Neste sábado, O Globo publicou uma entrevista com Ana de Hollanda bastante positiva para ela, e que corresponde a mais uma pedrinha na delicada balança em mãos da presidente, onde consta, de um lado, a substituição da ministra e, de outro, a sua continuidade. Até o momento, a balança parecia pender de maneira bastante desfavorável para a meia-irmã de Chico Buarque.
No início de sua gestão, acompanhei os ataques violentos desferidos contra a ministra por gente ligada à cultura digital e do próprio PT. Não formei opinião, apenas ponderei senão seria melhor deixá-la mostrar um pouco de serviço antes de começar a artilharia.
Depois eu até dei razão aos críticos: eles acreditavam genuinamente que a ministra estava destruindo a gestão de Gil, e, a retirada do selo Criative Commons havia sido feito de maneira um tanto intempestiva. Concordei com os críticos, mas não com as críticas, porque realmente não entendo muito de direito autoral, nem de Creative Commons. Até andei lendo bastante coisa sobre isso, mas ainda sim não se senti confiante para emitir opinião sobre o tema.
Na verdade, eu não acho Ana de Hollanda uma ministra muito brilhante. O Brasil tem nomes melhores. E não me refiro a Emir Sader, que seria uma péssima escolha, porque apesar de ser um intelectual respeitado na esquerda, provocaria uma atmosfera de enorme hostilidade por parte de todos não-identificados com a sua atividade militante.
Um ministro da Cultura precisa ser alguém mais ou menos neutro do ponto-de-vista do embate ideológico, como foram Gil e Juca Ferreira, que pertenciam ao Partido Verde, mais ligado à oposição do que ao petismo.
Por outro lado, entendo que a cultura é a grande fronteira ainda não desbravada pelo Brasil. O verdadeiro sertão profundo que ainda não exploramos. Não me refiro aqui a manifestações culturais folclóricas, indígenas, sertanejas. Nada disso.
Em se falando de cultura, sou terrivelmente universalista e humanista. Pode-se encontrar uma qualidade excepcional num músico sertanejo que jamais saiu de sua cidadezinha, assim como Robert Jonhson revolucionou a música norte-americana compondo apenas vinte e nove músicas, sem que tivesse jamais conhecido outros lugares que não o sul dos Estados Unidos. Mas essa música precisa ter qualidades universais, capazes de tocar qualquer ser humano.
Eu já li duas vezes um livro tremendamente difícil, mas que para mim é a base sobre o qual eu penso o que é cultura: é a Crítica do Juízo, de Immanuel Kant, e com isso desenvolvi uma visão de cultura como manifestação artística, e não como atividade antropológica. Prefiro assim, porque essa visão antropológica me levaria a pensar que tudo é cultura, e se tudo é cultura, então não é nada, e não precisaríamos ter um ministério específico para isso.
Enfim, não quero dar uma de pedante entendido em arte, porque ficaria um pouco ridículo neste espaço. Mas é que eu acho que somente entendendo a cultura, enquanto política de governo, como ligada especificamente à produção artística, e deixando de lado a questão antropológica, que é genérica demais, poderíamos desenvolver linhas de ação objetivas. A cultura – enquanto arte, ou seja , cinema, literatura, design, música, etc – ganhou uma nova dimensão com a globalização massacrante que a humanidade experimenta. Em todo mundo, assiste-se seriados e filmes norte-americanos, que são cada vez mais bem escritos e bem executados.
Os países precisam urgentemente fazer maciços investimentos em cinema, para fazer frente ao imperialismo cultural norte-americano. Para isso, naturalmente, não basta somente dinheiro para inflar orçamentos dos filmes, mas a construção de uma estética, e portanto, de escolas de alta qualidade.
Não adianta chorar, protestar ou tentar (em vão) boicotar o imperialismo cultural. O povo gosta dos filmes americanos porque são bem feitos, tem ação, drama, bons atores e roteiros bem construídos. Trata-se de uma luta a ser feita por profissionais da cultura, e não por militantes políticos, embora seja importante que a a política permeie e dê subsídios à cultura, como acontece nos EUA. O cinema americano sempre foi profundamente politizado. Fizeram filmes contra o nazismo, contra o comunismo, contra o machartismo, contra o conservadorismo, e até mesmo contra o próprio imperialismo americano.
Política cultural é como futebol, todo mundo imagina ter ideias brilhantes de como seu time poderia vencer o campeonato. A minha ideia brilhante seria investir pesadamente em bolsas para que estudantes brasileiros pudessem estudar em Holliwood, e aprender diretamente na sede do império os segredos de se fazer filmes; e ao mesmo tempo criar universidades e cursos profissionalizantes de audiovisual no Brasil, com professores altamente qualificados, trazendo-os se necessário do exterior. O controle da sua própria imagem, para um país, depende hoje de como será retratado em filmes. E, apesar de termos emplacado bons filmes lá fora, a nossa produção cinematográfica ainda está bem aquém deste novo papel que o Brasil desempenha no mundo hoje.
Eu falo só de cinema, porque é a atividade cultural que realmente precisa de apoio do Estado, em virtude de sua dependência de uma quantidade gigantesca de recursos, financeiros e humanos. A literatura, a música, as artes plásticas, a meu ver, podem seguir a sua vida com relativa independência do governo.