A velha nova direita
Por Vladimir Safatle, para a Folha
Quando Sebastián Piñera ganhou a Presidência chilena, não foram poucos os que saudaram a sua vitória como a prova maior da vitalidade da democracia no país andino.
Empresário de sucesso, com imagem de homem eficaz e sem grande envolvimento visível com a ditadura de Pinochet, Piñera parecia uma reversão da onda esquerdista que domina a América Latina desde o início do século. Ele era o homem indicado para mostrar, à política latino-americana, a via da modernização conservadora.
No entanto nada deu certo. Depois de dois anos de governo, Piñera protagoniza a maior catástrofe da história da política chilena recente. Com níveis recordes de baixa popularidade, o presidente parece ter servido para mostrar como a direita latino-americana perdeu sua hora.
Desde o movimento dos estudantes chilenos que pediam educação pública de qualidade para todos -revolta esta apoiada por mais de 70% da população-, ficou visível como havia um grande descompasso entre o que o povo queria e o que o governo estava disposto a oferecer.
O povo pediu claramente serviços públicos de qualidade e disponíveis a todos. O governo, com seu ideário neoliberal envelhecido e ineficaz, continuou recusando-se a desenvolver as condições econômicas para o fortalecimento da função pública e para a liberação de largas parcelas da população pobre das garras dos financiamentos bancários contraídos para pagar a educação dos filhos.
Por Vladimir Safatle, na Folha.
Depois, diante da firmeza da revolta estudantil, só passou pela cabeça de Piñera reforçar o aparato de segurança e repressão, isso na esperança de quebrar as demandas sociais.
Discursos contra “nossos jovens que não foram bem-educados pelos pais e que agora querem tudo na boca” ou “os estudantes arruaceiros” e outras pérolas da mentalidade pré-histórica foram ouvidos. Prova maior da incapacidade de responder de forma política a problemas políticos.
Agora, como se não bastasse, seu governo teve de voltar atrás em uma tentativa bisonha de retraduzir a “ditadura militar” chilena em uma novilíngua onde ela se chama “regime militar”. Prova indelével de que a direita latino-americana nunca conseguiu fazer a crítica e se desvencilhar de vez de seu apoio às ditaduras.
Quando o assunto volta à baila, eles agem com um estranho espírito de solidariedade, como vimos na votação feita pela Câmara Municipal de Porto Alegre para a modificação do nome de uma avenida que se chamava “Castello Branco”. O pedido de modificação, feito bravamente pelo PSOL, foi arquivado.
Nesse vínculo ao passado e nessa inabilidade diante do presente, evidencia-se claramente como a nova direita latino-americana não conseguiu renovar seu guarda-roupa.
VLADIMIR SAFATLE escreve às terças-feiras nesta coluna.