governo cubano, então devemos considerá-la inocente, seguindo os princípios de nossa Constituição. E devemos tratá-la com todo respeito devido a um estrangeiro em visita ao Brasil. Se demos anistia até a ex-torturadores do regime militar, não faz sentido agredirmos (nem que seja verbalmente) uma jovem blogueira latino-americana. Posso não concordar com seus pontos-de-vista, mas acho que a troca de informações e experiências entre pessoas com visões de mundo diferentes é sempre útil à construção de um mundo mais harmônico e pacífico. Além disso, a esquerda deve tentar se livrar, de uma vez por todas, do estigma de ser favorável à censura. A luta contra esse estigma tem sido levada muito à sério por intelectuais de esquerda em todo mundo, ainda mais porque, de fato, ainda existe violação a esse direito humano básico (a liberdade de expressão) em países comunistas, como China, Coréia do Norte e Cuba. Dilma Rousseff sabe disso e não é por outra razão que tem sido extremamente cuidadosa quando aborda o tema (assim como foi Lula). Uma das razões pelas quais o debate em torno de uma nova regulamentação da mídia no Brasil não vai para frente é porque a discussão ideológica sobre o que é liberdade de expressão e qual o seu significado numa democracia ainda não está madura. Há grupos (sempre bem intencionados) que defendem sistematicamente a censura, usando ora argumentos de ordem política, ora de ordem moral.
Sendo assim, a presença de Yoani Sanchez será um teste importante. Seja bem vinda, Yoani.