Esse texto, de autoria de Luis Nassif, poderia ser publicado na categoria “Narcisismo”, pois contem um elogio a este blogueiro. Mas um pouquinho de narcisimo não faz mal a ninguém, e o post é interessante, abordando muitas questões sobre as quais andei escrevendo nos últimos tempos.
Internet na idade de crescimento
Por Luis Nassif, em seu blog.
Ontem houve profícua discussão sobre supostos abusos da Internet. Faltou identificar qual Internet. Seria mais próprio falar no plural, as Internets, porque, na verdade, o que menos existe na rede é a homogeneidade.
Além disso – e tenho insistido nisso há tempos – há que se separar o papel do jornalista de Internet do militante. Ao jornalista – mesmo tendo posições políticas definidas – cabe opinar mas, principalmente, reportar o que acontece. Deve-se reportar a posição radical, que conseguiu boa repercussão, e o contraponto. Mas não se exija do jornalismo o enquadramento do militante.
Já o militante reflete o seu grupo específico, alguns de horizontes largos – na militância em torno de bandeiras mais amplas – alguns restritos – os militantes de uma bandeira só.
Antes de ontem escrevi sobre os oprimidos incapazes de um olhar sequer de solidariedade sobre outros grupos oprimidos. Fecham-se nas suas bandeiras a tal ponto que são incapazes de enxergar o outro, aliar-se a outros grupos oprimidos, levantar bandeiras mais gerais contra a opressão. Em geral, são grupos de alcance restrito, identificados apenas por sua maior ou menor capacidade de fazer barulho.
Minha amiga Luzete, ao deblaterar – corretamente – contra o radicalismo de algumas posições – estava condenando a SUA Internet, isto é, o grupo que acompanha, no qual eventualmente opina e que, de acordo com sua opinião, não atende ao seu anseio por informação plural. Como mulher inteligente e crítica que é, em breve resolverá seu problema encontrando grupos mais sofisticados aos quais se associar.
Essa é a riqueza da Internet: centenas de milhares de mini-redes temáticas disputando públicos e oferecendo alternativas.
Mas Luzete tem razão, ao não encontrar ainda sitios mais encorpoados, menos militantes, que façam o filtro e tragam a informação mais completa e objetiva. É questão de tempo para que apareçam. Aqui mesmo no Blog periodicamente nos ressentimos de excesso de dogmatismo e intolerância.
Enquanto não aparecem, viceja na mídia em geral – a tradicional e a nova – a mais completa bagunça informativa. Dia desses conversava com um alto executivo que, mesmo entendendo as limitações da velha ordem, dizia que pelo menos ela trazia um mundo organizado. Agora, é o caos – em tudo o que tem de bom e ruim. Esse caos foi acentuado quando a velha mídia esqueceu os chamados valores intrínsecos do produtos jornalístico, rasgou a fantasia e passou a utilizar despudoramente a notícia como arma política.
O leitor passou a conviver, então, com duas espécies de caos: o externo à Internet e o da própria Internet, com a radicalização exacerbada pela última campanha política.
O curioso é que tanto a velha mídia quanto alguns grupos de militância mais radical, se valem das mesmas armas tortas. Vamos comparar a atuação do jornalista-espetáculo com o tuiteiro-de-torcida (independentemente de posição política).
1. divulgação de meias verdades, escandalização, criação de movimentos de manada em cima de informações verdadeiras ou falsas;
2. uso da agressividade mais exacerbada e mal-educada.
3. se a parte atingida reage, ainda que meramente respondendo ao ataque, consagra o troll (seja ele jornalista da velha midia ou tuiteiro-de-torcida): poderá se apresentar como o Davi (sem riscos) enfrentando o Golias.
4. subordinação total ao desejo dos donos de jornal (no caso da velha mídia) ou da galera (no caso dos tuiteiros-de-torcida).
No fim, ambos os lados – jornalistas e tuiteiros de espetáculo – correm diuturnamente atrás da manchete consagradora, mesmo que à custa do sacrifício da verdade.
Nesse período, alguns episódios me chamaram a atenção.
Um deles, a onda formada contra Marcelo Tas. Sou admirador do talento de Tas, nada admirador da sua atual fase institucionalizada, mas a campanha contra ele foi em cima de uma mentira: acusavam Tas de algo que ele não disse. Mas pouco importa, mentira “do nosso lado” é aceita.
Outra, a maneira como alguns tuiteiros-de-torcida se deslumbraram com a possibilidade de falar diretamente com Ministros de estado e, depois, passaram a agredi-lo – também pessoalmente – fugindo a qualquer norma de civilidade. Primeiro, pensaram ganhar status – falando com o Ministro. Depois, julgaram ter mais status – agredindo o Ministro. Substituíram a crítica política pela falta de educação.
Mesmo assim, não se culpe a Internet por esses abusos.
A Internet é o meio. Antes de ganhar expressão política, a blogosfera era quase uma sala de chat, um mundo pequeno, de amigos, onde pontificavam já belos pensadores e alguns blogueiros de torcida.
De repente, esse mundo explodiu, especialmente a partir dos últimos anos ganhou uma expressão política inédita. Muitos dos blogueiros originais se consolidaram dentro do espírito independente e anárquico da Internet. Dispor de pensadores como Miguel do Rosário, humoristas políticos como Cloaca, heroínas como as Mães de Maio – e tantos outros -, poder ter acesso ao pensamento multifacetado de tantos grupos políticos, de todas as extrações, é um avanço Na outra ponta, egos ululantes decidiram apelar para a radicalização mais infantil como forma de se fazer ouvir na balbúrdia. Mas serao cada vez mais irrelevantes.
É interessante notar que alguns dos melhores jornalistas-blogueiros vieram da televisão, trazendo uma visão política muito mais sólida e consistente do que a superficialidade que, em geral, define a cobertura jornalística. Eram grandes jornalistas sufocados pelo modelo de jornalismo televisivo e que desabrocharam graças à Internet.
Mas esse meio heterogêneo permite também o exercício do deslumbramento e do oportunismo. Em nada difere do corte social na qual a Internet se insere.