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Estratégias realistas para democratizar a mídia

A importância de uma educação midiática vale o mesmo para todos os casos: dar uma ferramenta para que o cidadão defenda a sua consciência crítica e a sua independência intelectual. Tal conhecimento serviria, de quebra, para nos tornarmos menos vulneráveis à publicidade e à propaganda política.

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A pesquisa Ibope Nielsen, que mostra os principais sites de notícias visitados no país, serve para nos lembrar que a chamada “mídia velha” continua poderosa e líder em audiência, e que tem conseguido se consolidar na internet. As tiragens impressas dos jornalões podem ter se estagnado, mas a quantidade de gente que acessa os grandes portais cresce vertiginosamente. Por isso eu acho que a melhor maneira de resolver o problema da mídia no Brasil (e no resto do mundo), é através do aprimoramento da educação, com a criação de matérias especializadas em crítica midiática, já na escola básica, para que as crianças aprendam, por si mesmas, a pensar com independência.

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Uma lei de mídia que imponha um maior controle do Estado sobre o conteúdo televisivo acabará por se converter numa terrível e negativa polêmica sobre a liberdade de expressão. Tenho para mim que os setores da esquerda que defendem a medida, e inclusive atacam o governo por causa disso, não fazem ideia de como um movimento neste sentido despertaria a hostilidade de influentes setores da intelectualidade, da classe artística, e das profissões liberais, e com isso isolando-se junto à opinião pública – não falo da opinião de meia dúzia de colunistas, mas do conjunto social que forma a vanguarda política nacional. Todo o esforço do PT para se firmar como um legítimo representante da social democracia latino-americana, uma das legendas mais sólidas da centro-esquerda global, gozando da confiança das classes médias, dos micro-empresários, da opinião internacional, e convencendo as pessoas que estes valores podem conviver perfeitamente com alguns princípios socialistas, como o combate feroz à miséria e a criação de um estado de bem estar social, todo esse esforço perder-se-á por conta do afã tolo de controlar o Leviatã midiático.

Tolo porque impossível – pelo menos segundo a estratégia que vejo defendida por tantos comentaristas de blogs.

Há anos, eu combato o Leviatã midiático. Eu e milhões de outros internautas, blogueiros ou não, em todo planeta. A nossa luta experimenta tristes derrotas aqui, surpreendentes vitórias acolá. De forma geral, porém, vencemos no longo prazo na medida em que ampliamos a oferta de visões de mundo. Em todos os países, há um problema com a mídia. Nas ditaduras, ela é controlada pelo governo. Nas democracias, pelos donos do capital. Na América Latina, em particular, há o agravante de termos uma imprensa que se consolidou durante o regime militar. Mas os problemas são mais ou menos parecidos em toda parte: monopólio ou oligopólio, e sufocamento de grande parte da população, o que resulta em falta de liberdade.

Entretanto, uma nova regulamentação para as comunicações no Brasil é algo necessário, inevitável, em vista das mudanças tecnológicas que se anunciam. Como será essa nova regulamentação, é ainda um mistério, mas de qualquer forma será um avanço, pois irá trazer um mínimo de ordenamento a um território que ainda é um verdadeiro faroeste virtual.

A questão da propriedade cruzada, por sua vez, é um ponto crítico, sobretudo em função da Globo. É um caso concreto. Pedir-se-á o fechamento do jornal O Globo, o último jornal carioca de qualidade, pois a mesma empresa possui uma concessão de TV? Sim, eu critico asperamente as posições editoriais e as manipulações do Globo, mas é o único periódico hoje disponvível no Rio para consumo da “classe média letrada” (odeio essa expressão, que rescende a conservadorismo do século passado, mas não tenho outra no momento). Por isso eu digo – ainda que a contragosto – que é o último jornal de qualidade no Rio.

Uma lei contra a propriedade cruzada, portanto, seria especificamente uma lei contra o jornal O Globo. Não creio que isso servirá muito para apaziguar os ânimos da mídia nacional e trazer estabilidade política ao país. Todos os outros jornais, juntamente com todas as associações de imprensa do mundo, se uniriam em defesa do pasquim dos Marinho e duvido que os parlamentares tenham coragem de enfrentar a mídia mundial apenas para fechar um jornal.

Fechar o jornal O Globo não mudaria muito o cenário nacional midiático, além de transformar a Rede Globo num enlouquecido exército antiesquerdista – mais do que já é. Tenho a impressão, além disso, que, à exceção da Record, outros canais de TV também se alinhariam ao lado dos Marinho.

Não estou sendo derrotista, apenas tentando montar cenários realistas. É assim que se faz combate: elaborando estratégias, e sobretudo jamais subestimando o adversário. Seria ótimo que tivéssemos uma lei contra a propriedade cruzada, e que a família Marinha não pudesse ter, ao mesmo tempo, TV, jornal e rádio. Mas isso deveria ter sido aprovado nos anos 60, antes da ditadura e antes da Globo se tornar um dos maiores conglomerados midiáticos do mundo.

Cita-se muito as leis em outros países, mas omite-se o quanto elas são letra morta, visto que, nos EUA, por exemplo, temos verdadeiros impérios midiáticos (como o do Rupert Murdoch), que usam as brechas da Constituição para controlar todo tipo de empresa do setor, seja TV, rádio ou jornal.

Uma ótima ideia, que eu vi na Ley dos Medios da Argentina, é criar uma espécie de Promotor Público especializado em questões de mídia, com vistas a defender os cidadãos no caso de se sentirem lesados em relação a alguma reportagem. Claro que seria dado amplo direito de defesa aos órgãos de imprensa; e um Promotor deverá ter um critério inteligente e republicano, para não transformá-lo num instrumento de ataque à independência jornalística; mas os cidadãos, empresas e políticos teriam, ao menos, a quem recorrer nos casos flagrantes de injustiça; e os protestos contra a mídia seriam encaminhados institucionalmente, proporcionando uma ferramenta inclusive para uso acadêmico, pois produziria um arquivo importante para entendermos e observamos o funcionamento da comunicação social no país.

Outro item que observei na Ley dos Medios já vem sendo aplicado no Brasil, mas de forma – talvez – ainda mais republicana, que é a melhor distribuição das verbas oficiais. Penso que este ponto poderia ser aprofundado, com o estabelecimento de alguns critérios mais criativos e mais modernos para fazer chegar os recursos aos blogs, por exemplo. Aqui eu legislo em causa própria, descaradamente. Eu acho óbvio que a blogosfera só se tornará realmente profissional quando tiver recursos, e o Estado ajudaria muito a dar um pontapé inicial. Claro que haveria uma série de problemas quanto aos critérios, que deveriam ser absolutamente republicanos, não-partidários, etc, sem no entanto discriminar blogs por suas posições ideológicas, políticas e partidárias.

A melhor ideia de todas, porém, é a que já me referi acima, sobre a educação. Parece que na França, na Venezuela e sabe-se lá em que outros países, isso já é uma realidade, provavelmente impulsionada por motivos divergentes. Na Venezuela, para preparar as crianças a defenderem suas consciências de uma mídia inexoravalmente conservadora. Na França, o oposto. Mas são conjecturas levianas, sem base, pois não conheço como é a educação nesses dois países.

A importância de uma educação midiática vale o mesmo para todos os casos: dar uma ferramenta para que o cidadão defenda a sua consciência crítica e a sua independência intelectual. Tal conhecimento serviria, de quebra, para nos tornarmos menos vulneráveis à publicidade e à propaganda política. É algo que se encaixa em todas as bandeiras, visto que os conservadores veriam nisso uma defesa dos cidadãos contra os desmandos do Estado patrimonialista ou paternalista, enquanto os progressistas enxergariam uma oportunidade de revelar as artimanhas da mídia corporativa para engambelar e manipular a sociedade.

Entretanto, os que defendem a democratização da mídia deveriam incorporar em seu discurso essa bandeira da educação de maneira prioritária. Fazer discursos contra a imprensa justamente no momento em que esta produz denúncias contra o governo não me parece muito produtivo (aí vai uma autocrítica, pois é justamente isso o que eu faço; tenho tentado fazê-lo, porém, da maneira mais profissional possível). Soa oportunista, mormente se tais discursos se dão dentro da sede do PT em São Paulo, e mesmo que tenham a participação de intelectuais de grande qualidade, como é o ex-ministro Franklin Martins. Assim que a imprensa reduz seu belicismo, o discurso perde a energia. Sem contar que os mesmos que atacam a mídia quando esta denuncia (justa ou injustamente) membros do governo, servem-se dela quando esta se volta (mesmo que esporadica e timidadmente) contra caciques da oposição. Daí não se chega a lugar nenhum, e a estagnação gera apenas uma revolta impotente contra tudo e todos, que acaba descambando num tipo de amargura e desencanto que só interessa (e ai está a ironia da coisa) aos setores mais reacionários da sociedade.

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Miguel do Rosário

Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.

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