A manchete do Estadão desta segunda-feira conta uma verdade. A participação da indústria no PIB brasileiro deve continuar caindo em 2012. O jornal peca, todavia, por não explicitar ao leitor que este é um fato que vem ocorrendo desde os anos 70, e que reflete a sofisticação da economia nacional. É uma lei econômica. O primeiro setor a se desenvolver num país é o primário: agricultura e extrativismo. Depois vem a indústria. Por fim, os serviços.
Outro erro é passar a impressão que a indústria brasileira está diminuindo. Não está. Ela continua crescendo. Em 2011, ano difícil, deve crescer 1,8% sobre o ano anterior, segundo a sempre pessimista CNI; em 2012, deve crescer 2,3% segundo a CNI e 3,7%, segundo o Banco Central.
O leitor precisa entender que a CNI é, fundamentalmente, uma grande empresa de lobby, e que interessa a ela vender pessimismo para pressionar o governo a reduzir impostos e baixar medidas de incentivo, seja através de novas leis protecionistas, seja a ampliação ou abertura de crédito oficial.
Neste sentido, o BC – que produz previsões sempre conservadoras, ou seja, independentes do ufanismo natural do Executivo – é uma fonte mais confiável.
O Estadão usa o pessimismo da CNI para reforçar a tese furada de que “o mercado de trabalho perde força”. A tese baseia-se no fato de que os saldos de emprego tem caído nos últimos meses. Mas se você ler a matéria com atenção, verá que o único especialista consultado nega que isso esteja acontecendo, e dá a mesma explicação que o Cafezinho vem apresentando há tempos.
Apesar do movimento negativo da indústria, que acompanha os resultados pífios da produção do setor no ano, a economista Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria Integrada, acredita que há uma saturação na geração de postos, porque o País estaria muito próximo do pleno emprego.
Na avaliação da Tendências, o Brasil atingirá o pleno emprego quando a taxa de desocupação – descontados os efeitos sazonais, como as contratações temporárias para o período de Natal – atingir 5,4%.Atualmente, o desemprego – com ajuste sazonal – está em 5,6%, muito próximo à marca estipulada pela consultoria. “A taxa média de desemprego para 2011 deve ficar em 6%. Em 2012, nossa previsão é de uma taxa média menor, de 5,8%. Então estamos muito próximos do pleno emprego”, afirmou Alessandra.
A analista da Tendências explica que o momento vivido pela economia brasileira levou a uma qualidade maior do emprego. Por exigências estruturais do mercado, as empresas tiveram que se profissionalizar e investir na regularização da força de trabalho. Portanto, elas vêm aumentado a formalização do emprego. No entanto, a geração de vagas com carteira desacelera há meses por causa de um esgotamento da mão de obra disponível. “As empresas que querem contratar estão tendo de roubar funcionários de outras empresas ou só conseguem a raspa do tacho, os trabalhadores com menos instrução, que sobraram e ainda não foram pegos pelo mercado”, afirmou a economista.
Vou repetir aqui o que disse a especialista: “a geração de vagas com carteira desacelera há meses por causa de um esgotamento da mão de obra disponível”.
Se as empresas “que querem contratar estão tendo de roubar funcionários de outras empresas”, como se pode afirmar que o mercado de trabalho perde força?
Não se pode. Esta é uma leitura errada. O que tem acontecido é um ajuste natural das estatísticas de emprego à própria queda no desemprego.
Também é errada a leitura, implícita na matéria do Estadão, de que o setor de serviços gera empregos de pior qualidade que na indústria. O setor de serviços até gera empregos mal remunerados, mas oferece muito mais chance para o empreendedorismo individual. Além disso, é um setor muito mais informal, então a média salarial nem sempre reflete a renda real dos trabalhadores. Diferentemente da indústria, onde predominam médios e grandes, o setor de serviços é onde os micros e pequenos tem sua chance. A renda média é menor, mas a quantidade de donos do seu próprio negócio é infinitamente maior no setor de serviços.
O jornal publica uma foto com – supostamente – uma fila de gente à caça de emprego e a seguinte legenda:
Empacou. Fila de candidatos: mercado tem perdido o dinamismo e não consegue mais gerar novos postos de trabalho
Não é verdade. A própria matéria fala que as indústrias estão disputando trabalhadores a tapa, roubando mão-de-obra uma das outras, e que a desaceleração da geração de empregos explica-se pela queda na mão-de-obra disponível. Então a ideia transmitida pela imagem e pela legenda, de uma fila de gente procurando, inutilmente, um emprego, não se coaduna com a realidade. A mídia parece ainda não acreditar, ou não querer acreditar, na pujança econômica do Brasil. Por puro preconceito, quer vender um cão de raça ao preço de um vira-lata.
Falta uma compreensão do que seja o saldo no emprego. Ele representa apenas a diferença entre os empregos gerados e as demissões. Se você considerar, porém, apenas os empregos gerados, verá que nos últimos 12 meses foram gerados ainda mais empregos do que em 2010. Segundo o Caged, nos 12 meses até novembro, o Brasil gerou (sem contar as demissões) 21,62 milhões de empregos, aumento de 6% (o dobro do aumento do PIB) sobre o ano anterior. Na indústria de transformação, o Brasil gerou 4,09 milhões de empregos nos 12 meses até novembro, número estável em relação à 2010. Onde está a falta de dinamismo?
Tudo bem, 2011 foi um ano mais fraco que 2010, mas os dados que temos não podem ser distorcidos para pintar uma crise no mercado de trabalho que, definitivamente, não temos. Quer dizer, temos uma crise de falta de mão-de-obra, não de falta de emprego.