Primeiramente, peço desculpas aos leitores e a mim mesmo por só trazer o Cafezinho a esta hora da tarde. Sempre trabalhei por conta própria, na parte da tarde e noite e ainda está sendo difícil adaptar meu relógio biológico para acordar diariamente às 4 da manhã. Sem contar com o odioso vício de assistir filmes pela madrugada, agravado com a assinatura de um canal fechado.
A segunda-feira está rica em notícias.
O Datafolha já publicou o relatório completo de sua pesquisa sobre a aprovação do governo e da presidente. Vamos analisar depois as estatísticas em profundidade. Vale a pena ler a análise do Mauro Paulino, diretor do Datafolha.
A novela tucana em torno da entrada ou não de Serra na campanha pela prefeitura de São Paulo ainda continua. Hoje no Painel, a coluna política da Lo Prete na Folha, há duas notinhas contraditórias:
No entanto, a movimentação tucana para a realização de prévias já está avançando demais, fazendo com que fique meio ridículo jogar fora o trabalho de tantos militantes, para apoiar um candidato sob fogo cerrado de acusações de corrupção (por conta do livro Privataria Tucana) e com altíssima rejeição junto ao eleitorado paulistano. Hoje no Estadão, há uma bela reportagem sobre as prévias no partido. Recomendo ver os gráficos da edição impressa.
O Globo traz uma reportagem interessante, que merece a manchete principal da primeira página, mas usa a velha estratégia de mostrar uma coisa no título, e outra no miolo da matéria.
Pela matéria, descobre-se o seguinte: “70% dos DAS [os tais cargos comissionados de que fala a manchete] são ocupados por servidores públicos de carreira, que as nomeações políticas são minoria e que há um esforço de profissionalização do serviço público. Os cargos de confiança com livre provimento, ou seja, de pessoas de fora do serviço público, são os DAS-6, categoria mais alta, e costumam ser ocupados por indicações políticas. Eles têm remuneração média de R$21,7 mil e, em 2011, somaram 217 vagas, contra 209 de 2010.”
Que horror! 217 vagas!
Ironicamente, a matéria não comenta o dado mais surpreendente mostrado num dos gráficos publicados no jornal: a relação percentual entre os gastos com pessoal e a receita líquida corrente da União caiu fortemente nos últimos anos, de 40% em 2000 para 32,85% em 2012 (conforme projeção do Orçamento). Ou seja, a tese da mídia, de que há “inchaço” e gasto excessivo com funcionalismo público, vazou pelo ralo impiedoso das estatísticas.
O assunto mais importante do dia, contudo, é a tragédia política, social e humanitária que resultou da reintegração de posse do bairro Pinheirinho, em São José dos Campos. Os jornalões deram a notícia na primeira página, mas a diluíram com outras manchetes e ninguém fez um comentário editorial. E as matérias não constam na seção principal, mas em cadernos secundários.
O Fantástico fez uma reportagem, onde se observa ao menos uma jogada de pesado mau-caratismo, quando a repórter mostra uma área que, segundo a polícia (diz a repórter), seria dedicada ao tráfico de drogas. Cachorrada! Há áreas para consumo de droga em qualquer bairro situado no hemisfério ocidental. Pinheirinho não deve ser exceção. A matéria, além disso, não traz depoimentos de moradores, não entrevista parlamentares nem membros do movimento social, posicionando-se descaradamente do outro lado do balcão.
Um assessor da presidência da república foi ferido com uma bala de borracha. Segundo notinha da Lo Prete (ver abaixo), isso poderá esfriar as relações entre Alckmin e Dilma.
Violações de direitos humanos estão se tornando, aliás, a marca registrada do governo Alckmin, e, por consequência, a marca do próprio PSDB. Não creio que essa marca lhe trará benefícios eleitorais ou políticos relevantes. Pode até atrair o eleitor de extrema direita, mas transforma o PSDB numa legenda que representa um conservadorismo provinciano e mesquinho.
O que aconteceu em Pinheirinho foi um ato irracional do governo Alckmin, que desde o início adotou uma postura dura, fria e cruel em relação ao destino de quase seis mil pessoas. Pinheirinho é um bairro com ruas asfaltadas e arborizadas, quadras de esporte, oito igrejas, praça pública, postes de iluminação, casas de alvenaria, comércio local. O certo seria o governo implementar um programa de doação de titularidade para os moradores, para não criar uma instabilidade social e econômica na região. Governos servem para prevenir dramas humanitários, não causá-los. Alckmin deu um tiro de escopeta no pé e provocou um grande mau estar em toda a sociedade brasileira.
Alguns leitores pediram para que eu comentasse o silêncio de Dilma sobre o caso, argumentando que Lula teria dito alguma coisa. Pode ser. Dilma tem um estilo mais discreto, e até concordo que o caso mereceria sim um gesto político mais assertivo da presidente, colocando-se ao lado dos oprimidos, como deveria ser a postura de uma representante política pertencente a uma legenda de esquerda. Por outro lado, deve-se tomar cuidado para não fazer proselitismo partidário com uma tragédia em estado de ebulição, ainda mais porque a sua solução deverá passar, necessariamente, pela articulação política com o governador e o prefeito da cidade, ambos tucanos.
Depois da truculência policial na cracolândia, onde o governo paulista ordenou uma ação atabalhoada, desarticulada, onde sequer a prefeitura de São Paulo, teoricamente uma aliada, havia sido avisada, Alckmin cometeu em São José dos Campos outro erro terrível, pelo qual pagará caro, de uma forma ou de outra. Um erro que se refletirá não apenas em sua figura, mas no partido e, consequentemente, em toda a oposição. Eu gostaria de saber o que Fernando Gabeira, por exemplo, tem a dizer sobre a ação policial em Pinheirinho?
Há uma boa parte de eleitores tucanos que votam no PSDB porque não se identificam ideologicamente com o PT. Não gostam de Chávez, de Cuba, de bandeiras vermelhas, de socialismo, mas isso não significa que seja pessoas desprovidas de senso de solidariedade social. Ou pelo menos, espero que não sejam.
A truculência do governo Alckmin contra seis mil cidadãos brasileiros não seria justificada nem se fossem seis mil haitianos ilegais. Não seria justificada nem se fossem seis mil cães! Aliás, creio que alguns membros da elite paulistana só ficariam realmente indignados se as vítimas fossem animais. A Cora Ronai, por exemplo, cansou de ocupar sua coluna para defender gatos de rua, ou as eventuais capivaras que aparecem na Lagoa, mas duvido que irá fazer qualquer comentário sobre as crianças, mulheres e idosos brutalizados pela PM paulista.
Felizmente vivemos uma democracia, e a violência governamental em Pinheirinho certamente entrará no debate eleitoral deste ano. Quando as urnas forem abertas em outubro, talvez o PSDB tenha algumas surpresas desagradáveis. Espero que os analistas políticos, quando discorrerem sobre o fato de “não haver oposição” ao governo petista, lembrem-se de episódios como o de Pinheirinho. A direita brasileira pode até continuar acreditando em sua fantasia de que se pode governar sem o povo (macaqueando teses do início do século XVIII, quando o sufrágio ainda não fora universalizado em parte alguma). Curioso será vê-la tentando convencer o povo a votar nela.