O Nassif já deu uma boa resposta, mas a coluna de Merval Pereira merece também ser objeto de análise deste humilde Cafezinho. Fá-lo-ei minuciosamente, e nem preciso falar de outra coisa hoje, porque a coluna é um atestado de que a blogosfera determinou a agenda política da mídia inclusive neste domingo. O caso Pimentel, por exemplo, ficou em segundo plano, sumiu das capas (com exceção de chamadinha pequena na Folha para artigo banguela de Gaspari), porque seria ridículo a mídia jogar pesado contra o ministro por causa de consultorias absolutamente legais, anotadas em contratos e notas fiscais, enquanto procura, desesperadamente, lançar poeira sobre um novo e candente debate que emerge das profundezas das redes sociais: o que foi, de fato, a privataria tucana?
Lendo os comentários no blog do Nassif, encontro um argumento de um leitor, Francisco Ernesto Guerra, que me tocou:
No entanto, não é apenas isso [o julgamento policial dos envolvidos] que interessa ao Brasil e seu povo e talvez nem seja o mais importante. Queremos o julgamento político da quadrilha da privataria e isso só pode ser feito pelos políticos, no foro adequado que é o congresso nacional, especificamente através de uma CPI tocada por gente do nível de conhecimento do Protogenes e Brizola Neto. É disto e não do processo judicial formal que Serra tem medo. Aí está a razão da argumentação dos serristas e na qual afoitamente muitos colegas caíram como patinhos.
De certa forma, o brasileiro já fez um julgamento político, ao derrotar os tucanos duas vezes, e ao mesmo tempo obrigá-los a esconder as privatizações. O discurso da ala que pretende renovar o PSDB tem sido que chegou a hora do partido exibir com orgulho o seu protagonismo no processo que levou à venda do patrimônio público. Aécio Neves, em particular, aposta nessa estratégia, que agora se vê turvada por esse novo best-seller político.
O livro do Amaury, contendo tantas denúncias graves, traz de volta não somente o risco de reabertura de uma investigação criminal contra a privataria, como também reacende o debate propriamente político sobre a maneira pela qual foram vendidas as mais importantes estatais do país.
Eu uso muito raramente o termo PIG (Partido da Imprensa Golpista) não por discordar, mas por achá-lo genial demais para disperdiçamos em ocasiões fúteis. Não é um termo para julgarmos com rigor acadêmico, pois a comunicação política viva da sociedade jamais seguirá as regras pudicas da universidade, nem os manuais de redação das corporações midiáticas. A política num país que se pretende democrático é, em última instância, um processo de comunicação anárquico, caótico, e assim deve ser. Quanto maior seu grau de entropia, mais sofisticado, qualificado e democrático se torna, porque será determinado simplesmente pelo equilíbrio entre o bom senso e a liberdade.
Este artigo de Merval, por exemplo, foi a minha chance de usá-lo no título, e repetir aqui, copiando a frase de @homeramabonner, um amigo do Twitter: O PIG passa recibo e esperneia!
Mas passemos de uma vez ao confronto direto. Comento o texto de Merval em negrito.
A ficção do Amaury:: Merval Pereira
Merval inicia o ataque já no título. Amaury passou quase vinte anos pesquisando o livro, que consiste num trabalho sério realizado por um dos repórteres investigativos mais premiados do país. O próprio Merval citou Amaury em sua posse na ABL. A agressão, portanto, revela-se simplesmente leviana, pirracenta, má-fé.
O livro “Privataria tucana”, da Geração Editorial, de autoria de Amaury Ribeiro Jr, é um sucesso de propaganda política do chamado marketing viral, utilizando-se dos novos meios de comunicação e dos blogueiros chapa-branca para criar um clima de mistério em torno de suas denúncias supostamente bombásticas, baseadas em “documentos, muitos documentos”, como definiu um desses blogueiros em uma entrevista com o autor do livro.
Merval assina o atestado do sucesso da blogosfera em disseminar uma obra intelectual por fora dos esquemas midiáticos. Admito que isso me encheu de esperanças, porque eu andava descrente do poder da blogosfera de influenciar concretamente o consumo de massa. Deixemos os aspectos de marketing, porém, para especialistas mais preparados e prestemos atenção no ataque de Merval aos blogueiros, chamados por ele de “chapa brancas”. A tática é velha, consiste em denegrir a mensagem através da desvalorização do mensageiro. Acontece que a blogosfera jamais será tão chapa-branca como Merval Pereira é em relação ao conservadorismo brasileiro e esta coluna é o maior exemplo. Quando há denúncias contra membros do governo petista, a blogosfera “chapa branca” literalmente explode em mil opiniões contraditórias e democráticas. Jamais se verá uma defesa monolítica de um suspeito sobre o qual se pesam tantas provas. As críticas que a blogosfera fazem ao denuncismo é a tentativa de derrubar ministros sem que seja necessário a apresentação de uma prova concreta, um indício relevante. Cria-se, porém, uma atmosfera de crise de tal forma sufocante, que os mais bem-intencionados jornalistas passam a defender a saída daquele ministro simplesmente porque lhe faltam “condições políticas”. Garanto a você que se qualquer ministro de Dilma se visse envolvido num esquema talmente sinistro como o que envolve José Serra, seus familiares, sócios e colegas de ministério, não haveria um blogueiro a defendê-los. Imagine se descobrissem que a filha, o genro e o sócio de Pimentel tinham contas em paraísos fiscais e que receberam dezenas de milhões de reais de empresas off-shore? Não sobrava pedra sobre pedra. Era demissão no ato e linchamento na blogosfera. Merval, portanto, fez um ataque leviano e arrogante à honra de milhares de blogueiros. Só ele, Merval, é ético? Não, ele é o menos ético de todos. Quanto ao termo “chapa branca”, é usado simplesmente para criminalizar a política, ou seja, para denegrir a opção política de um grupo de blogueiros em se posicionar aberta e transparentemente, sem hipocrisias de neutralidade, na arena partidária nacional. Merval não gosta tanto dos EUA? Pois então, é como se faz nos EUA: cada blogueiro e cada jornal tem seu lado, e há um respeito mútuo em relação a essas escolhas. Esse respeito, é o que falta à Merval. Sentindo-se todo poderoso, pensa que pode denegrir os blogueiros de maneira genérica, o que de cara é um estupidez sem tamanho. Sua arrogância, porém, é apenas sinal de debilidade, covardia e ignorância. Os grandes, os verdadeiramente grandes, são humildes (mesmo que altivos), respeitam as diferenças de opinião, e sabem que a verdade não se encontra estagnada junto à lama no fundo do lago, mas em meio à agitação da superfície.
Disseminou-se a idéia de que a chamada “imprensa tradicional” não deu destaque ao livro, ao contrário do mundo da internet, para proteger o ex-candidato tucano à presidência José Serra, que é o centro das denúncias.
Não deu destaque mesmo. O assunto já estava sendo debatido nas tribunas do Senado e da Câmara, e parlamentares já haviam colhido centenas de assinaturas para abertura de uma CPI, e o Globo se limitava a notinhas misteriosas no Panorama Político do Ilimar Franco. Na primeira vez que o assunto é abordado, nesta coluna do Merval, vemos um ataque apoplético e (mesmo que Merval tente disfarçá-lo sob um estilo pomposo) emocionalmente desequilibrado.
Estariam os “jornalões” usando dois pesos e duas medidas em relação a Amaury Jr, pois enquanto acatam denúncias de bandidos contra o governo petista, alegam que ele está sendo processado e, portanto, não teria credibilidade?
É justamente o contrário. A chamada “grande imprensa”, por ter mais responsabilidade que os blogueiros ditos independentes, mas que, na maioria, são sustentados pela verba oficial e fazem propaganda política, demorou mais a entrar no assunto, ou simplesmente não entrará, por que precisava analisar com tranqüilidade o livro para verificar se ele realmente acrescenta dados novos às denúncias sobre as privatizações, e se tem provas.
O primeiro argumento concreto de Merval corresponde a sua primeira mentira. Neste ponto, Nassif me poupou o trabalho de procurar as notícias e os links. Desde quando a grande imprensa analisa “com tranquilidade” as denúncias? Por acaso agiu assim ao dar seis minutos no Jornal Nacional a Rubnei Quícoli e àquela ridícula história de que pretendia pegar R$ 8 ou R$ 10 bilhões no BNDES? Poderia citar aqui dezenas de outras denúncias absolutamente estapafúrdias, que são acolhidas e anunciadas em horário nobre para os duzentos milhões de brasileiros sem a míninha “tranquilidade”.
Também merecem comentários a “acusação” de que os blogueiros “são sustentados por verba oficial”. Eu gostaria de processar o Merval por essa afirmação e condená-lo a pagar à minha pessoa exatamente a mesma quantia que ele pensa que eu recebo do governo. A mídia tradicional, ou seja, o próprio Merval, recebe muito mais verba do governo do que os blogueiros. O Nassif tem um banner da Caixa em seu blog, é só, sendo que é ridículo imaginar que esse banner pague o custo de sua empresa e de sua vida, ou que tenha influência decisiva sobre sua opinião política. De qualquer forma, 99,9% da blogosfera “progressista” não recebe um centavo do governo, portanto Merval fez uma acusação apenas leviana, o que demonstra desespero, mau caratismo e tentativa canhestra de atacar os mensageiros. Eu tenho jornadas triplas de trabalho para sustentar esse blog. Vendo assinaturas para posts exclusivos; faço traduções; escrevo matérias em inglês para um site americano especializado em café; faço reportagens free-lancers para revistas; ajudo na empresa da minha esposa. Enfim, sou mais um brasileiro vivendo na corda bamba, com muita dificuldade, que escolheu escrever sobre política em blogs por puro idealismo (já que poderia ganhar dinheiro fazendo qualquer outra coisa). As acusações de Merval merecem apenas o meu profundo desprezo.
Outros livros, como “O Chefe, de Ivo Patarra, com acusações gravíssimas contra o governo de Lula, também não tiveram repercussão na “grande imprensa” e, por motivos óbvios, foram ignorados pela blogosfera chapa-branca.
Que livros são esses? Continham provas contundentes? Foram escritos por jornalistas tão premiados como Amaury Ribeiro? A comparação é estapafúrdia. É como equiparar Machado de Assis a Coelho Neto! Livros de denúncias existem às pencas, a gente sabe. O diferencial do livro do Amaury é sua qualidade, isso não é óbvio?
Desde que Pedro Collor denunciou as falcatruas de seu irmão presidente, há um padrão no comportamento da “grande imprensa”: as denúncias dos que participaram das falcatruas, sejam elas quais forem, têm a credibilidade do relato por dentro do crime.
Leviandade e mau caratismo, porque não leva em conta os interesses escusos de um denunciante e a sua falta de credibilidade. É incrível que um jornalista defenda que um criminoso tenha mais credibilidade que um outro jornalista com mais de cinquenta prêmios, sendo que alguns destes prêmios foram obtidos trabalhando justamente para o Jornal O Globo.
Deputado cassado e presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson desencadeou o escândalo do mensalão com o testemunho pessoal de quem esteve no centro das negociações, e transformou-se em um dos 38 réus do processo.
O ex-secretário de governo Durval Barbosa detonou a maior crise política da história de Brasília, com denúncias e gravações que culminaram com a prisão do então governador José Roberto Arruda e vários políticos.
E daí? Merval tenta mostrar o quê? Que há uma regrinha e um padrão quando se trata de investigar corrupção ou dar ou não credibilidade aos que a denunciam? Cada caso é um caso.
E por aí vai. Já Amaury Ribeiro Jr. foi indiciado pela Polícia Federal por quatro crimes: violação de sigilo fiscal, corrupção ativa, uso de documentos falsos e oferta de vantagem a testemunha, tendo participado, como membro da equipe de campanha da candidata do PT, de atos contra o adversário tucano.
Amaury foi indiciado, mas não condenado. Aí vai uma diferença abissal. E precisamos qualificar essas acusações. Nem menciono violação de sigilo, que é uma acusação um tanto ridícula que se faz a um jornalista, sobretudo por parte de Merval, que na véspera usou uma conversinha privada ao celular do ministro Ricardo Lewandowski, para atacá-lo. Vejamos a acusação de “corrupção ativa”. A acusação não é de que Amaury recebeu dinheiro para prevaricar, ou mesmo para atacar Serra. Acusam-no de ter dado dinheiro a um despachante, para obter documentos junto a uma repartição em São Paulo. Ou seja, o jornalista pagou por um serviço. Amaury diz que não pagou, mas não vejo crime mesmo que o tivesse feito.
O livro, portanto, continua sendo parte da sua atividade como propagandista da campanha petista, e evidentemente tem pouca credibilidade na origem.
Amaury tem quase trinta anos de trabalho como repórter investigativo. Sequer trabalhou efetivamente na campanha de Dilma, o que não seria demérito nenhum. Girou por alguns dias ao redor do escritório central da campanha, por convite do Lanzetta, coordenador de comunicação da campanha da Dilma, que é seu amigo pessoal. É incrível que Merval venha falar em “credibilidade na origem”, sabendo que os jornalões jamais se preocupam com esse tipo de coisa quando se trata de veicular denúncias contra o governo petista. Entretanto, mesmo levando a sério o argumento, creio que o histórico de Amaury, um repórter investigativo premiado, que trabalhou em quase todos os jornais e revistas do país, que dá palestras para a BBC de Londres, e mesmo assim até hoje é pobre (porque sempre viveu do sempre mal remunerado trabalho jornalístico), deveria lhe dar toda a “credibilidade” possível.
Na sua versão no livro, Amaury jura que não havia intenção de fazer dossiês contra Serra, e que foi contratado “apenas” para descobrir vazamentos internos, e usou seus contatos policiais para a tarefa que, convenhamos, conforme descrita pelo próprio, não tem nada de jornalística.
Digamos que Amaury fosse contratado para fazer “dossiês contra Serra”? Lula sempre disse que é contra isso, mas a gente sabe que campanhas políticas necessariamente testemunham essas coisas, e seria ingenuidade achar que não. Se um faz, o adversário é obrigado a fazer. Guerra é guerra. Não é crime fazer dossiê. Pode ser uma postura eticamente questionável do ponto-de-vista político, mas é perfeitamente legal. A mídia menciona a produção de dossiês como se se referisse à uma seita satânica. Todo mundo faz dossiê o tempo todo. Corporações fazem dossiês sobre corporações adversárias. Altos executivos fazem dossiês sobre outros altos executivos que tentam tomar-lhes o emprego, e vice-versa. Se eu pesquisar no google matérias e informações contra Serra, juntar tudo num documento do word, pronto, fiz “um dossiê contra Serra”. Sou um criminoso? Merval acusa Amaury de “usar seus contatos policiais para a tarefa que, convenhamos, conforme descrita pelo próprio, não tem nada de jornalística”. Ora, e daí? Amaury também possui uma pequena pizzaria em Campo Grande, isso não tem nada de jornalístico.
Ele alega que a turma paulista de Rui Falcão (presidente do PT) e Palocci queria tirar os mineiros ligados a Fernando Pimentel da campanha, e acabou criando uma versão distorcida dos fatos.
No caso da quebra de sigilo de tucanos, na Receita de Mauá, Amaury diz que o despachante que o acusou de ter encomendado o serviço mentiu por pressão de policiais federais amigos de José Serra.
Enfim, Amaury Ribeiro Jr, tem que se explicar antes de denunciar outros, o que também enfraquece sua posição.
Ah, essa é boa. Amaury tem que se explicar primeiro antes de denunciar outros? Agora falou Mervalzinho, de nove anos de idade. As denúncias contra Amaury são migalhas de campanha, coisas miúdas, insignificantes. As denúncias de Amaury contra a privataria, essas sim, são coisa de gente grande. Inclusive foram denunciadas por veículos tradicionais, em outras épocas, mas não se transformaram em campanhas de moralização, porque o tratamento jornalístico dado foi totalmente outro. O Globo então deveria, antes de fazer qualquer denúncia, se explicar como se beneficiou do apoio dado ao golpe de Estado em 1964, através do qual se transformou de um jornal de porte médio na maior empresa de comunicação do país. O Globo deveria explicar também os aportes que recebeu da Times Warner, ao arrepio da Constituição brasileira.
Ele e seus apoiadores ressaltam sempre que 1/3 do livro é composto de documentos, para dar apoio às denúncias. Mas se os documentos, como dizem, são todos oficiais e estão nos cartórios e juntas comerciais, imaginar que revelem crimes contra o patrimônio público é ingenuidade ou má-fé. Que trapaceiro registra seus trambiques em cartórios?
Pois é, Merval! Mas aí você está parecendo aquele advogado de um assassino, que o defende alegando: “que assassino deixaria as impressões digitais no local do crime”. O fato é que nenhum crime é perfeito, desde que investigado corretamente. Você está sendo novamente leviano. Falamos aqui de operações complexas de lavagem de dinheiro, que consistem justamente em dar aparência legal (ou seja, registrando em cartórios e juntas comerciais) a recursos de origem duvidosa ou escusa. Merval revelou ingenuidade, má-fé ou estupidez. Por respeito a um imortal, prefiro a segunda opção.
Há, a começar pela escolha do título ? Privataria Tucana ? uma tomada de posição política do autor contra as privatizações.
O título foi uma jogada de marketing que deu certo. Também ouvi críticas pertinentes, com as quais quase concordei: de que seria um título partidário, a comprometer a suposta isenção jornalística do autor. Mas depois vi que isso é bobagem. O título resume de maneira bem simples o que é o livro, e ajudou a vender muito. Então foi um título inteligente. É positivamente ridículo Merval dar uma de crítico literário agora.
E a maneira como descreve as transações financeiras mostra que Amaury Ribeiro Jr. se alinha aos que consideram que ter uma conta em paraíso fiscal é crime, especialmente se for no Caribe, e que a legislação de remessa de dinheiro para o exterior feita pelo Banco Central à época do governo Fernando Henrique favorece a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas.
Ora, Merval. É hilariante a sua defesa da legalidade da conta em paraísos fiscais. Quer dizer que o arauto da moralidade na política agora apoia que autoridades públicas, incluindo aí diretores do Banco do Brasil, tenham contas secretas nas ilhas Cayman?
É um ponto de vista como outro qualquer, e ele tenta por todas as maneiras mostrar isso, sem, no entanto, conseguir montar um quadro factual que comprove suas certezas.
Vários personagens, a maioria ligada a Serra, abrem e fecham empresas em paraísos fiscais, com o objetivo, segundo ilações do autor, de lavar dinheiro proveniente das privatizações e internalizá-lo legalmente no País. Acontece que passados 17 anos do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, e estando o PT no poder há 9 anos, não houve um movimento para rever as privatizações.
Em primeiro lugar, houve sim. Há centenas de ações populares para rever o processo das privatizações, e em todas as eleições presidenciais desde o fim da era FHC o tema privatização tem sido predominante, com tucanos e mídia tentando varrê-lo para debaixo do tapete, e petistas procurando colar nos adversários a pecha de entreguistas. Quer maior sentimento anti-privatização do que esse? O que não houve, de fato, foi um movimento legal e político, por parte do governo Lula, de cancelar contratos já assinados, selados, carimbados. Mas ainda há, sim, movimentos para rever a privatização. O governo pode não fazer nada, mas os movimentos existem. Em segundo lugar, isso não tem nada ver. O fato de não haver grandes manifestações populares contra o tráfico de órgãos não diminui a importância deste crime.
E os julgamentos de processos contra os dirigentes da época das privatizações não dão sustentação às críticas e às acusações de “improbidade administrativa” na privatização da Telebrás.
Não havia tantas provas como há hoje.
A decisão nº 765/99 do Plenário do Tribunal de Contas da União concluiu que, além de não haver qualquer irregularidade no processo, os responsáveis “não visavam favorecer em particular o consórcio composto pelo Banco Opportunity e pela Itália Telecom, mas favorecer a competitividade do leilão da Tele Norte Leste S/A, objetivando um melhor resultado para o erário na desestatização dessa empresa”.
O Tribunal de Contas da União, dominado por políticos ligados à direita privatizante, não é, definitivamente o melhor tribunal para julgar os crimes da privatização.
Também o Ministério Público de Brasília foi derrotado e, no recurso, o Tribunal Regional Federal do Distrito Federal decidiu, através do juiz Tourinho Neto, não apenas acatar a decisão do TCU mas afirmar que “não restaram provadas as nulidades levantadas no processo licitatório de privatização do Sistema Telebrás. Da mesma forma, não está demonstrada a má-fé, premissa do ato ilegal e ímprobo, para impor-se uma condenação aos réus. Também não se vislumbrou ofensa aos princípios constitucionais da Administração Pública para configurar a improbidade administrativa.”.
Interessante ver o Merval se alinhando contra o Ministério Público. Quando o mesmo denuncia crimes contra petistas, o Ministério Público é um vingador de Deus. Quando é contra tucanos, ele festeja sua derrota. Pois é, tivemos um juiz, Tourinho Neto, que derrotou o Ministério Público… Pesquisem o excelentíssimo juiz Tourinho Neto no Google e vejam que delícia de magistrado. Cito apenas dois casos: os 91 habeas corpus dados a investigados pela PF na operação Jurupari, contra crimes ambientais em Mato Grosso; e o pedido do arquivamento do caso do juiz Roberto Wider, que corria no Conselho Nacional de Justiça. Ainda tenho que estudar essa representação de um juiz de TO, contra Tourinho Neto, na qual Tourinho Neto é acusado de ser um falastrão midiático, que atacou o juiz de TO por mandar prender Jader Barbalho, e ainda envolve o caso Lunus, que beneficiou Serra nas eleições de 2002.
O livro de Amaury Ribeiro Jr. está sem sexto lugar na lista dos mais vendidos de “não-ficção”. Talvez tivesse mais sucesso ainda se estivesse na lista de “ficção”.
Merval, mais responsabilidade. Ficção também é coisa séria. O dia em que um escritor brasileiro se debruçar com seriedade e fazer uma bela ficção sobre o papel da mídia na política brasileira, ao longo dos últimos cinquenta anos, poderá ficar em primeiro lugar na lista de “ficção”; e, no entanto, estará realizando um ação de justiça cultural e comprometimento com a verdade histórica de qualidade muito superior a grande parte das xaropadas de não-ficção que andam circulando por aí.
O livro de Amaury não é o oráculo de Delphos, nem Amaury (embora muita gente o queira acorrentado) é o Prometeu que trouxe o fogo para libertar os brasileiros das trevas da ignorância. O livro certamente tem defeitos, assim como seu autor. Todos nós temos. Mas é um livro sério, irrepreensivelmente documentado e escrito por um autor com muitas décadas e prêmios de experiência. Deve ser analisado com respeito, e o objetivo da imprensa não deveria ser desmerecer o autor, nem somente encontrar falhas na obra, e sim procurar o que existe de verdade ali e usar seu poder de investigar para puxar os fios do novelo. Isso, claro, caso estiver realmente interessada em lutar pela ética na política e combater a impunidade…