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A Ungida – Parte 10/13
Por Nicholas Lemann, da New Yorker. Tradução: Miguel do Rosário.
João Moreira Salles, um documentarista que passou bastante tempo com Lula em 2002, me disse, “O dia que Lula podia trocar seu macacão por um terno foi muito feliz para ele. Ele disse, ‘vestir um macadão só é legal se você não é obrigado a vesti-los’. Dilma, pode-se dizer, é mais de esquerda. Lula, estou seguro, acredita em Deus. Eu tenho dúvidas se Dilma acredita.”
Após assumir, Dilma começou a se distanciar das iniciativas exóticas de Lula no campo da política externa. Ela declarou que, como alguém que havia sido torturado, ela tinha uma preocupação especial com um governo que tortura, e isso influenciaria a parceria diplomática com o Irã. Ela tirou as tropas brasileiras do Haiti. Tudo isso não por causa de uma postura mais humilde perante o mundo, mas em busca de mais eficiência e menos excentricidade.
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A grande determinação de Dilma parece voltar-se para o esforço de fazer do Brasil – sempre em linha com sua ideologia e de seu governo de pôr o governo o primeiro lugar, e o mercado em segundo – um país mais importante. A primeira potência visitada foi a China, não os EUA. O presidente Obama visitou Dilma em Brasília antes dela ir à Washington. A ocasião foi um pouco desastrada: Obama e a Otan haviam acabado de decidir o bombardeio da Líbia, um ato que o Brasil não apoiara, e Dilma e seu ministro de Relações Internacionais, Antonio Patriota, tiveram seu encontro com Obama interrompido por meia hora por um assunto urgente que Obama teve de resolver. Ainda sim, a mensagem da visita foi inequívoca.
Durante o verão e o outono, uma série de escândalos dominou Brasília. A Folha revelou que Antonio Palocci, que havia sido gerente de campanha de Dilma e era seu chefe de gabinete [na verdade, ministro da Casa Civil], aumentara seu patrimônio líquido vinte vezes através de uma firma de consultoria que ele dirigia enquanto trabalhava na campanha e também como deputado. (No Brasil, deputados tem permissão para obter ganhos externos, mas a prosperidade de Palocci levantou suspeitas). Embora Palocci jamais foi oficialmente acusado de nada, ele renunciou, assim como tinha feito cinco anos antes, durante a gestão Lula, por ocasião do escândalo do mensalão.
O ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, demitiu-se após reportagens em jornais sobre corrupção em sua pasta; vários funcionários do ministério saíram junto com ele. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, demitiu-se após ter concedido uma entrevista a uma revista na qual ele chamava outro ministro de “fraco”. Os ministros da Agricultura, do Turismo, e dos Esportes, demitiram-se após acusações de corrupção. O ministro do Trabalho está sob acusações similares. Todos eles negaram os malfeitos. O resumo da situação, enviado pelo gabinete de Dilma para mim, foi esse: “Corrupção, infelizmente, é um mal que assola todos os países. A luta contra ela deve ser constante, é uma batalha diária.”
A atitude da classe política brasileira frente a esses escândalos é complicada. Ninguém acredita que Dilma seja corrupta: ela tem mostrado muito mais intolerância para com a corrupção do que os presidentes anteriores. Mas ela trabalhou por anos com a maioria das pessoas que pediram demissão. Ela sabia que Palocci era um príncipe das trevas, e mesmo assim ela lhe deu a posição mais alta de seu governo. Algumas pessoas acham que a sua faxina é uma maneira de demonstrar sua independência em relação a Lula (quando o escândalo de Palocci estourou, ele veio à Brasília para assegurar aos membros do Congresso que as coisas iriam se ajustar). Marina Silva, outra protegida de Lula, que rompeu com ele por causa da política ambiental leniente de seu governo, comparou a situação em Brasília à história do “Real Lear”. Lula é Lear, e a questão é saber qual das filhas de Lear Dilma irá se tornar, se a cândida Cordélia ou uma de suas dúplices irmãs Regan e Goneril.
Outros acham que Dilma, uma hiper-racional, caxias, minuciosa gerente, estaria reagindo exageradamente aos escândalos de uma maneira que iria lhe prejudicar politicamente. Cada um dos ministros caídos em descrédito pertenciam a partidos da coalizão liderada pelo PT, e sendo publicamente humilhados, esses partidos poderiam decidir deixar a nave mãe.
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