A aliança entre o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, com o Partido dos Trabalhadores, para disputar as eleições municipais deste ano amanheceu quase certa nesta quinta-feira. Os principais ingredientes que a tornam possível já estão dentro da panela. Falta só manter o fogo aceso por mais um tempo para que o prato fique pronto. A refeição será consumida em outubro, pelo eleitor paulistano.
Os ingredientes deste exótico prato são:
- Apoio e benção de Lula, e portanto, de Dilma e do governo federal.
- Desistência de Serra, oficialmente anunciada ontem e repercutida amplamente hoje nos jornalões paulistas.
- A resistência dos petistas paulistanos, que se supunha renhida, já foi quebrada; a maioria entendeu sua importância para a consolidação do projeto nacional.
Agora só há um obstáculo importante para a concretização da aliança PSD X PT na terra da garoa: os tucanos aceitarem a condição imposta por Kassab, de indicar o cabeça de chapa, que seria Guilherme Afif Domingos, para fazer a aliança com o PSDB. A condição é humilhante para Alckmin e para o partido em geral, pois corresponderia a uma admissão de fraqueza e insegurança. Dificilmente prosperará dentro do partido, em vista das ambições já desenvolvidas entre os précandidatos tucanos. Os serristas, hoje minoritários no partido, defendem que o PSDB aceite a proposta de Kassab; se o fizerem, talvez então tenhamos uma chapa PSDB e PSD.
Se houver, por outro lado, uma aliança entre Kassab e PT, o candidato Fernando Haddad gozará de uma máquina política extremamente competitiva, ainda mais considerando a poderosa influência de Lula sobre o eleitorado paulistano, e o ex-presidente dá sinais de que entrará nessa disputa de corpo e alma. Dentro de alguns meses, ele deverá estar totalmente recuperado do tratamento contra o câncer, e iniciará uma série de atividades políticas com vistas a divulgar o nome de seu candidato junto ao paulistano.
No xadrez nacional, a eleição em São Paulo é sempre importante, e cada vez de um jeito diferente. Se o PT vencer as eleições deste ano, aumenta a dificuldade para a oposição vencer Dilma Rousseff em 2014, pois obrigará o PSDB a concentrar esforços para não perder também o governo do Estado, o que levaria o partido a um período de trevas.
Atualização: Em entrevista à Folha, Haddad não demonstra entusiasmo com o apoio de Kassab à sua candidatura, alegando que tem informações de que a prioridade do prefeito é aliar-se aos tucanos. Haddad ainda não sabia, contudo, da desistência oficial de Serra, fator que restringe as opções de Kassab e o empurra um pouco mais na direção do PT.
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Ontem eu fui ao lançamento do livro de Amaury Ribeiro Junior, a Privataria Tucana, no Sindicato dos Bancários do Rio, realizado no último andar da avenida Presidente Vargas 502. O deputado federal, Protógenes Queiroz, reiterou o seu entusiasmo pela aprovação da CPI da Privataria, lembrando que os movimentos sociais e populares, os estudantes e os partidos progressistas estão bastante organizados e mobilizados para pressionar o Congresso.
Amaury Ribeiro, por sua vez, atacou duramente os jornalistas e blogueiros da direita que tentam desqualificá-lo.
Gilberto Palmares, deputado estadual pelo PT, fez um discurso muito emocionado, lembrando as lutas contra a privatização, que as forças de esquerda perderam, nas décadas de 80 e 90.
A platéia estava lotada. O clima era de entusiasmo, mas também de belicismo. A esquerda carioca, historicamente ligada ao setor público, jamais esqueceu a papel da mídia durante o processo de privatização. Os gritos de guerra que tomaram a praça XV durante a privatização da Vale, e que levaram o governo FHC a fechar várias ruas usando até tanques do exército (o que, por uma dessas ironias da História, fez o governo tucano parecer-se ao PC chinês de 1989, que reprimiu os protestos estudantis na praça Celestial; e aos ditadores árabes atuais) ainda ecoam fortemente no Rio de Janeiro – e em todo país.
Todos disseram que o debate ideológico e político sobre a privatização jamais foi realizado a contento, e que o livro de Amaury permitia que este fosse recuperado. Os argumentos de que, não fosse a privatização, não haveria celular no Brasil, sempre usado por seus defensores, foi ridicularizado por vários oradores. Palmares lembrou que a telefonia no Brasil foi privatizada justamente pouco antes da revolução tecnológica que iria transformar o setor.
Houve ainda um debate sobre a regulamentação da mídia, defendida por algumas pessoas da platéia. Amaury se posicionou duramente contra qualquer intervenção do Estado na imprensa, alegando que a blogosfera já estava ganhando muito espaço, não havendo portanto necessidade de “um estatuto para proibir a imprensa no Brasil”.
“Sou contra a censura”, declarou.
O deputado federal Protógenes Queiroz também ponderou que não há sinais de que o Congresso Nacional tenha disposição ou clima para aprovar qualquer mudança constitucional efetiva no que tange à mídia brasileira, mas observou que o debate, sim, será feito. Ele argumentou que, sem um debate amadurecido, e sem o devido acúmulo de forças, há o risco de que mudanças na legislação da mídia resultem numa situação ainda pior do que a atual.
De qualquer forma, independente das visões sobre a conveniência ou não de uma nova lei para regulamentá-la, o consenso geral era de que a mídia foi a grande arma do tucanato para levar adiante a privatização, e que é ela, hoje, o único trunfo político da direita para se manter influente e, eventualmente, voltar ao poder.