Mídia segue na defensiva

O muro do silêncio rachou e a repercussão sobre o livro de Amaury Ribeiro começa a vazar por um número cada vez maior de fendas. Falta só mesmo ganhar os cadernos principais e as manchetes e o Jornal Nacional.

Quer dizer, falta cair ainda uma barreira importante. O jornal O Globo até agora não mencionou uma palavra sobre o assunto, apesar do mesmo já ser motivo de duros embates no Senado e na Câmara dos Deputados. Em vez disso, o Globo prefere continuar apostando no desgaste do ministro Antônio Pimentel, numa perseguição bastante ridícula, já que não há acusação formal, sequer nenhum indício relevante de qualquer crime contra Pimentel.

O jornal O Globo talvez esteja com receio de dar uma notícia que o obrigue a levá-la ao Jornal Nacional, aí sim, provocando reações imprevisíveis da sociedade brasileira, cuja grande maioria até hoje é fortemente hostil ao processo de privatização tocado pelo governo FHC.

No caso de Pimentel, a trinca midiática (Globo, Folha, Estadão) segue de mãos dadas, revezando-se ou copiando-se uns aos outros. Seus repórteres ficam na cola do ministro fazendo todos as mesmas perguntas.

De qualquer forma, a mídia segue na defensiva, adotando também as mesmas táticas. No Estadão, editorial e coluna da Dora Kramer atacam as declarações do ministro Ricardo Lewandowski, de que as condenações do processo do mensalão podem prescrever. O Estadão comete a imprudência de escrever o seguinte:

No limite, isso é mais danoso para a imagem da Justiça e para a infusão de um mínimo de decência nos costumes políticos nacionais do que seria uma inimaginável absolvição dos principais protagonistas da operação que expôs as entranhas do governo Lula.

O autoritarismo, a arrogância e, sobretudo, o prejulgamento contido no ajetivo “inimaginável” é algo que deve ser posto em evidência, e merecem alguns comentários para afastar mal entendidos. Uma absolvição, por parte do STF, não significa, necessariamente, um atestado de idoneidade. Fernando Collor foi absolvido das acusações que pesavam contra ele no STF. A absolvição refere-se exclusivamente à acusação específica em curso num processo. Diferentemente do Congresso, que faz julgamentos políticos, e sobretudo dos jornais ou da “opinião pública”, onde o preconceito, a emoção e o embate ideológico desempenham os papéis principais, os ministros do Supremo devem julgar a culpabilidade dos réus somente com base em provas materiais. Se estas não forem suficientes, serão absolvidos. Vale lembrar que o dano político causado ao PT e a muitos de seus caciques pelo escândalo do mensalão foi a maior punição já imposta a um partido desde muitas décadas. Jamais um partido apanhou tanto como o PT por causa desse escândalo, que ninguém nega que tenha ocorrido, e que tenha sido grave. O que está em discussão é o que ele foi, em verdade: e tudo indica que ele foi um caso de caixa 2. Não se trata de “negar a existência do mensalão”, mas de apontar os exageros e a atmosfera mítica e monstruosa que a mídia tenta lhe associar. Foi um caso de caixa 2 tão grave quanto o mensalão original, protagonizado pela mesma pessoa, Marcos Valério, na eleição estadual de 1996 para o governo de Minas, envolvendo o então candidato Eduardo Azeredo.

No Globo, Merval Pereira usa a mesma estratégia, de reverberar o fantasma do mensalão para distrair a platéia de um escândalo de proporções infinitamente maiores: a privataria no governo FHC. Não digo isso para que esqueçamos um roubo em função de outro mais grave, mas porque em relação a este último temos fatos novos.

O mensalão petista movimentou cerca de 20 milhões de reais, dentro de uma campanha presidencial cujos recursos contabilizados legalmente chegaram perto de 1 bilhão. É outra mentira, portanto, o exagero de que se trata do maior escândalo de corrupção da história. Foi um dos menores na hierarquia dos valores financeiros – o que não significa que tenha a mesma posição na subjetiva hierarquia de valores morais.

Em todos os textos citados há claras ameaças veladas aos ministros encarregados de tocar o julgamento do mensalão, e uma notória antipatia por Joaquim Barbosa. Merval intitula seu texto da forma mais agressiva e direta possível: “Suspeição”, e questiona sem papas na língua a idoneidade de Lewandoswki, inclusive citando, despudoramente, uma conversa pessoal do ministro ao celular, flagrada por repórteres por ocasião dos debates para aceitar ou não a denúncia do procurador geral.

A faca no pescoço, de que falava Lewandoswki, empunhada pela imprensa e encostada na carne dos juízes, continua no mesmo lugar.

Como eu ia dizendo, todo esse melodrama em torno do mensalão, que irá a julgamento somente em 2013, constitui uma estratégia defensiva em relação a escalada de ataques políticos que a mídia e o PSDB vem sofrendo desde o lançamento do livro de Amaury Ribeiro, com novas denúncias e documentos sobre a privataria tucana.

O assunto tem invadido as redações de todas as maneiras. Hoje temos as seguintes notinhas que furaram o bloqueio.

No Estadão, temos uma matéria na capa da seção de política.

Vem acompanhada de um ataque do PSDB ao PT.

No Globo, temos notinha no Panorama Político, do Ilimar Franco:

Na Folha, temos duas notinhas no Painel, da Renata Lo Prete:

Aliás, a segunda nota traz uma informação alarmante: irá mesmo o PT enterrar esta CPI? Como assim não tem objeto específico? O livro de Amaury não traz nada além de “objetos específicos”! São pessoas, documentos, datas, tudo documentado com uma especificidade de fazer inveja ao um microbiologista. Mas eu acho que tem erro na nota. Maia se referia à CPI da Corrupção.

Ainda na Folha, a coluna da Monica Bergamo, no caderno Ilustrada, também publicou notinhas sobre o mesmo assunto:

 

 

 

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Mudando de assunto, eu gostaria de saber o que levou Aloisio Mercadante, ministro de Ciência e Tecnologia, a cometer o disparate de fazer as seguintes declarações, em audência realizada ontem no Senado:

Morrerão pessoas neste verão e nos próximos.

Tudo bem que sabemos que fatalidades deverão acontecer, mas eu acho que Aloisio podia dispensar o Brasil dessa manifestação de mau agouro. É como o ministro da Saúde vir à público, em rede nacional, e avisar: “não tem jeito, milhões de brasileiros vão morrer de doenças este ano”. Mercadante podia ser mais cuidadoso com as palavras. É óbvio que teremos morte no verão e nos próximos, mas o que nos interessa são as ações do governo no sentido de evitar tragédias; de urubus já nos basta a Miriam Leitão e quase todas as editorias de economia dos jornalões.

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Por fim, deixo aqui um link para reportagem da Folha sobre a Juventude Tucana, e uma foto da “turma do chapéu”, os rapazes que ajudam Aécio a se promover.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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