Estava com saudades da pesquisa Datafolha. Tiro o chapéu para o profissionalismo e transparência dos responsáveis pelo instituto. Tudo bem que eles são super-tendenciosos quando fogem da apuração rigorosamente matemática. E estão acoplados ao organismo midiático-conservador que domina a comunicação social corporativa no país. Quando é para derrubar um político, o jornal produz o fato negativo, acaba com a sua imagem, depois faz uma pesquisa e termina de esmagar o cara.
Mas tirando esse defeito, que está no DNA e portanto não é culpa de seus cientistas, as pesquisas Datafolha estão entre as duas ou três melhores do Brasil. Além disso, eles publicam o relatório completo na internet, composto de um texto em linguagem aparentemente acadêmica e um conjunto de estatísticas.
As estatísticas formam um tesouro que um analista deve tratar com afeto. Por mais que você não aprove a metodologia daquele instituto, é possível você fazer um desconto e colher aí um pouco da química das ruas. Sim, a gente vai à padaria, ao bar, mas só é possível formar uma ideia cientificamente satisfatória do zeigeist de uma cidade, de um povo, através de um levantamento feito de forma sistemática, e de uma análise séria e interdisciplinar sobre o objeto.
E São Paulo é uma cidade modelo para o cientista político estudar o Brasil, pois reune todas as tribos, tendências e contradições econômicas e ideológicas; e apesar de todos os seus problemas, é a cidade politicamente mais viva da América Latina; além de responder, sozinha, por12% do PIB. Ou seja, a cidade tem sido responsável por boa parte do crescimento nacional e geração de empregos.
Viva São Paulo!
Evidentemente não faltam canalhas em Sâo Paulo, mas essa é uma outra luta. Do ponto de vista estritamente econômico, São Paulo é nossa vitrine. Uma cidade com empresários e celebridades super ricos, abundante de supermodels, superjornalistas, e blogueiros obrigados a agir como verdadeiros super heróis…
Em São Paulo encontramos esquerdistas super radicais (influenciados talvez por super maconheiros), com ideias de tomar a reitoria da USP como se fossem palestinos reconquistando jerusalém, misturados a malucos de extrema direita que fariam inveja à elite do texas.
Enfim, São Paulo pode não fornecer a chave para saber quem será o vencedor das eleições presidenciais de 2014, mas será o principal indicador do grau de suas tendências, conflitos e dificuldades.
Esta pesquisa Datafolha é o tiro de revólver que anuncia o início da corrida eleitoral no ano que vem. Se São Paulo fosse agraciada com uma administração autenticamente comprometida com a solução de seus profundos problemas urbanos, e integrada às grandes metas nacionais (o que soa um tanto leninista, eu sei, mas é uma harmonia necessária também ao capitalismo), teria a oportunidade de usar sua riqueza para fundar a primeira metrópole social e tecnologicamente moderna do continente.
Vamos aos números. Selecionarei três ou quatro tabelas que achei mais interessantes e ilustrativas da atmosfera política de São Paulo.
Alguns números vocês já conhecem, porque foram amplamente divulgados. Serra lidera com 19% das intenções de voto, mas tem 35% de rejeição. A mesma coisa acontece com o Netinho, que tem 13%, mas 32% de rejeição.
Netinho tem uma vantagem em relação a Serra. 58% dos paulistas votariam no candidato do Lula.
Haddad, o ilustríssimo desconhecido. é o afilhado político de Lula, e pelo que conhecemos do ex-barbudo, ele não é de se dispersar muito. Vai concentrar toda a sua força e prestígio em eleger Hadadd. O câncer de Lula deu-lhe uma aura, paradoxalmente, intocável, porque seria, no mínimo deselegante, fazer críticas muito pesada um cara se tratando de uma doença. Quer dizer, a mídia não teria pudores de chamar César Benjamin novamente, neste exato momento, para acusar Lula de praticar homossexualismo na prisão. Mas iria pegal mal e poderia se voltar contra a mesma mídia, além de não produzir impacto político concreto junto ao povo, visto que Lula já provou centenas de vezes sua capacidade para vencer o rancor midiático através de uma postura autenticamente socrática: irônica, humilde, astuta.
A primeira tabela a qual devemos prestar atenção é esta, para gravar na mente quem são os principais candidatos. Serra está se inclinando a aceitar o desafio. Mesmo que ele não participe, o cenário não muda muito, porque os que votam em Serra votarão em qualquer um dos candidatos tucanos.
Outra estatística que fez muito sucesso foi essa.
A análise mais interessante vem agora, na distribuição dos números por faixa de renda.
A primeira coisa que chama a atenção do analista é a estrutura semelhante entre Dilma e Lula. O ex-presidente detêm um capital político maior, livre que está agora do ônus de governar. Mas a estrutura classista é semelhante, com Dilma ganhando (apenas com um pontinho de vantagem) de Lula unicamente no quesito rejeição entre a classe alta. Lula é rejeitado por 29% dos que ganham mais de 1o salários, enquanto 28% dessa mesma camada não votariam no candidato da presidenta.
Entre os mais pobres (até 5 salários), 52% votariam no candidato apoiado por Lula, contra 30% que votariam no homem de Alckmin e 14% que preferem o candidato de Kassab. Dilma supera Alckmin em seis pontos entre os pobres: 36% dos entrevistados afirmaram que estão dispostos a votar no candidato apoiado por ela.
Lula ganha também entre os mais ricos; Dilma fica em terceiro lugar, depois de Alckmin, entre os ganham mais de 10 salários: Lula 35%, Alckmin 29%, Dilma 22%, Kassab 6%.
Será muito difícil para a mídia, desta vez, contrariar o forte desejo do paulistano de eleger um prefeito de esquerda, mais especificamente ligado a Lula, que dê início a políticas autenticamente populares, ao mesmo tempo investindo no potencial cosmopolita e tecnológico da capital.
O embate em São Paulo deverá absorver grande parte das energias de uma oposição combalida e desesperançada, de maneira que mesmo que ganhe aí, será uma vitória extremamente custosa.
Como diziam os antigos: os cães ladram, e a caravana passa.